por Ana Paula Pelegrino*, Carta Capital
O ano de 2013 marcou os 20 anos de dois tristes episódios da história recente: as chacinas de Vigário Geral e da Candelária. O que elas tiveram em comum? Em rompantes de violência extrajudicial, policiais militares mataram inocentes, muitos deles jovens. Ambas são expoentes trágicos de um problema cotidiano.
São jovens brasileiros – em sua maioria homens e negros, moradores das periferias de áreas metropolitanas – os mais atingidos pela violência no País. De acordo com o Mapa da Violência 2014, enquanto a taxa de homicídios entre a população não jovem é de 14,9 a cada 100 mil habitantes, entre jovens de 15 a 29 anos ela chega a 42,9, durante o período 1980 a 2011. No mesmo intervalo, homicídios foram responsáveis por 28,5% das mortes de jovens no País, mas foi causa apenas de 2% dos óbitos da população não jovem. Foram mortos, no mesmo período, 20.852 jovens negros, um número três vezes maior que o número de homicídios de jovens brancos.
Mais preocupante ainda é a tendência que se anuncia: uma progressiva queda no número de homicídios de jovens brancos, acompanhada do aumento das mortes de jovens negros.
Infelizmente, essas estatísticas são velhas conhecidos da juventude brasileira. A questão começou a ser debatida no âmbito do Governo Federal quando foi lançado o Plano Juventude Viva, puxado pelas discussões do Conselho Nacional da Juventude (Conjuve). Estruturado em quatro eixos, o plano visa desconstruir a cultura da violência, transformando os territórios mais afetados nos municípios, adotando uma perspectiva de promoção de direitos da juventude e focando no aperfeiçoamento das instituições como escolas, hospitais, sistema penitenciário, judiciário e polícias para que se sensibilizem do problema. Mas ainda pouco se falava do que movia tal preconceito institucional.
Por que matamos tantos jovens homens negros no Brasil? Porque estamos em guerra. Claro, é uma guerra não declarada oficialmente. Mas, se considerarmos a classificação de conflitos como guerras a partir do critério de intensidade de mil mortos por ano, como não desconfiarmos da nossa paz? Só de janeiro a outubro de 2014, no município do Rio de Janeiro, ultrapassamos esse número de mortos.
Essa guerra tem um inimigo definido: as drogas. Sob o pretexto de salvar a sociedade – e principalmente nossos jovens – desse mal representado pelas substâncias proibidas, promoveu-se por anos políticas de drogas proibitivas, racistas e violentas. Para evitar os efeitos adversos do consumo de drogas, acabou-se matando quem se queria proteger. A juventude tem arcado com as maiores consequências dessa violência institucional. São jovens negros e pobres os que mais morrem, que mais vão presos e que menos têm acesso à atenção médica adequada. Tornaram-se alvos secundários dessa guerra.
É hora de acabar com a guerra às drogas, que volta-se contra nossa juventude. O Conselho Nacional da Juventude comprou essa causa e lançou uma carta em que pede uma urgente reinvenção da política de drogas no País. Nela, condena a política beligerante atual e chama a atenção para a necessidade de conhecer novas práticas que adotem direitos humanos como seu eixo central de atuação, focando a promoção da cidadania, além de apontar para a necessidade de investir em programas preventivos para acabar com esse vetor de promoção da violência contra a juventude.
É preciso saudar essa iniciativa, para que ela ganhe peso nas discussões de movimentos sociais e, principalmente, dentro das esferas do Governo Federal. Não há juventude viva sem uma reforma na política de drogas no País. O ano de 2013 ficará na memória pelas chacinas que foram lembradas. Que nos lembremos de 2014 como o ano em que se deu um passo definitivo para deixá-las apenas na memória.
*Ana Paula Pellegrino é coordenadora da Rede Pense Livre e pesquisadora do Instituto Igarapé.
—
Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.
Ótimo artigo, necessárias reflexões! Faz dias que estou com uma sensação péssima, em cada uma das vezes que passo pela orla da praia de Santos. Fiquei tentando pensar e associar o por quê da incomodidade, do aperto no peito… um dos aspectos dessa sensação, acho que tem relação direta com as “revistas” que a PM está promovendo na orla. A gente vai passando de carro, devagarzinho, e lá é possível ver as abordagens. Eu me sinto mal. Muito mal. Para além da sensação de “segurança” (que talvez seja o que desejam suscitar, com essas abordagens): eu me sinto péssima. Olho e vejo meninos, adolescentes e jovens, negros, sendo parados. Só eles. Coincidência ou não, nos dias em que passei, só eram jovens negros… E os meninos descem das motos, bicicletas, ou interrompem a caminhada, já com as mãos para o alto, com as pernas abertas. E os policiais (muito deles também negros), com as armas fora do coldre, empunhadas. E o aperto no meu peito vem da associação inevitável com algo que é muito tangível: meu filho. Meu filho tem 15 anos, e é filho meu e também é filho da loteria genética dos meus avós negros, índios e europeus; e eu tenho medo. Aliás, eu fico é aterrorizada, porque meu filho anda de bicicleta, sem camisa, e joga bola na praia, e é jovem, e tem amigos. Meu filho tem muitas cores. E eu tenho medo… porque as abordagens me intimidam, assustam. O policial com a arma na mão em um dos locais mais movimentados da cidade, os meninos com os braços estendidos ao alto, todos podendo ser meu filho. E eu sei: de um modo ou outro, todos são meus filhos. E, nos breves instantes entre a arma na mão, os braços ao alto, e sabe-se lá quais palavras trocadas, tudo pode acontecer. É uma guerra, onde o “inimigo” pode ser qualquer um. Até mesmo o meu filho…