Diferença entre condições previstas para intervenções no dique e o que constava nos licenciamentos ambientais é uma das linhas de investigação
Por Daniel Camargos, no EM
A análise se houve alguma diferença entre as condições previstas para obras na barragem do Fundão e o que estava previsto nos licenciamentos ambientais e fiscalizados pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) é uma das linhas de investigação adotada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). O órgão mobiliza uma equipe de 11 promotores e mais de 20 técnicos na análise de documentos para tentar encontrar os responsáveis pelo rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco (controlada pela Vale e BHP Billinton), que matou 12 pessoas e deixou 11 desaparecidas. Outra linha, segundo o coordenador do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais (Nucam), promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, responsável pela investigação para apurar as causas e responsabilidades, é checar se “houve uma eventual anormalidade não detectada pelo monitoramento da empresa”.
Ontem, o promotor dividiu o inquérito em dois. O primeiro, para apurar o motivo do rompimento da barragem do Fundão e o segundo, protocolado no início da tarde, para a acompanhar as outras estruturas, como as barragens do Germano e Santarém, além do dique da Selinha, todos com graves problemas de segurança (veja arte). O promotor afirma que recebe informações diárias sobre as barragens ameaçadas e que dividiu toda a documentação recebida em três partes. A primeira, são os documentos que dizem respeito ao licenciamento das barragens. O segundo bloco engloba a análise dos projetos de engenharia das estruturas, e o terceiro são os que substanciam os danos provocados.
Entenda a dinâmica da catástrofe e as linhas de investigação (foto: Arte EM)
Entre os documentos analisados pelo MPMG, está um laudo, de 2013, do Instituto Pristino, que mostrou que duas áreas da barragem do Fundão se sobrepunham, o que poderia “potencializar processos erosivos” e causar um “colapso da estrutura”. O laudo foi elaborado a pedido da Coordenadoria Geral das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do MP de Minas Gerais. Outro documento é o relatório de uma auditoria contratada pela Samarco, e realizada em julho deste ano, que indicou necessidade de reparo na barragem do Fundão. A análise atestou “estabilidade da estrutura”, mas apontou 10 medidas a serem tomadas, entre as quais o reparo de trincas e o direcionamento de água da chuva.
Um dos técnicos de uma empresa de consultoria, convidado pelo MPMG a ajudar na análise, acredita em outra hipótese. Segundo ele, que pede para não ser identificado, a principal razão para o rompimento de barragens de rejeito são problemas relacionados ao controle da água. “O beneficiamento do minério precisa de água para fazer a fração, e a água sobra junto com rejeito. Existem tecnologias que tiram a água do rejeito, mas isso é caro e as mineradoras não têm interesse nisso, pois gastar com rejeito não é algo lucrativo”.
O presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, afirmou, em entrevista a uma emissora de TV no último domingo, que o aumento da produção não comprometeu a segurança e que a empresa adotou todos os procedimentos de segurança exigidos pela lei. O executivo será ouvido pela Polícia Civil nos próximos dias. O delegado-geral de Ouro Preto, Rodrigo Bustamante, informa que o executivo está entre as 50 pessoas – vítimas, testemunhas e funcionários da empresa – que os policiais pretendem escutar o depoimento.
CLAMOR
O delegado não detalha, entretanto, em qual delegacia Vescovi será interrogado. Os trabalhos são divididos em três delegacias, em Mariana, em Ouro Preto e na Delegacia de Crimes contra o Meio Ambiente, no Bairro Carlos Prates, em Belo Horizonte. “Não vamos revelar o local para não trazer nenhum tipo de clamor”, argumenta o delegado.Bustamante explica que cerca de 50 policiais, entre peritos, investigadores e delegados, estão envolvidos na investigação e que, além de ouvir os depoimentos, eles estão analisando documentos, como licenças e projetos da empresa. O inquérito da Polícia Civil foi instaurado na madrugada de 6 de novembro e o prazo para ser concluído é de 30 dias. O delegado, porém, garante que pedirá a dilação de prazo. “Não vamos fazer um trabalho que não seja conclusivo e não seja de qualidade”, afirma o delegado.
No dia 14, o presidente da Samarco conseguiu um habeas corpus preventivo no Tribunal de Justiça do Espírito Santo. A decisão foi após o juiz Menandro Taufner Gomes, da 1ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Registro Públicos e Meio Ambiente de Colatina (ES), determinar à companhia uma série de medidas diante do vazamento da barragem de Fundão, em Mariana. Questionado se pode pedir pedir a prisão preventiva do executivo, o delegado Bustamante respondeu que o inquérito ainda está na fase inicial e que as decisões serão tomadas após ouvir todos os depoimentos e concluir a análise dos documentos.
Sem documento
A Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) ainda não tem um relatório completo sobre os danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão. “Para elaboração de tal relatório, solicitamos o apoio da PM Ambiental, dos Núcleos de Fiscalização da Semad, além dos fiscais e técnicos, para levantamento de informações da fauna, flora, recursos hídricos e áreas de preservação ambiental atingidas, inclusive com registros fotográficos, análise de imagens de satélite, além do dano relacionado à interrupção do abastecimento público de água, dano à saúde humana e à vida. Ou seja, trata-se de coleta de dados e avaliações complexas”, informou, em nota.
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Enviado para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.
Barragem do Germano, que apresenta problemas de segurança, também é alvo de investigação do Ministério Público de Minas Gerais. Foto: Jair Amaral /EM/D.A Press.