Alvo de 9 entre 10 juízes, e também do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que não aceitam seu estilo e determinação, a ministra Eliana Calmon, corregedora nacional da Justiça, manda um recado àqueles que querem barrar seu caminho. “Eles não vão conseguir me desmoralizar, isso não vão conseguir.” A entrevista é de Fausto Macedo e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 11-01-2012.
Calmon avisa que não vai recuar. “Eu estou vendo a serpente nascer, não posso me calar.”
Na noite de segunda-feira, o ministro do STF disparou a mais pesada artilharia contra a corregedora desde que ela deu início à sua escalada por uma toga transparente, sem regalias. No programa Roda Viva, da TV Cultura, Marco Aurélio partiu para o tudo ou nada ao condenar os poderes dela no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Ela tem autonomia? Quem sabe ela venha a substituir até o Supremo.” Eis a entrevista.
A sra. vai esmorecer?
Absolutamente, pelo contrário. Eu me sinto renovada para dar continuidade a essa caminhada, não só como magistrada, inclusive como cidadã. Eu já fui tudo o que eu tinha de ser no Poder Judiciário, cheguei ao topo da minha carreira. Eu tenho 67 anos e restam 3 anos para me aposentar. Perceba que eles atacam e depois fazem ressalvas. Eu preciso fazer alguma coisa porque estou vendo a serpente nascer e eu não posso me calar. É a última coisa que estou fazendo pela carreira, pelo Judiciário. Vou continuar.
O que os críticos pretendem?
Eu já percebi que eles não vão conseguir me desmoralizar. É uma discussão salutar. Nunca vi uma mobilização nacional desse porte, nem quando se discutiu a reforma do Judiciário. É um momento muito significativo. Não desanimarei, podem ficar seguros disso.
O ministro Marco Aurélio deu liminar em mandado de segurança e travou suas investigações. Na TV ele foi duro com a sra.
Ele continua muito sem se focar nas coisas, tudo sem equidistância. É uma visão política e ele não tem motivos para fazer o que está fazendo. Então, vem com uma série de sofismas. Espero esclarecer bem nas informações ao mandado de segurança. Basta ler essas informações. A imprensa terá acesso a essas informações e a alguns documentos que vou juntar. As coisas ficarão bem esclarecidas.
Ele afirma que a sra. violou preceitos constitucionais. Comparou-a a um xerife.
Ficou muito feio, é até descer um pouco o nível. Não é possível que uma pessoa diga que eu violei a Constituição. Então eu não posso fazer nada. Não adianta papel, não adianta ler, não adianta documentos. É a visão dele. Até pensei em procurá-lo, mas acho que é um problema ideológico. Ele não aceita abrir o Judiciário.
O que querem ocultar?
Todo mundo vê a serpente nascendo pela transparência do ovo, mas ninguém acredita que uma serpente está nascendo. Os tempos mudaram e eles não se aperceberam, não querem aceitar. Mas é um momento que eu tenho que ter cuidado para não causar certo apressamento do Supremo, deixar que ele (STF) decida sem dizer, ‘ah, mas ela fez isso e aquilo outro, ela é falastrona, é midiática’. Estou quieta, mas as coisas estão muito claras. Eu acho que o Supremo não é mais o mesmo e a sociedade e os meios de comunicação também.
A sra. quebrou o sigilo de 206 mil magistrados e servidores?
Ninguém pode achar na sua sã consciência que isso fosse possível. É até uma insanidade dizer isso. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) age com absoluta discrição, como se fosse uma bússola. Aponta transações atípicas. Mas nunca me informou sobre nomes. Eu tenho anotações de algumas suspeitas. Quando você chega num tribunal, como o de São Paulo, naturalmente que a gente já tem algumas referências, mas é uma amostragem. Não houve nenhuma devassa.
Não tinha que submeter ao colegiado o rastreamento?
Não precisa passar, o regimento interno do CNJ é claro. Ele (ministro) deu a liminar (ao mandado de segurança) e não passou pelo pleno do STF. Depois que eu fornecer as informações ao mandado de segurança e depois que responder à representação criminal ficarei mais faladora.
O ministro diz que a competência das corregedorias dos tribunais não pode ser sobrepujada pelo CNJ.
Tive vontade de ligar, mandar um torpedo (para o Roda Viva) para dizer que as corregedorias sequer investigam desembargador. O grande problema não são os juízes de primeiro grau, são os Tribunais de Justiça. As corregedorias só têm competência para investigar juízes. Eu sei das dificuldades, principalmente quando se trata de um desembargador que tem ascendência política, prestígio, um certo domínio sobre os outros.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/505610-naovaomedesmoralizareunaopossocalar
Espero que continue firme na sua luta pela transparência do Judiciário. O Brasil só terá a ganhar com isso.
Muito legal, gosto mais ainda dela!