Gabriel Schütz*
As recentes manifestações populares em protesto pela morte de homens negros nas mãos de policiais brancos nos EUA nos chamam a refletir sobre uma das piores misérias morais com a que ainda convivemos: o racismo.
Racismo que se expressa brutalmente através de desastradas ações policiais como a que em julho deste ano tirara a vida de Eric Garner, trabalhador negro em Nova Iorque; e dias depois, em nove de agosto tirou a vida de Michael Brown, adolescente negro em Ferguson, Missouri. Assassinados, em ambos os casos, por policiais brancos que saíram inocentados pelo Poder Judiciário norte-americano, causando uma profunda indignação e recusa popular manifestada publicamente em várias cidades daquele país.
Mas há também um racismo que se expressa em forma insidiosa no cotidiano ao nosso redor, que é muito menos visível, mas não por isso é menos execrável e assassino: Um dia, no caso, em Curitiba, expõe-se nas redes sociais um belo jovem branco dentre os milhares de zumbis urbanos que – por via da exclusão e a segregação – deambulam nas cracolândias. Outro dia, desta vez em São Paulo, foi a vez de uma bela jovem branca chamar a atenção da mídia. Conhecidos como mendigat@s, chegaram com sua beleza branca até à novela das nove e aos programas de entretenimento. O espaço de disputas que chamamos sociedade parece sensibilizar-se com o drama destes jovens. Comove-se e torce frente à TV para que consigam voltar ao “caminho certo”, que não é, evidentemente, o de mendig@ morador/a de rua.
Por acaso, esse lugar está reservado para otr@s, que não bel@s jovens branc@s?
A visibilidade dos mendigat@s é proporcional à invisibilidade d@s ‘não-gat@s’. Como sociedade, naturalizamos que bel@s jovens branc@s devem ser resgatados em sua dignidade e devolvidos à sociedade, ao tempo que invisibilizamos uma multidão de crianças, adolescentes, idos@s, ‘fei@s’, pobres e/ou negr@s. Multidão de sujeitos condenad@s a que seja a morte ou a alienação religiosa que os resgate do pesadelo.
Atualmente, nem o Brasil, nem os EUA podem ser considerados países racistas, mas países com racistas. Uma coisa é política de não discriminação na letra da norma e outra coisa é a prática social dos racistas; uma coleção de canalhas que ocupam espaços cruciais para a reprodução do racismo e promovem seus desfechos, como é a polícia, o Judiciário, a academia e os meios de comunicação.
Mais um detalhe não deve nos escapar: será que só nos EUA jovens negros são mortos pela violência de agentes do Estado?
Se o preço da vida humana fosse medido no espaço na mídia a ela dedicado quando perdida, facilmente comprovaremos que seja por catástrofes naturais; enfrentamentos armados; violência urbana ou doméstica, dentre outras calamidades, a vida dos brancos e, principalmente, dos norte-americanos (incluindo negros) está bem mais valorizada do que a de milhões de ‘subalternos’ e ‘periféricos’ que têm suas vidas absurdamente interrompidas a cada momento pelo mundo fora. Acidentes de trabalho, discriminação, assédios, doenças negligenciadas, morte pós-aborto e na infância não afetam a tod@s por igual. Isso também é uma forma odiosa de racismo.
Estejamos atentos às diversas manifestações de ódio racial, comprometemo-nos a resistir essa lamentável forma de ignorância. Contra o racismo, nenhuma tolerância é razoável, pois não seremos uma sociedade de humanos dignos e livres enquanto exista essa vileza entre nós.
*Professor Adjunto Saúde Ambiental e dos Trabalhadores. IESC-UFRJ