Quilombolas do Marajó – o duro caminho, por Egon Heck

Dona Estelina, de quase 80 anos fala com dificuldade e dor sobre a piora da situação de sobrevivência no quilombo de Bairro Alto, município de Salvaterra. “Hoje a gente passa mais de semana sem comer peixe. Tem muita rede sendo colocada no rio, impedindo o peixe a subir o igarapé. Antigamente tinha fartura de peixe. Também a gente botava roça. Hoje não tem mais terra pra gente roçar e plantar. Antigamente nós tinha muita melancia, jerimum, maxixe, banana. Hoje as crianças nem mais conhecem isso. E quando a gente ainda tenta plantar um pouco, é provável que os búfalos vão lá e acabam com tudo. As terras pro norte são do americano. Uma terra enorme. Do outro lado é da juíza. Do lado sul é da Embrapa. Então não tem mais terra pra gente plantar”.

Dona Estelina nasceu neste lugar conhecido como Barro Alto, por isso fala com certa nostalgia de um passado não muito distante em que a vida era melhor em vários aspectos principalmente na alimentação. Apesar de recentemente terem chegado algumas modernidades, como a luz elétrica, em 2000, água encanada (para a maioria das famílias) em 2010, quando também começaram a chegar os primeiros aparelhos de celular.

Ela ainda relata o grande desafio que enfrentam os jovens, que param de estudar depois da quarta série ou tem que frequentar escola em Salvaterra. E isso é muito difícil, pois no período da chuva o ônibus não vem, e já sofreram acidente. O que resta aos jovens fora da escola é fazer carvão, e com isso destruir a mata e tirar assai. A atividade da pesca está quase totalmente inviabilizada e a renda das famílias fica cada vez mais limitada. Esta é de maneira geral a realidade das comunidades quilombolas da região. Ao todo, na ilha do Marajó são 14 comunidades de remanescentes de quilombolas. Apesar dos direitos garantidos na Constituição, a gente não vê nenhum benefício observa Luzia, uma dos 10 filhos de Estelina. Apesar de já terem sido realizados os estudos sobre o território dos quilombolas, tudo está paralisado.

Visitas anunciadas

Ao chegarmos ao povoado fomos recebidos por dona Conceição, que com muita animação foi falando das possíveis visitas dessa noite de lua cheia: Matinta Pereira, lobisomem, os encantados e Iara, além dos botos. Foi contando com convicção para crianças e adultos caminhantes.

De fato a lua cheia foi um show! Com as redes armadas embaixo de árvores ou na sacada de um salão, foi possível curtir toda a fantasia da caminhante lua. Depois de cinco dias de pé na estrada, nada mais confortante do que curtir essa beleza com uma população acolhedora.

Na comunidade quilombola de Bairro Alto, onde vivem em torno de 120 famílias, estão sendo realizadas mais de uma dezena de oficinas que vão desde alimentos vivos até massagens e medicina natural… Um bonito e alegre entrosamento que certamente está fazendo bem e animando a todos. Tem muitas crianças, tendo uma média de 5 a 6 filhos por família. Com elas está se realizando uma linda programação. Também em vieram crianças e adultos de outras comunidades por onde passamos, como Bacabal e Pau Furado.

Um pouco do contexto da caminhada

Os participantes são de grande heterogeneidade, sendo a maioria de mulheres (43), tendo uma ancião de 76 anos e crianças a partir de 10 anos. Até uma cadeirante participou dos primeiros dias da caminhada. O maior número de participantes veio de Goiás e Pernambuco, que na verdade foi o berço da iniciativa.

Outra característica desta caminhada é a participação de vários membros de uma mesma família, e mesmo família inteira. Até um cachorrinho (Jorge) foi integrado à caminhada, sendo uma atração à parte.

O que está marcando também essa caminhada foi a perda de dois importantes caminhantes: Zé Claudio e Margarida. Temos a certeza de que se materialmente não estão conosco, nos estão propiciando animo e energia no caminho. Em função desses fatos também Antonio Alencar, idealizador e esteio em todas as caminhadas, pela primeira vez não está participando. Porém podemos perceber toda sua energia e profunda mística nos alimentando no compasso da caminhada.

Comunidade quilombola de Bairro Alto,
Ilha do Marajó, 9 de janeiro de 2012

Egon Heck – pela equipe de comunicação da Caminhada Troca de Saberes

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=63923

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