A manifestação contra o aumento nas tarifas de ônibus, metrô e trens, organizado pelo Movimento Passe Livre, nesta sexta (9), no centro de São Paulo, reuniu 30 mil de acordo com os organizadores e 5 mil segundo a polícia militar. A marcha, que se concentrou no Teatro Municipal, seguiu de forma pacífica em direção à avenida Paulista.
Mesmo com as medidas adotadas pelas gestões Fernando Haddad (municipal) e Geraldo Alckmin (estadual) concedendo uma cota de passagens gratuitas para estudantes da rede pública, o protesto reivindicava o cancelamento do aumento de R$ 3,00 para R$ 3,50. Segundo o Movimento Passa Livre, o valor antigo já era alto demais e limita o direito à mobilidade urbana enquanto as empresas de transporte faturam mais do que deveriam.
Na rua da Consolação, adeptos da tática black bloc provocaram os policiais, espalharam lixo e atacaram vitrines e portas das lojas.
A polícia, que teoricamente é treinada para reagir de forma controlada nessas situações, respondeu com gás lacrimogêneo, bombas de “efeito moral” (que também machucam por liberar estilhaços) e balas de borracha.
O ataque não ficou restrito ao pequeno grupo, que justifica o dano ao patrimônio como política de contestação. A polícia começou a usar o mesmo argumento para dispersar o restante da manifestação e impedir que ela seguisse à avenida Paulista.
Daí, tudo descambou.
A polícia tem que ser mais fria que o cidadão em um protesto. Se a sua missão for garantir a segurança de todos, deveria cumprir isso evitando o confronto.
Muita gente confunde uma crítica à forma de agir da polícia nessas situações com um ataque à instituição, como se ela não fosse importante para a sociedade – o que é uma grande besteira maniqueísta. Não é da natureza das pessoas vestem farda nas ruas (por opção ou falta dela) agirem de forma violenta. Elas cumprem ordens, vindas da direção ou do poder público. E estão submetidas a uma formação profissional questionável e à exploração diária como trabalhadores.
Devemos rediscutir a filosofia e a natureza da corporação. Pois o problema não se resolve apenas com aulas de direitos humanos e sim com uma revisão sobre o papel, os métodos e o caráter militar da polícia em nossa sociedade. Setores da corporação estão impregnados com a ideia de que nada acontecerá com eles caso não cumpram as regras. Outra parte sabe que a mesma sociedade está pouco se lixando para eles e suas famílias. Pagamos salários ridículos e exigimos que se sacrifiquem em nome do nosso patrimônio.
Isso inclui um processo de desmilitarização da polícia. As Forças Armadas são formadas para a guerra. Em última instância, militares são treinados para matar e obedecer a comandos custe o que custar. A polícia, por outro lado, não está em guerra com seu próprio povo. Ao menos, não deveria. O soldado na rua deveria ter mais liberdade para agir de acordo com cada situação do que o soldado na guerra, pois sua função é proteger as pessoas.
Parte da população apoia esse tipo de comportamento policial. Gosta de se enganar e acha que se sente mais segura com o Estado agindo “em guerra” contra atos de agressão ao patrimônio e de reestabelecimento da “ordem”. Essas pessoas são seguidoras da doutrina: “se você apanhou da polícia é porque alguma culpa tem”.
Por isso, quando manifestações terminam em pancadaria policial, tentativas de acusar integrantes do Movimento Passe Livre de serem responsáveis por ações contra bens públicos e privados começam a se desenhar por má fé. Quase uma profecia autocumprida.
“Ah, mas o MPL e black blocs são a mesma coisa.” Nem uma pamonha com problemas de aprendizado decorrentes de deficiência nutritiva teria coragem de dizer algo assim. O movimento, que prefere o diálogo com os adeptos da prática black bloc à sua criminalização, não pode ser acusado ou responsabilizado pelo comportamento de todos os que participam de um ato.
Por muito menos, Dilma Rousseff, Geraldo Alckmin ou Fernando Haddad deveriam, então, ter que assumir legalmente mortes causadas por alimentação insuficiente, falta de saneamento básico e déficit habitacional qualitativo que grassam em São Paulo, por exemplo.
A principal origem da violência em manifestações, ou seja, de agressões contra seres humanos, tem sido o poder público. A política adotada pelos gestores públicos e pela polícia foi e é a principal razão de sangue pintar o asfalto durante manifestações. Não a única, claro, e temos um colega de profissão morto com um rojão de manifestante como prova disso, mas a principal. Com o agravante que o Estado deveria proteger as pessoas.
Se por aqui a vida valesse mais do que vidraças e lixeiras, a investigação de quem são os agentes do poder público responsáveis por machucar e mutilar deveria ser prioritária frente a quem depredou patrimônio.
Mas como isso não é feito a contento nem para punir os açougueiros da ditadura, por que seria em um contexto, em que feridos são um punhado de manifestantes e os próprios policiais que, na maioria, são pobres pagos para se machucar pelos mais ricos?
O que não me sai da cabeça é a sensação de que a polícia, quando usa tiro de canhão a fim de afugentar passarinho, não quer atingir o passarinho, mas pôr fogo na floresta inteira.
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Foto: Folha de S.Paulo