Os Arquitetos Sem Fronteiras – Brasil repudiam as declarações do prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, em uma rádio da cidade sobre as ocupações urbanas na manhã do dia 03/02/2015. Ao se referir a “grupos organizados e radicais contra o sistema político democrático” ele parece se esquecer das escusas relações entre poder público e capital privado, existentes nesse “sistema político democrático”. Ao proferir que estes grupos fazem uso de “recursos violentos e ilegais” criminaliza movimentos legítimos pelo direito sistematicamente negado, apesar de constitucional, da moradia, validando, assim, o uso da violência física e psicológica em ações contra as ocupações.
As áreas públicas e privadas onde hoje se localizam as ocupações não cumpriam com sua função social, obrigatória por lei. O prefeito ignora ou finge ignorar que as pessoas envolvidas com as ocupações urbanas estão fazendo o que seria papel do Estado: garantir uma moradia digna à todos e acompanhar o desenvolvimento urbano do território municipal.
Ele promove um ataque seletivo às ocupações que se formam em locais designados para gerar lucro e mais segregação. O prefeito quer construir casas onde já existem casas! Mas para quem? Não para esses que estão lá fazendo valer os seus direitos. O argumento da “fila” para moradia é um engodo inaceitável que não sobrevive ao próprio argumento. Ele considera que esperar 5, 10, 15 anos nessa fila é uma opção digna, enquanto isso os moradores das ocupações devem ficar pagando alugueis que consomem boa parte de seus salários, ou morar de favor durante este período de espera.
A Prefeitura Municipal de Belo Horizonte não cumpre a lei ao abandonar as várias formas de enfrentamento do problema da moradia previstas na Política Municipal de Habitação se restringindo apenas à urbanização de grandes aglomerados e a produção de novas habitações. Enquanto isso as comunidades existentes padecem da falta de recursos para o planejamento e a promoção de melhorias em seus assentamentos tão necessitados.
A própria política habitacional trouxe mais poder ao capital privado, que especula em torno de cada metro quadrado de nossas cidades, inclusive dentro de seus assentamentos precários já consolidados.
A produção de novas moradias, tal qual praticada pelo programa federal Minha Casa Minha Vida, não é capaz de reduzir o déficit imenso de cidadãos cadastrados no programa, nos últimos anos a Prefeitura produziu menos de 25 mil moradias sendo que o déficit habitacional da cidade passa de 120 mil famílias. A má gestão atual não foi capaz de entregar mais do que 5 mil residências.
Enquanto isso, ao insistir nesta política pobre e deformada, a prefeitura se omite em evitar os efeitos da especulação imobiliária em toda a cidade, inclusive nas vilas e favelas, permitindo com que os preços dos imóveis, terrenos e alugueis subam de maneira insustentável, o que piora ainda mais a situação dos que precisam lutar pela sua moradia.
O prefeito diz que não executa reintegração de posse como se fosse benevolente, mas sabemos que isso não acontece pelo mero fato do prejuízo político que os despejos acarretariam. Diz que não negocia com grupos “radicais” que descumprem acordos. Ele não negocia, pois sabe que esses grupos por ele denominados “radicais”, no qual nos incluímos, trabalham no desenvolvimento de projetos e propostas conciliadoras e inclusivas, abertas a contemplar todas as partes envolvidas, mas não é isso que a atual administração municipal deseja. O que verificamos é a predisposição de varrer os pobres para cada vez mais longe da cidade de Belo Horizonte, como se fossem todos estrangeiros em sua própria terra.
Chega de mentiras ou meias verdades, é preciso que o governo retome os vários programas e linhas de atuação previstas em lei, aplicando os instrumentos de política urbana que obriguem os proprietários de terra a dar uso para seus terrenos abandonados, que promova outras formas de produção habitacional como a autogestão, o aluguel social, o apoio ao autoconstrutor e as melhorias habitacionais em vilas e favelas, que interrompa o desfavelamento de áreas em comunidades afetadas pelo programa Vila Viva deixando as vilas com vazios abandonados e cheios de lixo que a prefeitura insiste em chamar de “parque”.
Há muito a ser feito e o poder público precisa abandonar esta atitude restrita e inflexível para construir com todos uma nova política social de acesso à terra, à moradia e à cidade.
Arquitetos sem Fronteiras – Brasil
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.
Foto: Site da Ocupação Nelson Mandela.