Movimento se mobiliza para cobrar do governo o fim de mortes de indígenas e extrativistas, e a demarcação de terras e a PEC 215
por Felipe Milanez — CartaCapital
Auricélia Fonseca é uma liderança do povo Arapium e estudante de direito da Universidade Federal do Oeste do Pará. No final de outubro, aconteceu o Chamado da Floresta, um encontro das comunidades extrativistas com o governo federal próximo a Santarém, na comunidade São Pedro, rio Arapiuns.
Nessa ocasião, Auricélia fez uma intervenção a agentes do governo, que pode ser assistida aqui na página do Projeto Saúde e Alegria, cobrando o fim das mortes de indígenas e extrativistas, a demarcação das terras e contra a PEC 215. O projeto inclui entre as competências do Congresso a aprovação de demarcação de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas.
Essa semana, o movimento indígena da região do Tapajós e Arapiuns organiza, dia 26 de novembro, uma mobilização contra a PEC 215 (#PEC215Nao). Por isso, ofereço o espaço dessa coluna a Auricélia tanto pela sua voz indígena, para que fale diretamente da luta contra a PEC 215 que ameaça direitos fundamentais, quanto pelas lutas das mulheres, igualmente atacadas por setores reacionários no Congresso Nacional.
Desejo e espero que a proposta da PEC215 seja arquivada e extinta, assim como o famigerado PL 5069 de Eduardo Cunha. Como escreveu Maíra Kúbik Mano: Deputados respeitem as mulheres — e indígenas!
Lutas dos povos indígenas do BaixoTapajós
Por Auricelia Fonseca, povo Arapium; liderança indígena e estudante de Direito na Ufopa
Diante de um histórico de sofrimento, de negação de direito e de muito preconceito, é que estamos aqui pra contar mais uma parte dessa história sofrida dos povos indígenas do Baixo Tapajós. Estamos nos municípios de Aveiro, Belterra e Santarém, somos 13 povos (arapium, apiaká, arara vermelha, borari, tupayú, tapajó, maytapu, munduruku, kumaruara, Tapuia, tupinamabá, mundurukú cara-preta e Jaraqui). Divididos em 64 aldeias somos mais de 7 mil pessoas.
Somos os chamados povos resistentes, já que há mais de 150 anos atrás fomos obrigados a negar a nossa historia, as nossas identidades, a não falar a nossa língua materna e não praticarmos nossas culturas e tradições. Para sobrevivermos e hoje estarmos de novo contando nossa história de dor e sofrimento, mas com orgulho de toda luta, de toda resistência, por que não é fácil sermos aceitos pelas sociedades que sempre nos negou.
Todo direito conquistado foi através de muita luta. Aqui quero destacar a luta de tantas mulheres guerreiras, que juntas estiveram não apenas dando apoio aos homens, mais a frente dessa luta de resistência e que hoje são tantas mulheres que se destacaram nessa luta e que são grandes lideranças, destaco inclusive a coordenadora do nosso Conselho, a minha mãe, minha cacique e tantas outras lideranças mulheres lutadoras que tem crescido muito com a luta aqui na nossa região. Em varias aldeias são as mulheres as caciques que tem mostrado o potencial de ser liderança.
Lembro-me de quando era criança que as mulheres pouco saiam por que tinham que cuidar casa, dos filhos, que eram muitos inclusive, mas com o tempo elas foram tomando consciência, começaram a enfrentar um dos principais entraves na luta por seus direitos, seus próprios maridos.
Hoje. vejo meu pai dando todo apoio pra minha mãe assim como outros homens que tem apoiado a causa das mulheres que é uma causa pela vida, elas sabem mais que ninguém o quanto é importantes a luta pela sobrevivência, a luta pelo futuro, que o grande capital tá tentando mais uma vez tirar todo os direitos conquistado até aqui. Eu como mulher tenho lutado junto com minhas parentes e meus parentes em defesa da nossa Mae Terra, de seus filhos e em defesa do nosso futuro.
Nós pelo nosso futuro, e de nossos descendentes, lutamos contra o agronegócio que esta crescendo aqui na nossa região, nossos territórios ameaçados, as madeireiras, as hidrelétricas, as mineradoras e todo o conjunto do projeto que nós chamamos de extermínio, de matanças de desrespeito.
Nossa luta tem sido grande contra o governo, a maioria das comunidades estão dentro da RESEX Tapajós-Arapiuns, e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), não respeita o os nossos direitos, não nos reconhece.
Temos lutado contra um Plano de manejo madeireiro que estão fazendo na área e que esta afetando nosso território, não aceitamos, pois sabemos que um aplano madeireiro é no mínimo despertar interesses de grandes empresas. Não precisamos que ninguém nos ensine a fazer plano de manejo, pois isso fazemos muito bem. Fomos criados vendo nossos avós e pais manejarem a floresta e seus recursos sem que ninguém de fora nos ensinasse, e nós desfiamos de todo interesse do governo.
Não aceitamos o tal Credito de Carbono que o ICMbio tá impondo em nossas comunidades, sem consulta previa, livre e informada, desrespeitando a convenção 169 e Constituição Federal, desrespeitando nós como povo, não nos dando o direito de discutir e entender o que esse projeto traz de maleficio e beneficio ao povo. Pelo que já sabemos sobre esse credito, não aceitamos.
Não queremos vender nosso carbono, que nos foi dado de graça por Tupã e pela mãe Natureza. A natureza não esta a venda. Não queremos ser cumplice de mais poluição no mundo. Enquanto eles poluem e aumentam seus lucros nós continuamos na pobreza, por que somos esquecidos pelo governo e pelo capital que lhe sustentam. Somos vistos apenas como objeto de pesquisa. E ainda querem roubar nossos conhecimentos com a tal da lei da biopirataria.
Pro governo somos invisíveis. Eles só enxergam as riquezas que a natureza tem, e esquecem os filhos que ela tem. Somos vistos como entraves pra o que eles chamam de desenvolvimento e Progresso. Que desenvolvimento? Se somos esquecidos na saúde na Educação, que são básicos e prioritários em se tratando de politicas publicas. Somos seres humanos e precisamos urgente de dignidade humana.
Nos povos indígenas e tradicionais estamos sendo gravemente ameaçados pela construção de hidrelétricas no rio Tapajós e Teles Pires. Eles não vão apenas barrar o Tapajós e eles querem barrar as nossas vidas, barrar a nossa Terra, estamos pedindo socorro pro mundo, por que nossos territórios e nossos direitos estão sendo ameaçados pela grande destruição que querem fazer no rio Tapajós. Não aceitamos que barrem o Tapajós, não aceitamos que destruam a natureza e seus filhos em nome da soberania Nacional e em nome do progresso. Chega de matar a Amazônia e seus povos!!!
Chega de pensa só em exterminar nossos povos, ao invés de dar nossos direitos de volta… Não entendemos como que o governo quer acabar com a Constituição Federal de 88 onde conseguimos dois artigos específicos pra tratar e garantir os nossos direitos como povos.
Somos contra a PEC 215. Que fere nossos direitos. Aqui na nossa região não temos nenhuma terra demarcada e com a proposta da PEC tudo vai se tornar mais difícil. Não pedimos favor, pedimos que respeitem os nossos direitos que já esta garantida na constituição e na convenção 169. Somos contra essa lei de RETROCESSO!!! Defendemos a Constituição, por nós, pelas demarcação de nossos territórios e pelo futuro de nossas gerações!!!
Estamos aqui de novo mostrando para o mundo que existimos, testemunhamos nossa historia, defendendo nossos direitos… Um dos enfrentamentos que muito marca na nossa região e o racismo institucional. Lembramo-nos do ano passado de uma sentença racista da justiça Federal de Santarém em que negava a existência da Terra indígena Maró, bem como a existência dos povos Arapium e Borari que vivem na área. Um choque para os povos indígenas da região, um modo de o governo e o capitalismo nos intimidar, eles tem usado desses artifícios para nos exterminar, dizem que fingimos ser índios. A mídia nos atacou e continua nos atacando que abalou de forma psicológica nossos lideres, mais foi daí que veio mais força e coragem:
Essa sentença foi um dos maiores golpes contra o nosso povo, não sabiam como nos calar e jamais saberão, porque ao contrario do que eles imaginavam essa sentença só nos fortaleceu ainda mais para defendermos nossos direitos… Ocupamos o prédio as Justiça Federal em Santarém e com nossa luta conseguimos que um mês após essa sentença fosse suspensa e ainda continuamos a luta para a anulação da mesma. E dessa forma continuamos a lutar contra forma de extermínio, de racismo, e de tudo que afeta nossos direitos.
Somos povos, somos gente e continuamos vivos para sempre. Enquanto houver índio, enquanto houver povo, vai haver luta, não vamos entregar tudo nas mãos deles por que eles não saberão cuidar da terra como nos cuidamos, eles não matarão apenas índios, acabarão com toda a humanidade e nós defenderemos a Terra sempre.
Por isso somos solidários com parentes os parentes Guarani-Kaiowá, no sul, matar e tentar exterminar os parentes e matar todo nós. Por que somo todos Guarani-Kaiowá, somos todos parentes e lutamos todos pela mesma causa.
Nós povos indígenas do Baixo Tapajós e do Brasil, estamos todos ameaçados, mais também estamos conscientes de nossos direitos e de nossa luta. Estamos gritando por socorro e ninguém nos ouve!
Surara! Surara!
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Foto: Auricélia Fonseca, liderança do povo Arapium, durante discurso