Jorge Rocha, Ministério da Verdade
Imagine ouvir, por mais de duas horas, alguém falando sobre mapeamento das condições das famílias afetadas pelo rompimento da barragem de Fundão e as prováveis consequências deste crime, racismo ambiental, crítica ao modelo de negócios impulsionado pela ideia – enviesada e conceitualmente bamba – de desenvolvimento sustentável e deficiências do projeto de lei proposto por Fernando Pimentel para reformar o Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema). Tantos temas controversos e extremamente importantes para o momento atual abordados nesse espaço de tempo poderiam fundir a cabeça de qualquer vivente, por conta da quantidade de detalhes de cada um deste tópicos e seus desdobramentos sociais práticos. Mas não foi isso que aconteceu ontem, durante o aulão de Andrea Zhouri, professora da UFMG e especialista em ecologia política, movimentos ambientalistas e conflitos socioambientais, realizado no espaço Fôlego Cultural, no centro de BH.
Cada um destes tópicos foi apresentado de maneira clara, direta e efetiva, com explicações plausíveis nos campos político, econômico e técnico, sem firulas; estamos todos precisando ouvir mais falas desse tipo, pode apostar. Andrea Zhouri é desses exemplares de intelectuais – cada vez mais difíceis de encontrar, infelizmente – que se recusa a meramente fincar raízes no mundo acadêmico e ali deitar em berço esplêndido. Com doutorado em Sociologia pela Universidade de Essex, Inglaterra, e mestrado em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas, a professora da UFMG tem um acúmulo de experiências, pesquisas, relatos e artigos acadêmicos críticos e assertivos que falam por si só. Um destes registros que merece ser lido atentamente é o livro “Formas de matar, de morrer e de resistir: limites da resolução negociada de conflitos ambientais”, produzido em parceria com Norma Valêncio e publicado ano passado. Mas ciente de que o papel do intelectual preocupado com a sociedade não se limita por quatro paredes de um gabinete, ela não se furta em estar presente em momentos decisivos da política ambiental.
Por exemplo, Andrea também esteve na audiência pública realizada na Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), agendada para discutir o PL nº 2.946/15, de autoria do governador de MG, Fernando Pimentel, projeto ao qual faz ferrenha oposição. No aulão de ontem, a professora fez questão de reafirmar sua posição, engrossando as fileiras dos movimentos sociais, associações e sindicatos que acreditam que este projeto de lei possui um “caráter centralizador no poder executivo e a redução do poder do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM)”, conforme explicita textualmente a Nota Pública da Frente Contra o PL 2946-2015. E este é apenas o ponto central a ser destacado; há muito mais a criticar.
E críticas, é claro, não poderiam faltar à condução da Samarco junto às famílias desabrigadas pelo rompimento da barragem, crime ambiental que é de responsabilidade da mineradora, juntamente com a Vale e BHP. Houve a explicitação de um ponto mais elucidativo para essa crítica, a chave para compreender como e por que a mineradora tem agido desse jeito em relação a este episódio – réu sendo responsável por “cuidar e amparar” os desabrigados, sem permitir que haja acesso às famílias e sem dar sinais de que promoverá uma assistência completa, tudo isso com aval do governo estadual. Andrea Zhouri desmistificou a ideia de que não se trata de um conflito socioambiental, como esse episódio tem sido caracterizado. A diferença entre este tipo de conflito e crime ambiental? Conflitos pressupõem negociações onde o lado economicamente mais forte tem vantagens claras; no caso de crime ambiental, não há o que negociar, há apenas fazer com que se cumpra a lei e os prejuízos – materiais, trabalhistas, sociais, etc – sejam ressarcidos. Na medida em que for possível restaurar certos padrões dessas famílias, uma vez que perderam “não somente” suas casas, empregos e familiares, mas sim toda uma comunidade social. Talvez seja essa a grande lição que possamos tirar desse aulão.
(foto da chamada: Frente Terra e Autonomia – FTA)