Objetivo é construir resort para militares
Ricardo Pitta – Mídia Coletiva
Terminou na última segunda-feira (16/11) o prazo dado pelo judiciário federal para a desocupação “pacífica” de cerca de 30 casas marcadas para demolição na Aldeia Imbuhy, tradicional comunidade de pescadores em Niterói que teve seu território invadido pelos militares há mais de 100 anos e que se encontra agora ameaçada de remoção total por decisão judicial. A ordem é do juiz William Douglas, o mesmo responsável pela decisão que acarretou a demolição de duas casas na Praia do Sossego, ambas pertencentes a uma família de caiçaras que já residia há cerca de quatro décadas no local.
Nos últimos anos, os moradores do Imbuhy têm buscado incessantemente o apoio e o diálogo com as autoridades civis ao nível federal, estadual e municipal. Ainda na semana passada estiveram na Advocacia Geral da União, mas só conseguem promessas vagas e nenhuma garantia de permanência em suas terras ancestrais. O advogado dos moradores conseguiu na segunda-feira mais um prazo de 72 horas, dentro das quais os órgãos federais envolvidos terão de se posicionar.
Desde sábado veículos militares têm descarregado materiais aparentemente destinados à demolição e ao aparato militar para executá-la, e também foram instalados alguns contêineres. Neste final de semana, enquanto as pessoas sofriam por viver a angústia da iminência de seus espaços demolidos pelo Estado, os soldados e seus superiores viviam um final de semana de festa, música alta e cerveja nas imediações da comunidade.
Com a chegada do Exército, os caiçaras só podem receber visitas se houver fornecimento prévio de fichas com todos os dados dos visitantes. O usufruto da praia é retaliado e os pescadores são coagidos a entregar parte da pesca aos milicos. Pessoas doentes são impedidas de que façam o caminho mais curto para chegar aos hospitais. Casas com rachaduras não podem ser reformadas, materiais de construção são impedidos de entrar. As denúncias são das mais diversas.
A comunidade conseguiu declarações de apoio dos mais variados políticos à permanência na aldeia, inclusive da Presidente Dilma, mas até agora nada de concreto foi conquistado. Isso é o reflexo de quanto poder os militares ainda têm, porque nada acontece, nenhum pio dos veículos da mídia tradicional. As notícias que saem são de que o despejo está sendo “negociado”.
A ALDEIA IMBUHY
O Imbuhy fica em Jurujuba, cercado por dois fortes militares. Sua história começa há quase dois séculos, quando pescadores caiçaras passaram a ocupar o local. Foi somente em 1901 que as Forças Armadas chegaram ao local com a construção do Forte Imbuhy. Desde então, muitos moradores foram levados a abandonar o local. Calcula-se que a aldeia já chegou a ter 800 habitantes. Atualmente o número de moradores aproxima-se de 150.
A partir o golpe de 64, começa a se tornar mais clara a intenção das forças armadas de tornar insustentável a permanência dos pescadores no local. Os moradores foram obrigados a pagar 10% da pesca e depois quantias em dinheiro, como uma espécie de imposto de renda não oficial. A praia chegou a ser cercada com arame farpado para impedir a entrada dos moradores locais. Um pescador foi obrigado a quebrar o seu próprio barco por ordem de um militar que lhe apontava uma arma.
Na década de 90, sai um pedido formal de remoção por iniciativa do exército, mas, os moradores conseguiram reverter o processo. No entanto, neste ano, dia 23/06 o juiz William Douglas pediu a remoção e demolição de 3 casas de senhoras idosas na Aldeia Imbuhy e em seguida, no dia 02/07 uma liminar pede a remoção de todas as outras casas do local no prazo de 90 dias, desabrigando todas as 150 pessoas.
Desconstrução da Identidade caiçara
O principal argumento dos poderes interessados na apropriação do local, é a descaracterização da identidade caiçara: dizer que essas pessoas não representam uma cultura, destituído-as de uma história e que não possuem a legitimidade do local em que vivem há várias gerações.
Uma moradora explica o motivo:
“um problema que eles gostam de desmerecer […] eles gostam de desconstruir a nossa história e dizer que aquela aldeia não tem nada de pescadores […] agora se nós pararmos para pensar que eles mesmos foram sufocando e inviabilizando a pesca, foram dificultando todas as formas dos moradores sobreviverem da pesca.”
A palavra caiçara é de origem Tupi e os índios usavam para denominar cercas rústicas, feitas de bambu ou gravetos. Com o tempo as populações praianas passaram a serem denominadas como caiçaras, pois estas cercas eram comumente usadas por pescadores tradicionais para protegerem suas canoas e casas.
Inclusive, a legislação que protege Povos e Comunidades Tradicionais, como a convenção 169 da OIT – ratificada em 2003 pelo Brasil, e o decreto federal n° 6040 de 07/02/2007. Existem casos recentes em que o uso dessa legislação permitiu a permanência de comunidades de pescadores tradicionais e artesanais mesmo em áreas de “preservação ambiental”, como a Ilha do Aventureiro em Ilha Grande e Guaraqueçaba no Paraná.
Especificamente em Niterói, o dia 09 de agosto é a data em que se comemora a resistência das comunidades tradicionais, pela lei municipal 331\2013. Negar a história e a cultura caiçara é negar a diversidade que compõe a sociedade. No entanto, tudo isso não tem sido levado em conta nem pela Prefeitura nem pela Justiça Federal.
Foto de capa: Niterói Contra Remoções
–
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Jasper Lopes Bastos Guarani Kaiowá.
Sou totalmente contra essa atitude do Exercito do complexo F.Rio Bco x Himbui.
Conheço a legitimidade dos Caiçaras nesta praia, e TB nesta Terra.
Abuso de Poder!