Há quase quinze anos, indígenas lutam pela demarcação de sua terra em Itapipoca; cobiçada por empreendimento turístico, a área foi delimitada pela Funai há três anos, mas ainda não foi homologada pelo Ministério da Justiça
Por Ciro Barros, em Pública
É dia de festa – e de luta – no sítio São José, uma das quatro aldeias que compõem a Terra Indígena Tremembé da Barra do Mundaú, em Itapipoca, a 130 quilômetros de Fortaleza, Ceará. Nas cercas e nas palhoças deste território ameaçado estão as faixas exigindo a demarcação das terras. Uma delas aponta o inimigo que há quase quinze anos cobiça a área dos Tremembé: “Fora Nova Atlântida!”, exige a faixa.
Caso a batalha na Justiça Federal seja vencida pelo grupo empresarial espanhol, as palhoças, roçados, a cultura e o modo de vida dos Tremembé darão lugar a piscinas repletas de turistas endinheirados degustando caipirinhas enquanto esperam a próxima partida de golfe. A intenção da Nova Atlântida é construir um megaempreendimento turístico nesse quinhão do litoral oeste cearense, ainda pouco explorado. O nome, escolhido em alusão à lendária metrópole grega que repousa no oceano, pretende transmitir a grandiosidade do projeto.
Por isso, as faixas continuam penduradas durante a Festa do Murici e Batiputá (ao final da colheita desses dois frutos nativos) – uma das celebrações mais importantes dos Tremembé. “No meio da luta tem as festas também né? É uma festa que vem dos nossos antepassados, mas tava meio esquecida e nós estamos resgatando”, diz Erbene Tremembé, que divide a liderança da aldeia com outra mulher, Adriana Tremembé. “Aqui é meio diferente, são as mulheres que mandam”, brinca Erbene.
E não é qualquer inimigo que os indígenas liderados por Erbene e Adriana enfrentam. De acordo com um artigo do espanhol Juan Ripoll Mari, que está à frente do empreendimento, “em sua primeira fase [o projeto] prevê a construção de 27 hotéis e resorts, seis condomínios residenciais e três campos de golfe. Se aprovado, ocupará 12 quilômetros contínuos da orla da praia da Baleia, em Itapipoca, com 3,1 mil hectares de área, “terra onde o sol brilha na maioria dos 365 dias do ano, emoldurado por dunas deslumbrantes e pelos decantados ‘verdes mares’”, descreve o empresário. “Não se trata de um simples empreendimento turístico, mas de uma cidade constituída de 42 empreendimentos, 120 mil leitos e mais de 200 mil empregos diretos e indiretos”. E conclui: “Estou falando da implementação de um projeto que, sozinho, vai duplicar o volume de turistas que o país recebe anualmente”, anunciava Mari àquela época, enaltecendo a localização estratégica, “a pouco mais de seis horas de voo dos Estados Unidos e Europa”.
O sonho desse novo descobrimento espanhol atingiu em cheio os Tremembé, que ainda não tinham obtido a demarcação da terra. Para complicar, parte dos moradores da comunidade passou a apoiar o empreendimento, seduzida pela promessa de geração de empregos e movimentação da economia em decorrência do empreendimento orçado em US$ 15 bilhões, segundo a imprensa cearense. Os Tremembé partiram para a luta divididos.
‘Dissemos que íamos ficar com o nosso povo’
Erbene conta que o embate com a Nova Atlântica começou em 2002, quando a empresa apareceu na região. “Eles chegaram com uma planta já feita, com a nossa terra toda fatiada entre as empresas do grupo. A gente vê que tem uma cobiça muito grande pelas nossas belezas: aqui tem a praia, as matas, dunas, rios, mares, nascentes, lagoas…”, diz. “Eles chegaram na comunidade, mostraram um mapa e falaram que a gente ia ser retirado da nossa casa. Esse local que a gente tá aqui hoje eles iam desocupar pra eles fazer o complexo deles. Foi aí que o pessoal da comunidade, os mais idosos, se sentaram comigo e perguntaram o que a gente ia fazer. A conquista da empresa era muito grande: promessa de emprego e tudo mais. Nós sabíamos que ia ser difícil, mas dissemos pra eles que íamos ficar do lado do nosso povo. A partir daí começou a luta. Nessa área aqui, no São José, eles já chegaram cercando. Lá no Buriti do Meio [outra aldeia Tremembé] eles fizeram outra área privada também”, relata a líder indígena.
“Não dava mais para a gente ficar calado e ser massacrado como os nossos antepassados”, diz a outra líder, Adriana Carneiro. Segundo ela, a região era alvo de disputas constantes pela terra. “Nossos antepassados foram impedidos inclusive de falar que eram índios, porque os posseiros aqui dominavam tudo. Os nossos troncos velhos [índios mais idosos] nos contam como os posseiros chegavam e diziam pra eles que tinham comprado essa terra. Eles não tinham conhecimento de documento, dessa questão de leis. Quem chegava e dizia que era o dono, virava dono. Era aquela coisa dos coronéis, eles tinham que obedecer pra continuar vivo e pra ficar morando aqui e tiveram que se calar porque amavam a terra”, conta.
Os posseiros permitiam que os índios ocupassem pequenas áreas na região, sob condições severas, continua Adriana. “Você tinha que dar metade de tudo que era seu. Se era da mandioca, tinha que dar metade da farinha, do milho, do feijão. Se vendesse fora, tinha que dar o dinheiro. Eles ficaram calados muito tempo pra não sair da sua terra”. Com ela concordam as lembranças de um dos indígenas mais antigos do grupo, Paulo Tremembé. “Era assim mesmo. Pessoal não conseguia se reconhecer, tinha muito medo de morrer, de perder as terras”, conta.
Depois da negativa decidida das líderes indígenas, a empresa adotou outra estratégia. “Como a comunidade se manifestou contra o empreendimento, a primeira coisa que eles fizeram foi conquistar um grupo bem bom pro lado deles. Então a partir daí a comunidade se dividiu”, diz Erbene. “Eles foram dando a terra e deixando o povo de vigia. Eles tavam pagando o pessoal daqui, os índios que não se reconhecem como índio para combater seu próprio povo. Botaram um contra os outros, tavam pagando pra isso, pra haver a divisão e pro grupo enfraquecer”, conta.
“Foi muito triste ver nossos parentes nos renegando. Dentro de uma mesma família tinha irmão que se dizia índio e outro que não se reconhecia. Foi uma tristeza muito grande”, lamenta o indígena Estevão Tremembé. O conflito chegou a ponto de provocar uma morte. “Até por conta desse preconceito foi que uma jovem foi apedrejada dentro de um carro de feira [pau-de-arara], uma jovem indígena. Ela estudava na Vila dos Pracianos [distrito de Itapipoca] e vinha da escola dentro de um carro junto com os outros. A gente sofria preconceito. Eles diziam que índio fedia, alguns evangélicos diziam que nossos cultos eram do demônio”, relembra Erbene.
A batalha na Justiça
Mas outra missionária cruzou o caminho dos índios, essa para ajudá-los na luta pelo reconhecimento de seu território. Maria Amélia Leite, então à frente da ONG Ação Missionária Tremembé, passou 38 de seus 84 anos de vida lutando pelos direitos indígenas. Dedicou-se aos Tremembé da Barra do Mundaú e de outras aldeias (como Almofala e o Córrego João Pereira, nos municípios de Itarema e Acaraú) e à defesa do processo de demarcação de terras de outras etnias (como os Kanindé, também no Ceará, e os Xocó, em Sergipe).
A partir de 2003, ela começou a receber ameaças, quando passou a ajudar os Tremembém “de longe, sem andar lá”, conta. “Porque eu fui tão perseguida pelos advogados de Itapipoca que você nem queira saber. Fui ameaçada de todo jeito, até de morte. Também fui processada na justiça”, relata pausadamente Maria Amélia, que aproximou os índios da mesma etnia de outras aldeias, mais adiantadas no processo de demarcação. “As primeiras passadas que eu dei para a nossa identificação foram através dela [Maria Amélia]. A Missão e os nossos parentes começaram a mostrar os caminhos pra mostrar aonde é que a gente iria atrás, do Ministério Público, da Funai”, conta Erbene.
Enquanto os Tremembé começavam a tomar consciência de seus direitos, o Nova Atlântida seguia o seu projeto. Em 3 de novembro de 2004, o Coema (Conselho Estadual do Meio Ambiente) do Ceará aprovou o EIA-RIMA do empreendimento, depois licenciado pela Semace (Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará). No mesmo dia da aprovação do Coema, o Ministério Público Federal entrou com uma ação cautelar pedindo a suspensão do licenciamento.
“Já havia indícios de que havia uma ocupação tradicional dos índios ali, havia artefatos, materiais arqueológicos”, conta o procurador federal do MPF em Itapipoca, Ricardo Magalhães de Mendonça, hoje à frente da ação. Desde 2003, a Funai (Fundação Nacional do Índio) havia determinado estudos técnicos na região. “O Ministério Público entrou com uma ação pedindo a nulidade dessa licença ambiental porque foi feita de uma maneira incompetente, já que havia todos esses indícios da presença indígena ali”, relata o procurador.
Depois da suspensão do licenciamento, representantes dos Tremembé da Barra do Mundaú foram convidados a participar de uma reunião na sede do MPF, onde estava presente também a missionária Maria Amélia, que pediu a Antônio Jeovah Meireles, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), para fazer um estudo técnico na mesma área em que foi feito o EIA-Rima. O resultado foi um estudo de quase cem páginas, feito pelo professor em parceria com a mestra em antropologia e doutora em arqueologia da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Marcélia Marques, que contradiz os estudos encomendados pela empresa.
“Nós pegamos o Estudo de Impacto Ambiental e fizemos uma visita técnica no local para mostrar como esse estudo estava conduzindo a sociedade ao erro”, conta Jeovah Meireles. “Ali nós constatamos realmente que se tratava de uma terra indígena e que o empreendimento ocupava as áreas tradicionalmente ocupadas pela etnia. Os hotéis e resorts estavam sendo projetados em Áreas de Preservação Permanente (APPs). E também vimos que não haviam sido aplicados vários princípios no estudo como o da ampla participação, da equidade, da soberania e da segurança alimentar daquela comunidade. Também detectamos que no local havia cinco sítios arqueológicos não observados no EIA. O estudo praticamente invisibilizava o grupo indígena”, critica o professor.
Esse parecer técnico embasou a Ação Civil Pública, movida pelo MPF a partir de 2005, que visa a impedir definitivamente que o complexo turístico se instale ali.
O EIA-RIMA do projeto Nova Atlântida foi feito pela Geoconsult. Segundo reportagem no jornal O Povo, o presidente da empresa, o geólogo Tadeu Dote de Sá, foi alvo recente da Operação Marambaia, da Polícia Federal. Sá foi condenado a 32 anos e meio de prisão por elaborar laudos fraudulentos para quatro empreendimentos nos municípios de Aquiraz e Caucaia, também no litoral cearense, ainda segundo a reportagem d’ O Povo.
A Pública não conseguiu ouvir um representante do grupo Nova Atlântida insistentemente procurado ao longo de uma semana. Apesar da grandiosidade do projeto, o grupo não tem site nem assessoria de imprensa. Os telefones registrados no CNPJ da empresa não existem. A Pública também tentou contato com os advogados do grupo, mas só conseguiu falar com o advogado Djalro Dutra, que defendeu o Nova Atlântida na Justiça Federal até dezembro do ano passado. O advogado disse que “por questões éticas”, não poderia comentar o caso já que não mais representa o grupo na Justiça. “Um dos motivos que me fez sair da causa foi justamente a dificuldade de me comunicar com o grupo”, afirmou Dutra.
Em sua defesa, o Nova Atlântida apresentou um estudo feito pelo Instituto Moreira D’Nobrega, coordenado pela professora de sociologia da UFPB, Rosa Lourdes Pereira (falecida em 2013). O estudo, incluído nos autos do processo, trazia depoimentos de pessoas que negavam ocupação indígena no local, e concluía: “nas terras onde se localizam o Sítio São José e Buriti não se encontram vestígios de que tenha sido ali morada de índio, quer de forma natural ou por aldeamento; não existe, conforme documentação cartorial, nenhum registro que faça referência à presença indígena nas terras desde 1744; é bem clara a cadeia sucessória de proprietários”.
Um título de posse da terra registrado em um cartório de Itapipoca no final dos anos 1970 foi exibido pela empresa, que comprou o título de um casal de moradores locais. Segundo os índios, os “vendedores” eram posseiros.
“Aparentemente, esses documentos da empresa são irregulares. Nada impede que os títulos sejam emitidos em terras indígenas. A terra em questão não era nem delimitada pela Funai. Muitas terras indígenas não são demarcadas e nem têm titulação em cartório, então muitas vezes ocorre a titulação sem controle se aquela emissão de título foi feita ou não em terra indígena”, argumenta o promotor Ricardo Mendonça. “Qualquer título emitido em terra indígena não tem valor legal. É inconstitucional.”
‘Fomos ao local e não vimos nenhum índio’
Fora dos tribunais, a disputa também se acirrava – e ganhava novos personagens. Em julho de 2008, o então governador do Ceará e atual ministro da Educação, Cid Gomes, levou à Barra do Mundaú uma comitiva formada por parlamentares da Comissão de Turismo da Câmara Federal, o embaixador da Espanha no Brasil à época, Ricardo Peidró, e empresários do Nova Atlântida.
“Fomos até lá, conversamos com a população local e não vimos nenhum índio. O que vimos foram pessoas que querem a implantação de um projeto que irá trazer desenvolvimento e empregos”, disse o então deputado Albano Franco (PSDB-SE). “O que existe é uma ONG que já recebeu quase R$ 1 milhão para aliciar pessoas na região para se passarem por índios”, afirmou a deputada Gorete Pereira (PR-CE), referindo-se à Missão Tremembé.
A indignação dos Tremembés com as declarações da comitiva foi registrada em uma série de depoimentos gravados pelo engenheiro Philipe Ribeiro.
Coaf investiga o Nova Atlântida
Outro personagem a entrar na história foi o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), ligado ao Ministério da Fazenda, que passou a investigar os sócios do Nova Atlântida – o empresário espanhol Juan Ripoll Mari, seu filho David Ripoll e sua mulher Iselda Ripoll. Em 2007, foi divulgado um relatório do Coaf apontando movimentação financeira incompatível com a renda declarada por Mari. Só em uma conta bancária, ele havia movimentado R$ 30 milhões em 11 meses em remessas à Espanha. Procurado pela Pública, o Coaf afirmou que não comenta casos específicos.
Ainda assim, em 2010, o grupo Nova Atlântida conseguiu derrubar a liminar obtida pelo Ministério Público Federal. A Funai passou a averiguar se, de fato, a Barra do Mundaú era uma área indígena enquanto a empresa tentava barrar as pesquisas do órgão. No dia 6 de fevereiro de 2012, enfim, o resumo do estudo da antropóloga Claudia Signori Franco, da Universidade de Brasília (UnB), foi publicado no Diário Oficial da União, comprovando que a área era realmente indígena.
A Barra do Mundaú é ocupada há séculos pelos Tremembé que, devido às perseguições da Igreja, dos coronéis e até a condições climáticas, migraram de sua terra natal, Almofala, para lá. Adriana Tremembé ainda se emociona de lembrar do dia em que, enfim, teve sua identidade reconhecida pela Funai. “Nossos antepassados morreram nessa esperança e expectativa de ver a terra com a gente de novo. É por isso que eu acho que eles espiritualmente se encontram felizes e alegres de estarem conosco nessa luta”, diz.
Fogo nas palhoças
Revigorados por, enfim, terem sua terra reconhecida pela Funai, os Tremembé retomaram em 2013 uma área dentro do sítio São José mais próxima à praia, invadida 11 anos antes pela Nova Atlântida. Os índios se uniram e expulsaram os vigias do sítio. Em seguida, montaram suas palhoças, roçados e até mesmo uma casa de alvenaria para se fixar no local. Eles também cercaram a área. “Só retomamos o que era nosso. Era muito sofrimento ver esse grupo tomando a nossa terra e ver isso calado. Ver o pessoal desmatando as plantas que daqui dez, vinte anos, não vão estar do mesmo tamanho”, relembra Ezequiel Tremembé.
Em setembro do ano passado, veio a tormenta. “Quando vimos tudo calmo, a gente acabou se afastando um pouco da área retomada. Deixamos as barracas sem ninguém, na época. Aí um dia de madrugada, eles vieram e tocaram fogo nas palhoças”, diz Ezequiel.
“Quando a gente retomou esse sítio, é claro que eles não se conformaram da gente ter uma riqueza tão grande dessa que é a dos nossos mananciais, das nossas nascentes, os nossos olhos d’água, o nosso manguezal. Eles não gostaram da gente ter de volta aquilo que teve na mão deles durante onze anos. Queimaram nossos roçados, uma carroça que a gente tinha”, acusa a liderança Adriana Tremembé. “A gente sabe que foi gente daqui da aldeia que é contra a gente, que é do lado da empresa. A gente foi no Ministério Público, foi na delegacia fazer BO e nada aconteceu”, denuncia Erbene.
O mesmo sítio – onde estão hoje as cercas de faixas dependuradas – voltou a ser atacado mais recentemente. “Um sujeito chamado Sérgio, que é ligado à empresa e tem uma palhoça ali mais na frente, contratou 15 seguranças armados de revólver e vieram, invadiram aqui, com advogado da empresa e aí abriram as cercas tudinho do pessoal, deixaram a roça do pessoal toda aberta”, conta Erbene Tremembé. “Eles disseram que tinham um documento em mãos trazido de um cartório por um advogado e ele trazia esse documento dizendo que a terra era do Nova Atlântida e eles iam tomar de volta”, explica.
O procurador federal Ricardo Magalhães pediu então a instauração de um inquérito na Polícia Federal para investigar os episódios de agressão. “Inclusive a investigação já começou e esses eventos foram os motivos para nós conseguirmos uma nova decisão liminar na justiça. O inquérito está correndo, nós tivemos inclusive uma reunião com um delegado responsável pelo inquérito em dezembro do ano passado, e ele se comprometeu a dar prioridade ao andamento dele”, diz o procurador. Desde novembro do ano passado, vigora uma liminar que proíbe a Nova Atlântida de construir no local e também a emissão ou transferência de títulos de posse na região.
Ainda assim, os indígenas não se sentem seguros. “A gente continua recebendo ameaça o tempo todo. Aqui é uma área aberta e toda hora passa alguém dando recado, dizendo que vão arrancar nossa cabeça, que vão matar a gente”, conta Paulo Tremembé.
Revoltados, os Tremembé resolveram tomar uma medida extrema para chamar a atenção. No dia 5 de dezembro de 2014, impediram funcionários da Funai em visita de deixar a aldeia São José. Um dia antes, eles haviam organizado uma manifestação no centro de Itapipoca pedindo mais segurança para a aldeia e celeridade na regularização das terras – eles chegaram inclusive a ocupar um prédio da Funai na região.
Os funcionários foram liberados na noite do mesmo dia, após longa negociação com a PF, que colocaram como condição o compromisso de uma reunião com o MPF, o IBAMA, a PF e a própria Funai. A reunião ocorreu quatro dias depois e os índios foram então convidados a mais um encontro na sede da Funai, em Brasília, que se realizou em 18 de dezembro passado.
Segundo as lideranças Tremembé, o processo foi encaminhado para o Ministério da Justiça. Cabe agora ao MJ emitir uma portaria declaratória para seguir o trâmite da demarcação. “Se sair a portaria, o empreendimento fica inviabilizado porque a terra passa a ser da União e é destinada unicamente ao uso dela pelos índios”, resume o promotor Ricardo Magalhães.
“A gente tem a esperança de que a portaria saia esse ano, em 2015, a gente vai lutar pra isso. Mas a gente sabe que nós temos que fortalecer pra deixar essa luta pra geração que tá se levantando agora, pra nossa juventude, pras nossas crianças, pra que eles sejam esses guerreiros lá da frente. A gente sabe que essa luta não termina nunca, porque ela teve um início, mas fim jamais ela vai ter”, conclui Adriana Tremembé. Com a palavra final, o Ministério da Justiça.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Janete Melo.
Foto:
A faixa na palhoça dos Tremembé identifica o inimigo: o empreendimento espanhol Nova Atlântida que há quinze anos tenta se instalar nas terras (Foto: Ciro Barros)