Por Carolina Fasolo e equipe Cruzeiro do Sul – Cimi
De junho a setembro de 2014, 11 crianças da Terra Indígena (TI) Kaxinawá/Ashaninka do Rio Breu, no Acre, morreram com suspeita de coqueluche. Foram nove crianças do povo Kaxinawá, autodenominado Huni Kui, e duas do povo Ashaninka. Uma das vítimas tinha sete anos de idade, mas a maioria entre um e três meses. Sintomas como cansaço, tosse forte e seca, face arroxeada e olhos vermelhos foram relatados à equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Cruzeiro do Sul, que visitou as 10 aldeias da TI em dezembro do ano passado.
Localizadas ao longo do rio Breu, as comunidades precisam viajar de canoa a motor até o município de Marechal Thaumaturgo para receberem atendimento médico. Da aldeia mais próxima, São José, à cidade, o percurso dura de oito a 12 horas quando o rio está cheio. Jacobina, a mais distante, na fronteira com o Peru, fica a dois dias de viagem. “No verão, quando o rio seca bastante, podem levar até quatro dias para chegar a Thaumaturgo, percorrendo trechos a pé e tendo que carregar a canoa”, explica a missionária Ivanilda Torres.
Não há sistema de comunicação ou água potável nas aldeias (com exceção de Jacobina) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) não oferece transporte e combustível para as emergências. Além disso, as visitas de equipes de saúde às aldeias são esporádicas: em 2014, foram apenas duas. “A doença começou a manifestar-se em abril, mas só em julho, depois da morte de seis crianças é que a Sesai foi até a área. Ainda assim, das dez aldeias visitou apenas três e mandou os pais levarem as crianças de barco para o hospital. Infelizmente duas não suportaram a longa viagem”, conta Ivanilda.
O Pólo Base da Sesai em Marechal Thaumaturgo funciona de forma precária. Cristiane de Souza, coordenadora da unidade, explica que são apenas duas equipes para cobrir toda a região, que abrange cinco Terras Indígenas e 1,7 mil pessoas. Cada equipe é formada por um médico, uma enfermeira e dois técnicos de enfermagem. Um dentista e um auxiliar acompanham cada viagem. “É muito difícil alcançarmos todas as regiões. O cartão que temos para comprar combustível muitas vezes não dá nem para enviar a equipe e fazer resgates… as aldeias ficam prejudicadas porque não conseguimos distribuir, e precisam muito, porque, por falta de condições básicas como água potável, as crianças têm diarreia e morrem sem atendimento ou transporte para a cidade”.
Rosildo Jaminawa-Arara, Agente Indígena de Saúde, diz que na prática a política de atenção à saúde indígena não existe, mesmo depois de 15 anos de criação do sistema. “Nós somos esquecidos, durante este tempo não houve melhoria nenhuma para nossa região; a Sesai assumiu com a promessa de que o atendimento ia melhorar, mas nunca esteve tão ruim. Se o Agente de Saúde ou a família não tirarem dinheiro do seu bolso para socorrer uma emergência, o paciente morre. Cadê a assistência diferenciada?”.
Em Marechal Thaumaturgo não há Casa de Saúde Indígena (Casai) para oferecer apoio aos pacientes. “Os indígenas, ao chegarem à cidade, ou pagam por hospedagem ou mendigam um cantinho nos barcos ancorados na beira do rio, sendo muitas vezes expulsos e humilhados pelos proprietários dos barcos”, diz Ivanilda.
Na época do surto da doença alguns indígenas não conseguiram nem mesmo atendimento no hospital. Assis Huni Kui, da aldeia São José, de 63 habitantes, desceu o rio no mês de julho em busca de tratamento junto com 12 crianças, entre filhos e sobrinhos, algumas passando muito mal. Em Marechal Thaumaturgo, “A triagem do hospital não deixou passar no médico, disseram que era uma tosse comum. Voltei para a comunidade e dias depois meu sobrinho de dois meses morreu. Ele tossia muito, o rosto estava roxo e os olhos vermelhos. As outras crianças que tinham a tosse também ficavam assim. Para nós essa doença é a tosse braba”, diz Assis.
O diagnóstico da coqueluche ainda não foi confirmado, mas os sintomas se assemelham muito aos da doença. Siã Huni Kui, professor e liderança, disse que na aldeia Jacobina, composta por 78 pessoas, todas as crianças e também alguns adultos ficaram doentes. “Nas crianças de mais idade e nos adultos não foi tão forte, mas os bebês sofreram muito”. Sua comunidade também procurou tratamento na cidade. “Enfermeiros da Sesai disseram que não era tosse braba, alguns médicos do hospital também, mas uma médica que internou nossas crianças disse que embora os exames não tenham confirmado a coqueluche, era o único tratamento que estava dando resultado”.