Projeto de Lei 7735, que prevê a facilitação de acesso a bens comuns e conhecimentos tradicionais, deve ser votado nesta terça-feira (10). Para assessor jurídico da Terra de Direitos, o texto que está sendo discutido representa apenas os interesses dos setores industriais, farmacêutico e do agronegócio.
Sem que fosse votado em 2014, o Projeto de Lei 7735 – que tranca a pauta da Câmara dos Deputados há seis meses por tramitar em regime de urgência -, volta à discussão esta semana.
Com a aprovação do relatório e de um texto substitutivo proposto pelo deputado ruralista Alceu Moreira (PMDB) nesta segunda-feira (9), a votação do Projeto de Lei (PL) deve acontecer ainda nesta terça-feira (10), a partir das 14h.
A partir da admissão do novo texto, o PL que será votado terá incluso a discussão sobre a regulamentação da agrobiodiversidade. Além de prever a facilitação de acesso e repartição de benefícios do uso dos bens comuns naturais e conhecimentos tradicionais para o desenvolvimento de produtos e experimentos científicos – algo já proposto no PL apresentado inicialmente pelo Governo –, o PL que seguirá para a votação estende essas facilidades às situações relacionadas à alimentação e agricultura.
O novo texto também ressuscita vários pontos do ante-projeto de Lei discutido em 2014 pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, e que pretendia instituir o controle privado sobre sementes crioulas.
A regulamentação de tratados internacionais como a Convenção da Diversidade Biológica (CDB) e o Protocolo de Nagoya continuam previstas no PL.
Na votação do substitutivo, partidos como PT, PV, PSOL e PC do B se posicionaram contra. Se aprovado, o Projeto de Lei segue para aprovação do senado.
Interesses econômicos
Para o Assessor Jurídico da Terra de Direitos, André Dallagnol, o texto que está sendo discutido representa apenas os interesses dos setores industriais, farmacêutico e do agronegócio. “Prova disso é a previsão de anistia para multas anteriormente aplicadas, além das inúmeras possibilidades de se esquivar da obtenção de consentimento prévio e informado dos detentores dos conhecimentos tradicionais. Há também a expectativa, do agronegócio, de não precisar pagar ‘royalties’ sobre a exploração de espécies exóticas”, explica.
Segundo o assessor, a questão do pagamento de direitos sobre as variedades exóticas foi o principal argumento apresentado pela bancada ruralista, em 2014 , como uma barreira à aprovação do Protocolo de Nagoya. Para ele, a oposição a esse protocolo, que implicaria no pagamento de royalties de sementes exóticas, tem o único propósito de esconder os reais interesses das transnacionais do agronegócio, que é alcançar o monopólio sobre as sementes crioulas.
Detentores de conhecimento tradicional afetados
O mecanismo de obtenção de consentimento de aquisição de conhecimentos tradicionais, regulamentado no PL, traz também brechas que impedem que os povos controlem o acesso aos seus saberes. Além disso, não prevê maior facilidade no acesso dessas comunidades aos recursos genéticos de propriedades privadas ou unidades de conservação.
Contrastando com a participação direta dos setores farmacêuticos, industriais e do agronegócio, os detentores dos conhecimentos tradicionais não tiveram espaço nos debates que antecederam a proposição do projeto 7735.
Segundo Dallagnol, isso viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a Convenção da Diversidade Biológica e o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura (TIRFAA), que determinam que haja a consulta prévia livre e informada de agricultores, comunidades e povos tradicionais nesses casos.
O fato do PL estar tramitando em regime de urgência – uma herança da ditadura militar – também prejudica a ampliação do debate dos possíveis impactos de se regulamentar o acesso e repartição de benefícios sobre recursos genéticos – bem de todos – e conhecimentos tradicionais associados – bem dos detentores –, sem que estes participem.
“A falta de diálogo com esses grupos resultou em um projeto de visão restrita, uma vez que não se levou em consideração questões que são discutidas pelos detentores de saberes tradicionais”, fala.
Para o assessor, isso demonstra a falta de comprometimento do Governo e Parlamentares brasileiros com os compromissos assumidos internacionalmente. Ao tentar regulamentar esses instrumentos internacionais, como a CDB e o Protocolo de Nagoya, o Brasil acaba por feri-los de morte – a participação de agricultores, povos e comunidades tradicionais em projetos de seus interesses é assegurada por esses e outros tratados.
Tal cenário deve fomentar discussões entre os povos dos campos, das florestas e das águas contra o avanço dos interesses econômicos sobre seus territórios e conhecimentos.
No fim de 2014, mais de 50 organizações e movimentos sociais assinaram a carta De onde brotam os espinhos, se posicionando contra a aprovação do PL.
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A situação de povos e comunidades tradicionais é discutida no Boletim O Horizonte é logo ali, produzido pela Terra de Direitos no fim de 2014. O material traz um panorama de avaliação dos acontecimentos passados que são de interesses dos povos do campo, da floresta e das águas, e projeta possíveis impactos em 2015.
Sabe-se que a atuação de detentores de saberes tradicionais está diretamente ligada a luta pela preservação da biodiversidade. A prática de tais conhecimentos depende diretamente do que é fornecido pela natureza. A matéria Retribuindo os presentes que a terra dá, presente no boletim, fala sobre a atuação de benzedeiras e raizeiras, que são exemplos de agentes de conservação.
As participações na Convenção da Diversidade Biológica e na Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena também são noticiadas no boletim. A partir disso, é realizada reflexão desses mecanismos de proteção da biodiversidade e o reflexo de tais instrumentos no cotidiano de agricultores e povos tradicionais.
Foto: A Cultura das Benzedeiras. Foto do site Etnia Brasil de Livia Zaruty (CC BY-NC-ND)