Cimi Regional Maranhão
Três indígenas que viviam isolados na Terra Indígena (TI) Caru, a noroeste do estado do Maranhão, foram avistados por outros Awá que caçavam na cabeceira do igarapé Presídio. O grupo avisou os demais Awá na aldeia e voltou com duas dezenas de outros Awá dispostos a estabelecerem o contato.
O fato ocorreu no dia 27 de dezembro, na aldeia Awá. Os três indígenas são Amakaria (mulher), Jakarewỹj (mulher) – na foto acima – e Irahoa (homem), filho de Jakarewỹj. Os Awá contam que, entre as décadas de 1980 e 1990, Amakaria se recusou a permanecer com o povo após o contato feito pela Fundação Nacional do Índio (Funai), e em uma noite ela, acompanhada de outros indígenas, voltou para a floresta. Lá eles permaneceram até o final de 2014.
Uma equipe de missionários do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Regional Maranhão, que atua junto aos Awá, esteve nas duas aldeias no dia 7 de janeiro para saber mais informações sobre as circunstâncias do contato ocorrido. Segundo Mihaxa’a, da aldeia Tiracambu, os isolados “estavam cercados por madeireiros. Lá perto deles, ouvimos som tocando, muito barulho de motosserra, trator abrindo trilhas para puxar madeira e muitas árvores marcadas para ainda serem derrubadas. Então, dissemos: ‘Vamos com a gente, senão os madeireiros vão matar vocês’. Aí, eles vieram com a gente”.
Durante a conversa, Irahoa disse que uma irmã sua foi morta por indígenas Mihua (Awá “bravo” ou outros índios isolados, segundo os Awá). A área usada pelos três indígenas incluía uma área de coco babaçu, de onde provinha parte de sua alimentação. O grupo possuía um acervo considerável de flechas. O grupo também caçava muitos tucanos, pois estavam adornados com braceletes e tiaras, feitos de penas de tucano, também usados pelos demais Awá.
Amakaria, a mulher Awá que maneja flechas
Mihaxa’a nos mostrou o conjunto de flechas que pertencia à Amakaria. As flechas eram feitas com tabocas e varas, sendo as de taboca bem compridas e finas. As penas que as davam sustentação eram de gavião, mutum, caracará e tucano. Esta constatação somada à informação da recusa de Amakaria em aceitar o contato anterior evidenciam uma mulher aguerrida que acreditou na autonomia e na alteridade do grupo que ela, acreditamos, liderava.
Em 2004, uma mulher e seu filho também foram trazidos para a aldeia Awá nas mesmas circunstâncias e deram notícias do grupo de Amakaria. Suas flechas foram subtraídas por Mihaxa’a sob a justificativa de que Amakaria não deve voltar mais para afloresta para a sua própria proteção, considerando o avanço dos madeireiros. Aparentemente, os três estão bem. Irahoa foi levado de carro pela Funai para a aldeia Tiracambu, onde já foi tomado como esposo de uma índia dessa aldeia. As duas mulheres estão na aldeia Awá, onde – em uma casa feita pra elas – recebem as visitas e os alimentos dos Awá. Cercadas pelos seus periquitos de estimação, Amakaria e Jakarewỹj permanecem ali, solícitas a estes primeiros momentos de aproximação. Talvez, refletindo que com sua autonomia cerceada, resta ainda a alteridade como um horizonte nesse presente que se inicia.
Precaução necessária x descuido
A equipe do Cimi, ao chegar na aldeia Tiracambu, foi advertida pelo técnico de saúde a usar luvas e máscaras e a evitar uma aproximação com Irahoa, sob o risco de disseminar doenças. Também na aldeia Awá, duas funcionárias da Funai manifestaram a mesma advertência. A equipe do Cimi, com suas carteiras de vacinação em dia, acatou a orientação do técnico e das funcionárias durante as poucas horas que permaneceu nas aldeias. Contudo, no momento da chegada da equipe na aldeia Tiracambu também chegaram seis pessoas, não indígenas, do povoado de Roça Grande, que iam para o trabalho de plantio nas roças juntamente com os Awá na aldeia. Durante as horas em que esteve na aldeia, a equipe não viu estas pessoas usarem máscaras e luvas protetoras enquanto circulavam pela aldeia e mantinham contato com os demais Awá.
Nas aldeias Awá e Tiracambu, uma empresa terceirizada da Vale constrói dois postos de saúde como medida mitigadora dos impactos causados pelos trens desta empresa que, ao transportar diariamente toneladas de minério, cruzam o território que já pertenceu a esse povo indígena. Estas ferrovias ficam a menos de 1 km das duas aldeias Awá. Cada obra emprega entre 15 e 20 homens. Por isso, por prudência, o Cimi entende que essas obras deveriam ser interrompidas por pelos menos 40 dias dada a presença dos indígenas recém contatados nas aldeias.
A atitude destes Awá Guajá isolados da TI Caru de aceitarem o contanto com os demais Awá ocorre justamente em um momento em que cresce a exploração e a degradação ambiental das terras indígenas no Maranhão, sobretudo da TI Caru e da TI Araribóia. No caso da TI Araribóia, outro grupo de Awá isolados está seriamente ameaçado pela invasão madeireira.