Em reunião anual de prestação de contas, grupo de acionistas pediu que a multinacional explicasse informação da CNV de que Siemens financiou Oban
Felipe Amorim – Opera Mundi
Durante a reunião anual de prestação de contas da multinacional alemã Siemens, em Munique, um grupo de acionistas minoritários questionou a empresa por seu envolvimento com a ditadura militar brasileira (1964-1985). Ao exigir esclarecimentos, a Associação de Acionistas Críticos fez uso do relatório final da CNV (Comissão Nacional da Verdade), que cita a Siemens como uma das financiadoras da Oban (Operação Bandeirante), órgão da repressão que mais tarde daria origem ao DOI-Codi — o principal centro de tortura e morte do regime militar.
“O Conselho de Supervisão da Siemens se negou a investigar e esclarecer estes incidentes, nem mesmo tendo em vista o contexto do aniversário de 50 anos do golpe militar no Brasil. A Siemens deve encarar sua responsabilidade histórica e admitir os atos que cometeu”, assinala o documento entregue pela associação e lido diante dos demais acionistas e diretores da multinacional na reunião da última terça-feira (27/01).
O questionamento da associação se baseou no trabalho de investigação da CNV, cujo relatório final foi publicado no dia 10 de dezembro de 2014. Na página 320 do volume II do documento, a comissão escreve:
Ao lado dos banqueiros, diversas multinacionais financiaram a formação da Oban, como os grupos Ultra, Ford, General Motors, Camargo Corrêa, Objetivo e Folha. Também colaboraram multinacionais como a Nestlé, General Eletric, Mercedes Benz, Siemens e Light.
Ao expor o caso na reunião, Christian Russau, membro da diretoria da Associação dos Acionistas Críticos, acrescentou que relatos dão conta de que, no total, 66 pessoas foram assassinadas nas dependências do complexo Oban/DOI-Codi, entre as quais 39 morreram sob tortura — número também confirmado pelo jornalista Marcelo Godoy, autor do livro A casa da vovó, biografia sobre o centro de repressão paulista.
“Isto aconteceu há 40 anos. O que nos interessa é a Siemens hoje”, respondeu Gerhard Cromme, chefe do Conselho de Administração da multinacional.
“Você denigre a memória dos homens que morreram sob tortura. Isto é cínico”, replicou Russau, insistindo na importância de esclarecer as violações, ainda que ocorridas décadas atrás.
O acionista também inquiriu Joe Kaeser, CEO da Siemens, perguntando se a empresa tem conhecimento sobre o conluio com os órgãos de repressão da ditadura brasileira, ou se há planos para investigar as denúncias. Kaeser disse que a Siemens, ao ter notícia do envolvimento, pesquisou nos arquivos financeiros e não encontrou nada.
Procurada por Opera Mundi, a Siemens Brasil afirmou que não iria se posicionar sobre o episódio.
Volkswagen também foi questionada
A Associação de Acionistas Críticos é um grupo sem fins lucrativos que possui ações em mais de 25 das maiores empresas da Alemanha e, por isso, tem o direito de se posicionar nas reuniões anuais de apresentação de balanço. A companhia questionada é obrigada a responder algo no mesmo evento.
A montadora Volkswagen foi outra empresa alemã questionada pela Associação dos Acionistas Críticos. Em maio, na cidade de Hannover, a diretoria da Volks também foi inquirida sobre a participação no regime militar — a empresa já se comprometeu a investigar o passado e esclarecer sua relação com as violações aos direitos humanos na ditadura brasileira. O relatório final da CNV também apontou, entre outros episódios, que o aparelho de segurança interna da multinacional alemã foi montado por Franz Paul Stangl, criminoso de guerra nazista.
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Foto: Christian Russau [no telão], membro da associação, questiona diretores da Siemens em reunião anual de prestação de contas