Paulo Victor Chagas – Enviado Especial da Agência Brasil
O Pará registrou 645 mortes por conflitos no campo entre 1985 e 2013, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O número é quase cinco vezes maior que o registrado pelo segundo estado no ranking de assassinatos por questões fundiárias, o Maranhão, com 138 casos no mesmo período.
De acordo com a coordenadora nacional da CPT, Isolete Wichinieski, os números de morte na disputa por terra no Pará também são superiores aos registrados em toda a Região Nordeste, composta por nove estados e que contabiliza 424 vítimas no período.
“De 2005 até 2013, o Pará teve 118 casos de assassinatos. Há também um grande número de ameaças de morte”, conta ela, antes de confirmar que a missionária Dorothy Stang, assassinada no dia 12 de fevereiro de 2005, estava na lista de pessoas ameaçadas do ano anterior. O documento é divulgado anualmente pela CPT.
Para o procurador do Ministério Público Federal no Pará, Felício Pontes, houve uma diminuição, nos últimos anos, do número de mortes por conflitos agrários. A situação no estado, entretanto, ainda inspira cuidados. “Não tenho dúvida de que na região houve uma diminuição dos conflitos. Mas eu continuo achando que se a gente levar em consideração o Pará, em termos gerais, o índice ainda é alto, muito alto”, frisa Pontes.
Segundo ele, o estado “precisaria de três andares de terra” para dar conta de abrigar todas as pessoas que têm títulos concedidos por cartórios – muitos deles irregulares por causa de fraudes e grilagem de terra – e dizem ser proprietários de terrenos.
O ouvidor agrário nacional, desembargador Gercino José da Silva Filho, também confirma a diminuição no número de conflitos e mortes nos últimos anos no estado. “Depois do caso da irmã Dorothy, melhorou a especialização dos órgãos nas questões agrárias e a prova maior é que o Pará é, hoje, o estado mais bem preparado para enfrentar os conflitos agrários, uma vez que tem várias promotorias de justiça, vários juízes agrários, vara agrária, defensorias públicas agrárias, polícia civil agrárias, ouvidorias agrárias. E isso contribuiu para diminuir o número de conflitos e de violência no campo no estado do Pará.”
Na avaliação do advogado da CPT no Pará, José Batista Afonso, os conflitos são mais intensos porque o estado fica na fronteira de expansão do agronegócio em direção à Amazônia. “Expansão da pecuária extensiva, principalmente no estado do Pará, da soja em Mato Grosso, de várias monoculturas em Rondônia e também da pecuária extensiva, da soja no Maranhão, no Tocantins, e do eucalipto. O agronegócio vai empurrando essas atividades em direção à Amazônia. Isso vai pressionando e gerando conflito com as comunidades que já residem aqui.”
Atuante no município de Anapu desde 1982, a missionária Dorothy Stang conhecia a realidade de disputa por terra no estado e sabia que corria riscos por sua postura de luta em favor do assentamento de pequenos agricultores. “Eu falei com ela: ‘Não é assim, você está mexendo com gente perigosa’”, relembra Rosa Marga Rothe, amiga da missionária.
De acordo com relatos de pessoas ouvidas pela reportagem, apesar das ameaças, a missionária não aceitou proteção policial. “Os próprios companheiros dela e amigos de luta achavam que ela estava sob risco e que deveria se afastar por um tempo. Ela achava que ou tem proteção para todos [ou não tem para ninguém] Por que tem só para ela?”, lembra Nilmário Miranda, que na época do assassinato era ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos.
Criado em 2004, o Programa de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos é, na avaliação de Nilmário, essencial. Ele destaca, entretanto, que o número de pessoas que precisam de proteção é muito superior à capacidade de o Estado auxiliar.
“Ele [o programa de proteção] é absolutamente essencial, mas se você tira um defensor dos direitos humanos do meio em que está atuando em defesa dos povos, da justiça social, as pessoas não querem, porque perde o sentido. Ela vai ser deslocada para outro lugar, mas também vai deixar de cumprir a sua missão, sua tarefa.”
Para Nilmário Miranda, a solução para proteger de forma eficaz os defensores de direitos humanos é identificar a origem da ameaça. “Agir antes que ele [o defensor] se torne mais uma vítima desses bandidos, grileiros, pessoas sem escrúpulos, que não têm o menor respeito pelo direito à vida.”
Já o procurador Felício Pontes acredita que os camponeses devem se unir e não partir para o confronto com fazendeiros ou madeireiros. “Eles devem estar juntos no sindicato de trabalhadores rurais, em uma associação comunitária, e essa associação, essa personalidade jurídica, é que tem que fazer a relação com o Poder Público. Para que a gente não exponha mais ninguém.”
Na avaliação do padre Paulo Joanil da Silva, da coordenação regional da CPT no Pará, os conflitos são resultado de um problema histórico: a falta de um processo de reforma agrária. “Isso é uma decisão política: não vamos fazer reforma agrária. Isso acirra ainda mais o conflito pela posse da terra, pelo direito do trabalho, pelo direito de viver da população camponesa e abre um precedente para a invasão de grandes projetos econômicos, o agronegócio e a mineração.”
Um novo fator que promete agravar a situação fundiária no estado é a migração de pessoas à procura de emprego em cidades pequenas que abrigam grandes projetos. É o caso de Altamira – com 99 mil habitantes segundo o Censo de 2010 – município mais próximo ao canteiro de obras da Hidrelétrica de Belo Monte e que faz divisa com Anapu. Em 2013, a obra contava com 22,5 mil trabalhadores contratados. A expectativa era que o canteiro abrigasse até 28 mil funcionários.
“Os grandes projetos que são instalados para viabilizar essa produção, de energia por exemplo, acabam atraindo migrantes para cá. E os trabalhadores que migram para cá, grande parte deles não consegue emprego nessas empresas e acaba indo para ocupação urbana ou rural”, analisa o advogado da CPT no Pará, José Batista Afonso.
Edição: Lílian Beraldo.