Virgílio Gomes da Silva foi preso e morto em 1969 após coordenar o sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick; restos mortais permanecem sem identificação
O Ministério Público Federal em São Paulo denunciou quatro ex-agentes do regime ditatorial pela morte, em 1969, do operário e sindicalista Virgílio Gomes da Silva, considerado oficialmente o primeiro desaparecido político após o golpe de 1964. O major Inocêncio Fabrício de Matos era um dos chefes da Operação Bandeirante (Oban) e participou, junto com seus subordinados Homero Cesar Machado, Maurício Lopes Lima e João Thomaz, da prisão e da tortura de Virgílio. Pelo menos outras dez pessoas, hoje já falecidas, também se envolveram no crime. Os denunciados devem responder por homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver.
A vítima foi morta nas dependências do prédio onde funcionava a Oban, na capital paulista, no dia 29 de setembro de 1969. Virgílio havia se notabilizado no início daquele mês por comandar o sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, solto dias depois em troca da libertação de 15 presos políticos. O operário era um dos dirigentes da Ação Libertadora Nacional, grupo de resistência capitaneado pelo militante comunista Carlos Marighela. A perseguição a ele, no entanto, acontecia desde 1964, quando fora preso por liderar uma greve na empresa onde trabalhava, a Nitroquímica, no ano anterior.
A morte aconteceu horas depois da prisão de Virgílio. Os agentes o capturaram em um apartamento no centro de São Paulo pela manhã, sem ordem escrita e sem comunicação às autoridades, e o conduziram diretamente para a Oban, encapuzado e algemado. Um grupo de militares, entre eles os quatro denunciados, recebeu o operário com chutes e socos que o levaram ao desmaio. Na sala de interrogatório, já acordado, ele foi submetido a intensa sessão de tortura, pendurado em uma barra de ferro com os punhos presos às pernas dobradas. Virgílio não suportou a intensidade das agressões e morreu por volta das 22h30.
OCULTAÇÃO
O corpo foi localizado no dia seguinte em um terreno baldio no centro da cidade e enviado para o Instituto Médico Legal. Lá, peritos redigiram um laudo constatando as lesões e os hematomas, e a Divisão de Identificação Civil e Criminal confirmou se tratar do cadáver do operário. Os primeiros registros internos do Exército indicavam que Virgílio havia morrido por resistir à prisão, mas após a emissão dos documentos que evidenciavam a real causa do óbito, os agentes impuseram sigilo total sobre o caso e forjaram a versão de que o militante estava desaparecido. Ele foi enterrado no cemitério da Vila Formosa, mas até hoje os restos mortais não foram encontrados.
Os procuradores da República Ana Letícia Absy e Andrey Borges de Mendonça, autores da denúncia, destacam que a morte de Virgílio é um crime de lesa-humanidade e, por isso, imprescritível e impassível de anistia. “As condutas imputadas foram cometidas no contexto de um ataque sistemático e generalizado à população civil, consistente na organização e operação centralizada de um sistema semiclandestino de repressão política, baseado em ameaças, invasões de domicílio, sequestro, tortura, morte e desaparecimento dos inimigos do regime”.
O homicídio pelo qual Inocêncio, Homero, Maurício e João foram denunciados é triplamente qualificado devido ao motivo torpe do crime (preservação do regime instaurado em 1964), o emprego de tortura e a impossibilidade de defesa da vítima. Se condenados, além de cumprir penas de prisão pela morte de Virgílio e a ocultação do cadáver, eles podem perder cargos públicos que ainda ocupem, bem como ter aposentadorias cassadas e o cancelamento de medalhas e condecorações recebidas.
Virgílio foi o primeiro dos 136 militantes de esquerda cuja morte pelas forças de repressão ditatoriais está confirmada. Pouco depois do crime, a Operação Bandeirante deu origem ao Destacamento de Operações e Informações do II Exército (DOI), que, sob o comando do major Carlos Alberto Brilhante Ustra, transformou-se em um dos principais centros de tortura do regime militar. Só entre 1970 e 1974, durante a gestão de Ustra, 37 pessoas morreram ou desapareceram após passarem pela unidade.
Leia a íntegra da denúncia e da cota oferecidas à Justiça Federal contra os responsáveis pela morte de Virgílio Gomes da Silva.
O número dos autos é 0001147-74.2010.4.03.6181. A tramitação pode ser consultada AQUI.
Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República no Estado de S. Paulo
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