CPT – A coordenação da Campanha Nacional da CPT de Combate ao Trabalho Escravo envia Carta à Presidente Dilma em repúdio à aprovação pelo ministro Ricardo Lewandowski da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5209, em 22 de dezembro último, que proibiu publicação do Cadastro, conhecido como “Lista Suja”, cuja nova atualização semestral (a 24ª desde que foi criado) seria divulgada no dia 30 de dezembro de 2014. Confira o conteúdo da Carta:
Exma Presidenta DILMA ROUSSEFF ([email protected])
No apagar das luzes do ano de 2014, recebemos com consternação a notícia da liminar deferida dia 23 de dezembro de 2014 pelo Senhor Ministro Ricardo Lewandoswski, Presidente do Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5209, protocolada no dia 22 de dezembro de 2014 pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias – ABRAINC. A referida Ação tem por objeto contestar a constitucionalidade e retirar de imediato qualquer eficácia à Portaria Interministerial MTE/SDH 2, de 12/05/2011, a qual enuncia “regras sobre o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo” (em substituição à Portaria MTE 540 de 19/10/2004, de mesmo teor).
A ABRAINC apresenta-se como entidade nacional representativa de relevantes construtoras.[1]
O efeito imediato da Medida Cautelar tem sido a proibição da publicação do Cadastro, conhecido como “Lista Suja”, cuja nova atualização semestral (a 24ª desde que foi criado) seria divulgada no dia 30 de dezembro de 2014.
Nesta Ação e no pronto atendimento que recebeu no âmbito do Supremo Tribunal Federal, há vários aspectos surpreendentes: embora tratasse de uma situação que vigorava desde 2003 (a manutenção e atualização semestral da Lista Suja, um instrumento por sinal amplamente parabenizado ao longo deste período), a referida ADI com pedido de Liminar, foi protocolada no dia 22 de dezembro de 2014, primeira segunda-feira após o início do recesso forense (dia 20 de dezembro de 2014), sob a alegação de perigo na demora. A ADI 5209 foi precedida por duas ações tratando do mesmo tema; ora nenhuma destas, em nenhum momento do seu longo tempo de tramitação no STF, resultou em medida cautelar[2]. Por fim, a mesma foi atendida em prazo recorde: dois dias, utilizando-se da faculdade dada ao Presidente do Supremo, para o caso de matérias urgentes em período de recesso, de atuar de forma monocrática.
Os motivos alegados – ausência de lei na qual a Portaria se baseie e ausência de contraditório prévio à inclusão do nome do empregador no cadastro cuja divulgação é expressamente prevista pela Portaria – não encontram mínimo suporte, como já foi amplamente demonstrado em decisões anteriores de altas Cortes do país e vem sendo evidenciado na prática transparente adotada pelo Ministério do Trabalho e Emprego ao estabelecer, antes da inclusão no Cadastro, um processo administrativo com amplo direito a contraditório.
O perigo na demora, se existisse, estaria na manutenção da funesta decisão cautelar deferida, pois a mesma retira ao conjunto da sociedade, do mercado e até da comunidade internacional, a transparente informação à qual têm direito em relação à violação de garantias fundamentais, constitucionalmente estabelecidas como prioritárias e independentes de qualquer reserva legal: o direito à liberdade e à dignidade, bem como o direito à transparência dos atos administrativos. Também impede dramaticamente a continuação do esforço virtuoso iniciado para municiar e reforçar o monitoramento corporativo e a vigilância cidadã das cadeias produtivas, estimulando assim o retorno a práticas abomináveis além de desleais.
O ato normativo atacado “não invadiu matéria reservada à lei tampouco invadiu campo de competências legislativas constitucionalmente reservadas, hipóteses que ensejariam controle abstrato de constitucionalidade de normas infralegais[3]”.
Ao impedir a legítima informação proporcionada pelo Cadastro, a Liminar “privilegia o interesse privado de empregadores legalmente autuados por gravíssimas infrações sobre os interesses constitucionais tutelados pela norma atacada[4]”: dignidade do ser humano, valores sociais do trabalho, direito fundamental de acesso à informação. Pior: a suspensão da divulgação funciona como estímulo à prática do crime.
Por todas essas considerações, fica evidente o quão insustentável e prejudicial se torna a manutenção da medida adotada pelo Presidente do STF, ad referendum do Plenário.
Ciente da firme posição adotada por sua Excelência durante a última campanha eleitoral em relação à erradicação do trabalho escravo no Brasil, a Comissão Pastoral da Terra tem certeza de que tais argumentos não se fariam nem necessários. Pois, na Carta-Compromisso[5] que assinou e publicou no dia 7 de setembro de 2014, a sua Excelência, então candidata à reeleição como Presidenta da República, já afirmava, sem margem para dúvida:
Assumo, caso eleita, o compromisso público de: (…) 12)Apoiar o cadastro de empregadores flagrados com mão de obra escrava, conhecido como a “lista suja”, instrumento mantido por intermédio da Portaria Interministerial 02/2011, do Ministério do Trabalho e Emprego e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que tem sido um dos mais importantes mecanismos de combate a esse crime.
Não há como isolar a ofensiva, hoje dirigida contra o Cadastro, de outras várias iniciativas, especialmente no campo legislativo, visando obrigar o Brasil a retroceder no seu histórico compromisso de erradicar o trabalho escravo. São estas, particularmente, a busca de revisão do conceito legal de condição análoga à de escravo tal qual estabelecido pelo artigo 149 do Código Penal Brasileiro, e a tentativa de instituir, para efeito de regulamentação da EC 81 (que determina o confisco da propriedade onde for flagrado trabalho escravo), uma definição diversa da do próprio CPB.
Neste sentido a totalidade dos itens assumidos por sua Excelência, na sua qualidade de candidata a presidente, na Carta-Compromisso contra o Trabalho Escravo, passou a ser de gritante atualidade.
Por ter contribuído incansavelmente, e por mais de 40 anos, na construção do compromisso da sociedade e do Estado brasileiros de erradicar o trabalho escravo no país, a Comissão Pastoral da Terra, junto com seus parceiros da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, fica hoje no aguardo esperançoso de uma pronta manifestação da sua Excelência, em coerência com o engajamento público que assumiu.
Araguaína, 20 de janeiro de 2015
Respeitosamente,
Fr Xavier J M Plassat
Pela Coordenação da Campanha Nacional da CPT “De olho aberto para não virar escravo”
Cópia:
– Ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Ideli Salvatti – a/c CONATRAE – Judith K. Cavalcanti Santos – [email protected]
– Ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante – [email protected]
– Secretário-geral do Governo, Miguel Rossetto – [email protected] & [email protected]
[1] Segundo informação publicada pela Repórter Brasil, a ABRAINC reúne 26 construtoras, entre elas algumas que chegaram a ser autuadas por trabalho escravo, até por mais de uma vez, tais como: MRV Engenharia (cinco vezes), atualmente na presidência da entidade; Brookfield Incorporações (duas); EMCCAMP Residencial S.A (duas). Também são membros: EZTEC Empreendimentos e Participações, Gafisa S.A., HM Engenharia e Construções S.A., JHSF Incorporações Ltda, João Fortes Engenharia, Moura Dubeux Engenharia, Realty S.A., PLANO & PLANO Construções e Participações, Rodobens Negócios Imobiliários S.A., Rossi Residencial S.A., Tecnisa S.A., Tenda S.A, Trisul S.A., Viver Construtora, WTorre S.A. e Yuni Incorporações; Andrade Gutierrez; Odebrecht Realizações Imobiliárias S.A.
[2] ADI 3347/DF de 16/11/2004 e ADI 5115/DF de 24/04/2014.
[3] Citando o Agravo Regimental da Procuradoria Geral da República contra a ADI 5209/DF protocolado no último dia 15/01/2015.
[4] Idem
[5] Cf Carta Compromisso contra o Trabalho Escravo com a assinatura da candidata Dilma; texto integral da Carta-Compromisso.