Entrevista* realizada com Nilo Batista com exclusividade para a fanpage da RENAP-CE sobre o caso Mirian França. Nilo Batista é advogado e professor de Direito Penal (Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Doutor Honoris Causa pela Universidade Nacional de General San Martín – Argentina, e vem realizando inestimáveis contribuições no campo de criminologia crítica e direitos humanos.
RENAP-CE – O caso Mirian França, de ampla repercussão na mídia nacional, mais uma vez expôs a prática de condenação prévia, por parte da polícia, utilizando a imprensa, ainda no decurso das investigações. É compatível com o correto trabalho policial, com o Estado Democrático de Direito, atitudes como estas?
Nilo Batista – São cotidianas as intervenções abusivas da mídia sobre inquéritos ou processos criminais. Se a liberdade de manifestação do pensamento constitui uma importante garantia constitucional, ela não pode ser utilizada para comprometer e esvaziar duas outras garantias que não são menos importantes: a presunção de inocência e o direito a um julgamento justo.
RENAP-CE – Os movimentos de mulheres e negros apontaram que o caso Mirian estaria eivado de racismo institucional, discriminação contra a mulher, dentre outros abusos. Por sua militância na área da advocacia criminal, isto ainda seria uma realidade do sistema penal brasileiro?
Nilo Batista – A análise desses movimentos sociais me parece correta. O sistema penal funciona seletivamente, e a tradição racista brasileira se apresenta fortemente na construção do estereótipo que baliza a criminalização secundária.
RENAP-CE – Há denúncia de que a prisão temporária de Mirian teria sido abusiva. É possível conceber a prisão temporária como método de investigação, ou necessita de fundamentos?
Nilo Batista – Infelizmente, tem se tornado trivial um modelo perverso de prender e exibir, qual troféu humano, o(a) indiciado(a), para depois aprofundar a investigação. Aquela “inexorável necessidade” que o penalismo liberal exigia para toda prisão provisória converteu-se em mera conveniência, às vezes matizada por objetivos publicitários. Nenhuma lei autoriza a exibição de uma pessoa custodiada; ao contrário, a Constituição e muitas passagens legais preconizam sua proteção.
RENAP-CE – A pesquisadora Mirian foi submetida a um interrogatório de 7 horas. A delegada que presidia disse ser esta uma prática, e que já realizou interrogatório de 15 horas. Isto pode ser considerado como tortura?
Nilo Batista – Um interrogatório excessiva e desnecessariamente longo pode assumir o significado de tortura, na dependência de outras circunstâncias. Aliás, interrogatórios longos caracterizam sempre, historicamente, modelos autoritários, da Inquisição a Guantanamo, passando pela Gestapo.
*Entrevista realizada por Rodrigo de Medeiros, advogado popular e membro da RENAP-CE e da RENAP-RS