MPF/PA: Confira a resposta do Ministério Público Federal (MPF) à Folha de S. Paulo sobre a reportagem “Impasse em Belo Monte” (clique aqui para acessá-la):
“Ao repórter Marcelo Leite e à TV Folha
Sobre material divulgado pela TV Folha no dia 01 de fevereiro de 2015 sob o título ‘Impasse em Belo Monte’, de autoria de Marcelo Leite, o Ministério Público Federal no Pará gostaria de informar que está a disposição, como sempre esteve, para prestar esclarecimentos e informações sobre as graves irregularidades que detectou em inquéritos civis durante o acompanhamento que faz da instalação da usina.
Infelizmente, na confecção da reportagem acima referida, os responsáveis não procuraram o MPF para tratar dos problemas no processo de reassentamento dos moradores de Altamira que serão deslocados compulsoriamente por Belo Monte. Não menciona que as remoções estão sendo realizadas praticamente sem controle do poder público. Não menciona que o reassentamento rural coletivo previsto como condicionante da obra permanece até hoje descumprido. Não menciona o fato de que a Norte Energia S.A utiliza um especializado grupo de 26 advogados para negociar com uma população levada a aceitar as propostas completamente desprotegida, já que apenas em 2015, após esforços do MPF, a Defensoria Pública da União passou a atuar em Altamira e ainda assim em caráter provisório, sem previsão de assistência permanente às famílias.
A atuação da Defensoria, o MPF ou a própria DPU poderiam informar, já modificou substancialmente várias propostas que antes eram praticamente impostas aos atingidos. A reportagem não o menciona, como não menciona que os problemas do reassentamento são tantos e tão graves que a própria Norte Energia, diante de um auditório lotado com mais de 500 atingidos, admitiu a criação de uma câmara de conciliação que possa funcionar como instância de recurso das negociações amplamente questionadas pela população.
A população removida representa 25% dos moradores da cidade, o texto da TV Folha informa, contradizendo a própria assertiva inicial de que as remoções atingem “casebres de madeira nas áreas alagáveis de Altamira (PA), cercados de lixo por todos os lados”. Se o MPF tivesse sido procurado, informaria, por exemplo, a dimensão da oportunidade perdida com Belo Monte, já que Altamira poderia ter bairros planejados com espaços públicos de lazer e equipamentos essenciais, em lugar de uma corrida de remoções forçadas (serão 2 mil famílias removidas pelos próximos 2 meses, mantido o calendário e os atropelos atuais) para uma área de reassentamento que enfrenta questionamentos judiciais. Era o que estava previsto no licenciamento e que foi arbitrariamente modificado pelo empreendedor, sem nenhuma explicação plausível aos mais de 26 mil atingidos pelo deslocamento compulsório.
Infelizmente, a reportagem não procurou o MPF para tratar das alegações feitas pela Norte Energia S.A como justificativa pelo atraso de cronograma de Belo Monte. Se o fizesse, saberia que o MPF discorda frontalmente da afirmação, dada pelo texto como verdade, de que “por conta de greves e invasões”, a operação da usina pode atrasar. A equipe da empresa, que atendeu à reportagem da Folha, por diversas vezes em notas públicas afirmou que ocupações e manifestações dos atingidos não afetavam o ritmo e cronograma das obras. Essa contradição evidente entre o discurso público da empresa e as alegações feitas à Aneel foi ignorada pelo texto da TV Folha.
A análise do MPF, feita sobre os documentos apresentados pela própria empresa, aponta o diminuto papel de greves e protestos no atraso: ao contrário, foi a incapacidade da Norte Energia de cumprir suas obrigações no processo de licenciamento que causou a maior parte dos atrasos. Foi a empresa, por exemplo, que atrasou em mais de 12 meses a apresentação do sistema de transposição de embarcações do rio Xingu. Mesmo assim, tenta fazer passar a versão de que o Ibama é responsável por não aprovar o sistema. Como o órgão licenciador poderia aprovar um sistema que não havia sido apresentado?
O texto registra, justiça seja feita, que a própria Aneel vem concordando, em sucessivos pareceres, com o entendimento do MPF. Se os técnicos da Aneel consideram inválida a justificativa de “greves e protestos” para um possível atraso da obra, essa afirmativa não pode ser tratada como verdade, apenas como versão da empresa. A análise do MPF com inúmeros exemplos da incapacidade do empreendedor de cumprir suas obrigações se coaduna com documento assinado por 12 pesquisadores de universidades brasileiras, todos apontando a responsabilidade da qual a empresa agora quer se eximir, com prejuízo para todos os brasileiros. As informações sobre a real e inequívoca responsabilidade do empreendedor de Belo Monte no atraso estão disponíveis na internet, em caso de impossibilidade de contato direto com a instituição, pelo link: http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2014/mpf-envia-informacoes-a-aneel-sobre-o-cronograma-de-belo-monte/.
Se a reportagem tivesse feito contato com o MPF poderia ter conversado diretamente com os três procuradores da República que moram e trabalham em Altamira, onde a reportagem esteve. Se o fizesse, saberia que, sem nenhuma exceção, todas as ações compensatórias e condicionantes previstas para os povos indígenas atingidos por Belo Monte estão atrasadas ou simplesmente descumpridas. Saberia que tais medidas foram exigidas não para “complicar a marcha de Belo Monte” ou para “empatar-lhe o caminho”, como registra o texto. Foram exigidas porque a usina de Belo Monte, segundo o diagnóstico oficial, chancelado pelo estado brasileiro, firmado nos documentos oficiais do licenciamento da usina, é uma obra de altíssimo risco para a sobrevivência dos povos indígenas do Xingu.
Infelizmente, a reportagem não procurou o MPF, mesmo citando a procuradora da República Thais Santi, para ter acesso ao detalhado procedimento em que ela investigou o plano emergencial da Norte Energia para os povos indígenas afetados por Belo Monte. É essa investigação que demonstra, com laudos, vídeos, notas técnicas, documentos oficiais e visitas em campo a deterioração visível e palpável do modo e das condições de vida dos índios do médio Xingu desde o início das obras de Belo Monte em 2012. É com base nessa investigação, a que a reportagem poderia ter tido acesso se quisesse, que a procuradora classifica a política aplicada aos índios em Belo Monte de etnocida.
A reportagem também não conversou com nenhum antropólogo ou liderança dos oito povos indígenas impactados por Belo Monte para conhecer a extensão dos danos a eles causados pela política da empresa e para confirmar, ou não, as afirmações da procuradora Thais Santi citadas. Infelizmente, a reportagem parece ter considerado suficiente a palavra do superintendente de assuntos fundiários da própria Norte Energia, Luiz Antonio Zoccal Garcia, de que a procuradora “exacerbou” sobre a situação dos índios atingidos por Belo Monte. Infelizmente, a afirmação de uma fonte que está na folha de pagamento da Norte Energia e que não é especialista em assuntos indígenas ficou sem o contraponto justo e necessário.
Infelizmente, como demonstramos, várias questões de extrema gravidade não foram mencionadas na reportagem, mas, como dito acima, o MPF permanece à disposição para prestar esclarecimentos e informações, se a TV Folha e o repórter Marcelo Leite julgarem relevante”.
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