A imagem de um menino de 13 anos do bairro mais pobre de Nova York se torna um fenômeno viral no Facebook. O fotógrafo do blog ‘Humans of New York’ investigou sua história e começou ma campanha de micromecenato para que pudesse viajar à Universidade de Harvard
Por Ana Marco, em El País
Há quatro anos Brandon Stanton fotografa as pessoas que encontra pelas ruas de Nova York. Publica as imagens no blog Humans of New York e em seus perfis nas redes sociais. Cada uma é acompanhada por um pequeno texto com os dados do personagem, seus objetivos na vida, seus medos, quem admira… Quase 12 milhões de pessoas consultam diariamente essa particular cartografia da cidade apenas no Facebook. No dia 20, mais de um milhão de pessoas repararam no sorriso zombeteiro de um menino de 13 anos, chamado Vidal Chastanet. O que tinha de diferente este humano de Nova York?
Chastanet vive em Brownsville, Brooklyn, o bairro mais pobre e com o maior índice de criminalidade da cidade. Quando Stanton lhe perguntou quem era a pessoa mais influente de sua vida, o menino respondeu: “Nadia López, a diretora do meu colégio”. Por quê?, questionou o fotógrafo. “Quando nos metemos em uma confusão, ela nunca nos suspende ou nos expulsa. Ela nos chama em sua sala e explica como é a sociedade que nos rodeia. E nos diz que cada vez que alguém erra no colégio, constrói-se uma nova cela. E uma vez fez com que todos nós ficássemos de pé e foi dizendo a cada um porque éramos importantes”, respondeu Chastanet.
Estas duas respostas serviram para que um milhão de pessoas apertassem o botão “curtir” no Facebook. Stanton aceitou o desafio e pela primeira vez foi além da foto. Foi conhecer a mulher que tinha inspirado o fenômeno viral. Nadia López, de 38 anos, estava na Mott Hall Bridges Academy, o colégio que fundou em 2010. A diretora preparava uma campanha para arrecadar fundos quando o fotógrafo entrou pela porta. Essa filha de imigrantes guatemaltecos e hondurenhos queria conseguir um pouco de dinheiro para levar seus alunos a Harvard para que essa universidade ficasse gravada na memória deles como um objetivo alcançável. Stanton ficou tão surpreso que decidiu ajudar a causa por meio de uma página de crowdfunding. 45 minutos depois de anunciar o projeto em seu blog, tinha arrecadado 100.000 dólares (cerca de 268.000 reais). Em quatro dias, 700.000 dólares.
“Nadia é incrível, é como um personagem de filme”, contou o fotógrafo no blog da apresentadora americana Ellen Degenere. “Está muito envolvida e é muito ambiciosa, sempre do lado dos meninos. Poderia ter sido a CEO de uma empresa cotada em bolsa, mas decidiu criar uma escola no pior bairro do Brooklyn”.
Não era a primeira vez que Stanton se envolvia em um projeto de financiamento coletivo por meio de seu blog. “Mas este caso é diferente, baseia-se no encontro fortuito de dois estranhos na rua”, disse. “Acredito que a razão pela qual as pessoas se envolveram tanto seja porque puderam acompanhar a história desde o começo, é como se todos tivéssemos feito o mesmo caminho”.
O objetivo inicial eram 100.000 dólares, já superaram a barreira do milhão. Na segunda-feira, a diretoria do colégio anunciou que iriam a Harvard não apenas os alunos do sexto ano, mas que tinham dinheiro suficiente para que as próximas 10 turmas de formandos também possam viajar, além de criar uma bolsa de estudos com o nome de Vidal Chastanet, em homenagem ao aluno que realizou essa façanha digital. [Combate: E o primeiro a recebê-la será o próprio Vidal].
O que é a Mott Hall Bridges Academy?
Em 2010, quando Nadia López fundou o colégio, muitas famílias do bairro receberam a novidade com esperança, como uma zona franca, como um caminho para escapar à pobreza a que muitos jovens estão predestinados por nascerem nessa região da cidade. “Se você for de Brownsville, ninguém espera muito de você”, contou Chastanet ao fotógrafo. “Só esperam que faça bobagens, não querem que você seja alguém. Assim como diz a senhora López, eu decidi me centrar no futuro, é o que preciso ter sempre em mente”.
Como esse menino, a esmagadora maioria dos 191 alunos do sexto, sétimo e oitavo anos (entre 13 e 16 anos) é composta por negros ou hispânicos. Mais de 85% são tão pobres que só podem comer no colégio graças às ajudas específicas, conforme publicou o The New York Times em dezembro de 2014.
“Quando se pensa em Manhattan, a primeira imagem que vem à mente é a dos arranha-céus e das luxuosas casas de milhões de dólares. Mas quando se chega ao Brownsville, os únicos edifícios altos que há são as moradias populares municipais”, contou Nadia López ao jornal nova-iorquino. “Aqui não há igualdade e não é justo.”
Na Mott Hall Bridges, os estudantes são chamados de escolares. Todos vestem roupas roxas, inclusive o pessoal que trabalha na escola, “porque é a cor da realeza”, explicou a diretora. “Quero que meus alunos saibam que embora vivam em moradias populares municipais, eles fazem parte de uma linhagem que remonta aos grandes reis e rainhas da África. Que fazem parte de um grupo que superou muitas adversidades ao longo da história e que sempre soube se recuperar”. Conforme publicou o The New York Times, na última avaliação realizada pelo departamento de educação da cidade, o colégio conseguiu a maior nota pelo rigor do seu currículo e a efetividade do seu sistema de ensino. 72 dos 75 alunos que se formaram no último período letivo já estão matriculados em institutos de ensino superior fora do bairro.
A cada outono, o que já se tornou uma tradição, os alunos do sexto ano, como Vidal Chastanet, dão as mãos e cruzam a ponte do Brooklyn até Manhattan como símbolo de sua conexão com o mundo.
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Foto: Chastanet, de 13 anos, que conseguiu arrecadar um milhão de dólares.
Enviado para Combate Racismo Ambiental por Lara Schneider.