Por Marcela Belchior, na Adital
Enquanto 24 carros-pipa são destinados às necessidades mensais de todas as famílias que vivem na comunidade Riacho das Pedras, em Santa Quitéria, Estado do Ceará, o equivalente a 115 desses caminhões seriam dirigidos a cada hora somente para um empreendimento de exploração mineradora no local. Estamos falando do Consórcio Santa Quitéria, um projeto que quer instalar um complexo industrial dedicado à exploração mineral e à produção de energia nuclear. No último fim de semana, setores dos movimentos sociais, da sociedade civil organizada e lideranças comunitárias estiveram reunidos para discutirem a questão, durante a II Jornada Antinuclear do Ceará, no próprio município atingido.
Promovida pela Articulação Antinuclear do Ceará (Aace), em parceria com movimentos sociais, pesquisadores, entidades e organizações não governamentais, comunidades da região e com a Articulação Antinuclear Brasileira, o evento trouxe como tema “A defesa da vida e a resistência antinuclear no Brasil”. Segundo o biólogo Rafael Dias de Melo, também conhecido como Potiguar, que acompanha as lutas populares em torno da questão, a articulação da resistência inicia uma nova fase, depois que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima) para a instalação do complexo nuclear foi apresentado em junho deste ano pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), sem considerar as denúncias da população.
“Um dos objetivos é retomar a força desse debate, que havia tido um pico no momento das audiências públicas do Ibama, mas que, no processo de licenciamento ambiental, esse debate havia arrefecido um pouco. Retomamos o diálogo principalmente com as comunidades do entorno”, indica Potiguar, que é mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e membro do Núcleo Tramas – Trabalho, Meio Ambiente e Saúde, também da UFC.
Segundo o pesquisador, duas galerias já foram abertas na localidade, de onde se pode extrair urânio, com alto teor de fosfato. Desde então, os moradores dizem que não têm acesso a nenhuma informação, com exceção das que chegam por meio dos movimentos sociais. “A gente vai constatando uma grande negligência. Os moradores relatam que inalam poeira e temos também a insegurança hídrica”, afirma Potiguar. Levantamento do Núcleo Tramas aponta que pelo menos 156 localidades poderão ser expostas aos riscos de desequilíbrio hídrico e radioatividade, enquanto estudos das empresas minimizam esse número para “apenas” 16 comunidades.
O Consórcio Santa Quitéria é formado pela empresa privada Grupo Galvani e pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB). A primeira tem interesse na extração de fosfato para a produção de fertilizantes químicos e ração animal, destinados ao agronegócio; já a INB é responsável pela mineração do urânio, matéria-prima para geração de energia nuclear.
A reserva de urânio e fosfato de Itataia, em Santa Quitéria, foi descoberta em junho de 1976 e sua viabilidade constatada 10 anos depois. Essa jazida de urânio é a última prospectada para o país e, atualmente, encontra-se em fase de licenciamento ambiental pelo Ibama, sem data para ser liberado. Ainda assim, o Consórcio já tem planos traçados, pretendendo explorar a futura mina a partir de janeiro de 2018, com investimento em torno de R$ 850 milhões.
De acordo com a Aace, desde 2010, as comunidades do entorno da mina, movimentos sociais, entidades não governamentais e pesquisadores da universidade têm se organizado para discutirem o projeto, sobretudo os impactos socioambientais da chegada de um grande empreendimento na região, constituída de comunidades e assentamentos rurais com atividade agrícola. A Articulação alerta que os riscos relacionados à exploração de urânio radioativo incluem a contaminação do solo, do ar e da água, além do desenvolvimento de doenças, como o câncer, causadas pela exposição à radioatividade.
“Essa mina de incertezas e riscos à saúde humana quer nos conduzir às mãos de um consórcio, formado por uma estatal e uma empresa privada, cujas ações (60%), pertencem a um grupo norueguês. Na Noruega, entretanto, não se admite a matriz nuclear”, observa Talita Furtado, advogada da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap), em artigo publicado na imprensa. “Nesse cenário, o Estado funciona também como mão amiga para a empresa mineradora: mesmo em tempos de crise sistêmica, garante a infraestrutura para a obra – adutora, linhas de transmissão de energia e escoamento da produção”, destaca a advogada.
De acordo com Talita, alega-se que o projeto vai gerar empregos. Entretanto, nos 20 anos de operação da jazida, seriam apenas 515 funcionários diretos e outros 120 terceirizados. “Qual a segurança e qualidade de vida desses trabalhadores?”, indaga a advogada. “Que desenvolvimento é esse? Restam-nos insistir em outras mãos: repletas de vontade para rejeitar o projeto de mineração de urânio em Santa Quitéria, e que afirmem que não aceitaremos os riscos e a insegurança da iniciativa”, enfatiza a ativista.
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Destaque: Moradores das comunidades de Santa Quitéria, em frente ao açude Quixaba, local onde poderá se instalar a jazida de Itataia. Foto: Divulgação.
Olá, só uma correção no título, é que deveria ser “Movimentos sociais reforçam resistência contra mineração de urânio e fosfato no Ceará” e não “instalação de usina nuclear”.
Abraços!