A secretária Selma Mulinari, irmã da governadora Suely Campos, vetou a questão indígena no PEE, não recebeu as lideranças para dialogar e ainda mandou trancar o portão do prédio da Educação com cadeado, impedindo o acesso dos professores.
Mayra Wapichana, colaboração para Amazônia Real
A maior mobilização de professores, estudantes, tuxauas e demais lideranças em defesa dos direitos à Educação Escolar Indígena da história de Rorima completou nesta quinta-feira (10 de setembro) um mês tendo como principais itens das 53 reivindicações do movimento o pedido de exoneração da secretária estadual de Educação, Selma Mulinari, irmã da governadora Suely Campos (PP), e a melhoria da qualidade do ensino e da estrutura das 255 escolas que atendem 14 mil alunos em comunidades situadas nas 32 terras indígenas do Estado.
Muitas das escolas estão alojadas em estruturas precárias como palhoças e casas de taipa, outras não têm portas, cadeiras, livros, cadernos e merenda escolar (veja vídeo aqui). Falta também o transporte para os alunos. Essas escolas estão dentro de terras indígenas em que o domínio territorial foi questionado pelo governo de Roraima, entre elas, a Raposa Serra do Sol, da qual o processo de demarcação foi decidido em julgamento do Supremo Tribunal Federal em 2009, reivindicação que durou 30 anos para ser cumprida pelo poder público brasileiro.
Agora, as lideranças indígenas não querem esperar tanto tempo assim para verem cumpridos seus direitos na Educação. Uma das reivindicações eles já conquistaram. Depois de pressionarem os deputados estaduais, os indígenas conseguiram incluir a educação indígena no Plano Estadual de Educação (PEE), proposta que tinha sido retirada pela secretária Selma Mulinari, mas foi provada no último dia 1 de Setembro pela Assembleia Legislativa de Roraima.
A exclusão da questão indígena do PEE foi um dos motivos que levou os indígenas a pedirem a exoneração de Selma Mulinari do cargo de secrtária estadual. A decisão dela também desencadeou a greve de professores nas escolas por tempo indeterminado. A chefe da Educação não abriu o diálogo com as lideranças. Deixou de comparecer em audiências públicas e ainda aumentou o clima de animosidade quando mandou fechar o portão do prédio da Secretaria com um cadeado, impedindo a entrada dos professores. Policiais também reforçaram a segurança do prédio.
A IV Marcha dos Povos Indígenas
A mobilização iniciou com a realização da IV Marcha dos Povos Indígenas de Roraima realizada no dia 10 de agosto pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR). A data é alusiva ao Dia Internacional dos Povos Indígenas (celebrado dia 9 de agosto). Desde então, representantes dos povos das etnias Macuxi, Wapichana, Patamona, Taurepang, Ingaricó, Ye`kuana, Yanomami, Wai-Wai e Sapará deixaram suas comunidades e estão acampados na Praça do Centro Cívico, na zona central da capital. A mobilização conta com a presença de mais de 3.000 pessoas. Tem o apoio de organizações indígenas e entidades sociais, entre elas, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sinter), que engloba os professores da rede pública, também em greve há 30 dias.
Diferente da secretária de Educação, a governadora Suely Campos (PP) abriu uma negociação com o movimento indígena pela educação. Em nova rodada de diálogo, que aconteceu nesta quarta-feira (09/09) na sede do governo, ela se mostrou irredutível em exonerar a secretária Selma Mulinari, que é sua irmã. Por outro lado, acenou em aceitar a maioria das reivindicações.
Para não demitir a irmã, Suely Campos alega que o cargo é de confiança. Sob as críticas do Ministério Público Estadual, a secretária Selma Mulinari foi nomeada pela irmã-governadora junto com outros 18 parentes no início do ano, quando Suely tomou posse do poder Executivo de Roraima.
Suely Campos também nomeou para cargos de secretários filhas, sobrinhos, primos, cunhados, e para pastas de segundo escalão, sogros e concunhados de filhas. Os salários dos parentes variam de R$ 23.000 (secretários) a R$ 16.000 (secretário-adjunto).
Sem aceitar o pedido de exoneração da irmã-secretária, Selma Mulinari, a governadora Suely Campos apresentou a proposta de criar a Divisão de Educação Indígena (DIE), subordinada à Secretaria Estadual de Educação. Porém, existe a proposta da criação do Departamento de Educação Indígena, apresentada pelo movimento para melhor atender as comunidades indígenas.
Uma nova reunião entre o movimento indígena e a governadora foi marcada para esta quinta-feira (10/09). As lideranças compareceram, mas quem assumiu o diálogo com a Comissão de professores foi o conselheiro do governo, o ex-governador Neudo Campos (PP), marido de Suely Campos, que também estava presente ao encontro. Segundo o Conselho Indígena de Roraima, Neudo exigiu que as lideranças acabassem com a greve, o que acabou esvaziando a reunião e pôs fim ao diálogo.
O ex-governador tentou intimidar a Comissão usando a seguinte expressão: “quando se está negociando, quando vocês apresentam as reivindicações e nós aceitamos, depois vocês saem daqui e vão se juntar e fazer oposição contra a gente, contra o governo. Isso significa que, tudo o que foi acordado volta a estaca zero. Tem coisas que o governo pode dar e tem coisa que o governo não pode dar”, afirmou Neudo Campos.
O secretário geral da Organização dos Povos Indígenas de Roraima (OPIRR), Mario Belarmino, pediu o uso da palavra e rebateu o conselheiro Neudo Campos: ” em momento algum nós estamos aqui negociando. Nós estamos aqui exigindo o que é de direito nosso e direito não se negocia”, afirmou.
O ex-governador Neudo Campos administrou o Estado de Roraima de 1995 a 2002. Em 2014, ele teve o registro negado por ter sido condenado por peculato (crime contra a administração pública) pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região e também por rejeição de contas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Com as condenações, Neudo renunciou à disputa em Roraima porque foi barrado pela Lei da Ficha Limpa. Em seu lugar, assumiu a candidatura pelo PP sua esposa, Suely Campos, que ganhou as eleições.
Secretária excluiu educação indígena do PEE
As lideranças reunidas na Praça do Centro Cívico pedem a exoneração da secretária estadual de Educação Selma Mulinari porque ela retirou a modalidade da educação escolar indígena do Plano Estadual de Educação (PEE) e, em nove meses de administração, não melhorou a qualidade do ensino das escolas. O coordenador geral do Conselho Indígena de Roraima, Mario Nicacio classificou a atitude da secretária como um desrespeito às questões indígenas do Estado. “Não se avança em educação, sem abertura de diálogo, por isso queremos a substituição da Secretária (Selma Mulinari) “, disse.
O PEE, que primeiro tem que ser aprovado pelo Poder Legislativo e depois sancionado pelo Governo Estadual, incluiu metas de alfabetização de crianças até o segundo ano do ensino fundamental e mudanças no ensino superior e profissional previstas na LDB (Lei de Diretrizes e Bases), do Ministério da Educação.
Deixar de fora a questão indígena do PEE no Estado, que tem 32 terras indígenas e uma população de 60 mil pessoas, seria um retrocesso, segundo afirmam as lideranças. A conquista da escola indígena nas aldeias e o movimento dos professores na Educação Indígena em Roraima são uma referência para a Amazônia Ocidental e para o Brasil desde o ano de 1985.
“Após 30 anos de conquista, o direito à educação escolar indígena não pode sofrer retrocessos como aconteceu nesses últimos meses no Estado de Roraima por vários aspectos, principalmente por ser referência nacional, onde os resultados são referência de luta dos povos indígenas de Roraima”, afirmou o professor Enilton André, do povo indígena Wapichana, da comunidade indígena Truaru, município de Alto Alegre, região do Taiano, pioneiro na educação escolar indígena do Estado de Roraima.
Além da interferência no PEE, o descontentamento com a gestão da secretária Sueli Mulinari é com relação a melhoria da qualidade do ensino em suas comunidades indígenas.
Para a estudante Sammya Tharary Barroso Tenente, do povo Taurepang, da comunidade Araçá, região Amajari, as escolas estão sem estrutura, sem material didático e outras necessidades. “Estou nessa manifestação porque eu quero os meus direitos, pois enquanto aluna, sinto o que passo na minha escola e não só da minha região, mas de todas do Estado e espero que a Governadora cumpra com que nos prometeu”, disse a estudante.
O coordenador geral da Organização dos Povos Indígenas de Roraima (OPIRR), Misaque Antone, do povo Wapichana, disse que as escolas das comunidades indígenas não têm como atender os alunos.
“Nós cansamos de fazer o que é de obrigação do próprio Estado como, construir escolas, levar merenda, comprar material didático e outras necessidades das nossas escolas que nós mesmos, professores, fazíamos e agora não, o Estado tem que fazer sua parte e vamos acompanhar a execução, implementação das ações junto às comunidades indígenas”, afirmou Antone.
Além dos pedidos de exoneração da secretária e melhorias da qualidade do ensino, constam em uma pauta 53 propostas oriundas das demandas apresentadas pelas comunidades indígenas de Roraima. Para encaminhar essas demandas foi constituída uma Comissão permanente composta por 40 pessoas, entre elas, lideranças, professores, coordenadores regionais, tuxauas, estudantes, gestores de escola e representantes de organizações indígenas. Esta Comissão participa de audiência nos órgãos públicos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Em audiência na quarta-feira (o9/09), que durou cinco horas de debate, esses 53 itens foram apresentados a governadora Suely Campos (PPS). Leia os principais pontos:
- Contratação do pessoal de apoio (merendeira, serviços gerais, cuidador de aluno, bibliotecário e outros).
- Execução dos Programas de formação de professores indígenas
- Entrega de merenda escolar com a participação dos Centro Regionais Indígenas, Divisão de Educação Indígena (DIEI) e organizações indígenas.
- Inclusão no Censo Escolar dos professores indígenas de língua materna; realização de Concurso público específico e diferenciado aos professores indígenas.
- Nomeação de comissão para elaboração do edital do Concurso específico e diferenciado em conformidade com as organizações indígenas, professores e lideranças indígenas.
- Garantir transporte escolar para as escolas indígenas (terrestre, fluvial e aéreo).
- Contratar coordenadores pedagógicos e orientadores educacionais.
Pelo PEE, indígenas pressionaram deputados
Ao perceberem a manobra da secretária de Educação Selma Mulinari no PEE, as lideranças repudiaram o ato dela como uma violação dos direitos à educação escolar indígena.
Durante 24 dias, tuxauas, professores, coordenadores regionais, mulheres, crianças, jovens, representantes de organizações indígenas e demais lideranças fizeram intensa mobilização para que os deputados estaduais aprovassem o Plano Estadual de Educação, incluindo a modalidade da educação escolar indígena.
A Comissão de Educação da Assembleia Legislativa composta por cinco parlamentares, tendo como presidente a deputada Lenir Rodrigues (PPS), colocou a proposta das lideranças indígenas em pauta. Foram realizadas diversas audiências públicas com a participação dos povos indígenas. Após articulação e diálogo junto a Assembleia Legislativa e Governo do Estado, o substitutivo ao projeto de Lei N. 028 de 24 de junho de 2015 do PEE, contemplando a modalidade da educação escolar indígena foi aprovado na íntegra, no dia 1º. de setembro e sancionado pela governadora Suely Campos (03), no dia 3, conforme publicado no Diário Oficial do Estado.
Segundo Fausto Mandulão, do Conselho Estadual de Educação, projeto do Plano de Estadual de Educação em Roraima foi o segundo do Brasil a ser encaminhado pelo Conselho à Secretaria, porém, com a retirada da modalidade específica pela secretária Selma Mulinari e, tendo que passar novamente pelo processo de aprovação, acabou sendo o último do Brasil a ser votado e aprovado.
Mandulão disse que no PEE foram aprovadas 44 estratégias na modalidade da educação escolar indígena, sendo que quatro foram acrescentas no auge movimento indígena, que começou em 10 de agosto último. Leia algumas das metas aprovadas:
- Garantir apoio técnico e pedagógico para elaboração e atualização dos projetos pedagógicos a partir da revisão da política e das orientações curriculares nacionais para as escolas indígenas de modo que atendam às especificidades de cada comunidade.
- Assegurar com aval das comunidades, lideranças e organizações indígenas, a construção de escolas, centros regionais de educação indígenas, das escolas já existentes.
- Levantamento de população escolarizável e observação aos padrões de infraestrutura estabelecidos, levando em consideração os padrões arquitetônicos derivados das experiências socioculturais e perspectivas de respeito à preservação cultural.
- Fortalecer o programa de alimentação escolar, respeitando as diversidades alimentares tradicionais, em respeito às características locais e regionais, garantir.
- Organizar e manter transporte terrestre, fluvial e aéreo para atendimento administrativo e pedagógico das escolas indígenas de forma não interromper os processos de assessoramento e acompanhamento e, além de outras estratégias que atenda e promova um ensino de qualidade.
- Garantir às consultas prévias e informadas aos povos indígenas, suas comunidades e instituições sobre todas as medidas que venham a afetá-los na implementação do Plano Estadual de Educação (PEE).
Para os povos indígenas a aprovação do Plano Estadual de Educação foi uma conquista histórica na luta pela educação especifica e diferenciada, quando finalmente o Estado de Roraima reconheceu o direito dos povos indígenas já garantidos na Constituição Federal de 1988.
Uma conquista que inicia desde o “Dia D”, em 1985, quando os povos indígenas do Brasil iniciaram o debate com tema “ Que Escola nós temos, Que Escola Queremos”, conforme conta o professor Enilton André, do povo indígena Wapichana.
“A nossa luta e os avanços na área da educação escolar indígena iniciam na década de 80 com o “Dia D”, antes da Constituição de 88. Após essa conquista, consolidamos o que há anos havia sido discutido com as comunidades para ser concretizado na prática em relação ao direito à educação. Então, após a Constituição de 88, vem à conquista do direito na Lei de Diretrizes e Base (LDB), as resoluções e a própria lei complementar do Estado que contem nove artigos que trata especificamente da educação. Então no Estado avançamos muito em relação à educação especifica e diferenciada”, afirma Enilton André.
O coordenador geral da Organização dos Povos Indígenas de Roraima (OPIRR), Misaque Antone, do povo Wapichana, acredita que o movimento indígena, após a aprovação do Plano, avançou mais ainda, nesse último diálogo com a governadora Suely Campos.
“Esperamos que as demandas sejam de fato atendidas, conforme reivindicadas pelas escolas, pelas comunidades indígenas e os resultados do diálogo se deve a força do movimento indígena que permaneceu firme nos objetivos, na defesa dos direitos à uma educação especifica e de qualidade”, reafirmou Misaque.
Para o coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Mario Nicácio, do povo Wapichana, a luta indígena em Roraima começa na década de 1970 quando os povos começaram a buscar os direitos da demarcação fundiária, saúde, educação. O ano de 2015, segundo ele, é marcado pela defesa da educação escolar indígena, dando continuidade aos avanços e que precisam ser reconhecidos, implementado pelo próprio Estado.
“O movimento começou quando o próprio Governo retirou a modalidade da educação escolar indígena do Plano Estadual da Educação, onde as comunidades indígenas se mobilizaram e mostraram a sua força, sua coragem de lutar pelo o que é de direito e agora com a aprovação o desafio será a implementação desse Plano”, afirmou Nicácio.
CIR destaca diálogo com o governo de Roraima
O coordenador do CIR disse que o diálogo do movimento indígena com o Governo de Roraima, por meio de audiência com a governador Suely Campos, foi um dos resultados positivos desse movimento indígena.
“Na história dos governos locais, nunca os povos indígenas tiveram a oportunidade de dialogar, expressar suas necessidades e que isso mostra também, a organização do próprio movimento indígena que soube entender as possibilidades de diálogo com o Governo. Se o Governo não vai nos atender, ou não atender como nós queremos é o que vamos dialogar daqui para frente, porque nunca fomos contra nenhum governo e sim, o governo sempre mostrou postura contra nós, povos indígenas, as organizações indígenas e todas as instituições que atuam pelo reconhecimento e valorização dos direitos reconhecidos pela Constituição Federal”, afirmou Mário Nicácio.
A agência Amazônia Real enviou nesta quinta-feira (10/09) perguntas para a governadora Suely Campos através de e-mail do secretário estadual de Comunicação, Ivo Gallindo. O e-mail foi recebido pelo secretário, como informou os assessores por telefone, mas a governadora não respondeu a solicitação da reportagem.
Em nota divulgada na imprensa de Boa Vista essa semana, a governadora Suely Campos disse que com os professores indígenas “já sinalizou o entendimento com a categoria”, mas não citou quais reivindicações irá cumprir dos 53 itens da pauta deles. (Colaborou Kátia Brasil)
*Mayra Celina da Silva Pereira é indígena do povo Wapichana, por isso ela adotou o nome de Mayra Wapichana. É aluna do 8o. semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Roraima e assistente de comunicação do Conselho Indígena de Roraima (CIR) .
—
Foto destacada: Mayra Wapichana- CIR