Por Manaira Medeiro, no Século Diário. Fotos: Leonardo Sá/Porã
Gritos de ordem, caixão, pessoas sujas de lamas e pedidos de basta. Esse foi o tom da intervenção artística realizada em frente à portaria da Vale em Carapina na manhã desta sexta-feira (13). O ato, realizado por representantes da sociedade civil organizada, interditou a portaria da empresa durante uma hora e meia. Assim como a cidade devastada pelas barragens da Samarco Mineração, controlada pela Vale e BHP Billiton, a mineradora ficou tomada de lama.
Cartazes em punhos cobravam a responsabilidade da Vale pela tragédia humana e ambiental em Mariana (MG). Indignação: “Não foi acidente, a Vale matou rio, matou bicho e matou gente”. Denúncia: “A Vale tem cheiro de morte, a Samarco tem cheiro de morte, o Rio Doce tem cheiro de morte. O Rio Doce está amargo”; “Cem anos para o Rio Doce tentar se recuperar”. Cobrança: “Quanto Vale a vida dessas pessoas?”, “Quem vai pagar a conta?”, “Tem preço?”, “Chega!”, Assassina!”.
A intervenção foi realizada em frente às passagens de veículos e funcionários da empresa e, além dos gritos de ordem, lançou lama na entrada e no nome da empresa fixado na portaria do Complexo de Tubarão.
No caixão, um cartaz simbolizava a morte do Rio Doce. O personagem da morte tinha cravado no peito os símbolos da Samarco, da Vale e da australiana BHP Billiton.
A omissão da classe política do Estado também não passou ilesa. O governador PauloHartung (PMDB), que até agora não se posicionou claramente sobre o caso e sequer citou o nome das empresas, foi cobrado. Assim como os sete deputados estaduais financiados pela Samarco/Vale na última eleição e que integram a comissão especial criada na Assembleia Legislativa para acompanhar os impactos do rompimento das barragens no Espírito Santo.
Críticas ainda à mídia corporativa, por ocultar a dimensão da tragédia e ainda minimizar a responsabilidade das poluidoras, que destinam todos os anos aos grandes veículos de comunicação montantes de verbas de publicidade.
Com o título “Não foi acidente”, panfletos foram distribuído àqueles que chegavam ao local por representantes da Frente Capixaba de Lutas, que organizou o ato aderido pelo movimento popular iniciado na Universidade Federal do Estado (Ufes).
A intervenção foi assistida pelos terceirizados da Vale, que apoiaram a mobilização. A relação de trabalho entre eles e a mineradora também foi alvo de críticas, já que reduz salários e não valoriza as categorias. O único que tentou questionar as informações apontadas no ato sobre o elevado consumo de água das indústrias e as críticas à mídia corporativa, foi repreendido pelos próprios terceirizados.
O mesmo aconteceu com um grupo pequeno de trabalhadores que resolveu passar por cima dos manifestantes que ocuparam a entrada. “Respeita o ser humano”, gritou um terceirizado que assistia a intervenção. Do ato veio outro alerta: “Tem sangue de operários aqui na Vale”.
No mesmo momento da intervenção, foi realizada uma assembleia do Sindicato dos Trabalhadores em Limpeza Urbana do Estado (Sindilimpe–ES) por melhores condições de trabalho. A empresa chegou a ameaçar a direção da entidade com cobrança de multa de R$ 50 mil, mas houve protesto verbal de representante do Fórum Capixaba de Lutas aos funcionários da Vale que se posicionaram na entrada, apoiados pela empresa de segurança que presta serviço à mineradora.
Esses mesmos funcionários se reportaram a sindicalistas no momento em que os militantes da intervenção marcaram com lama a entrada e pilastras da empresa. Mais uma vez em tom de ameaça, disseram que o ato estava “invadindo em 10 metros uma área particular”. A resposta veio logo: “Vocês também estão sujos de lama!”, seguida de mais protesto, “Alguém avisou que a Vale matou dois estados e que foi eleita a pior empresa do mundo?”, “Alguém avisou que o Rio Doce foi assassinado?”, “A Vale tirou o Rio Doce do nome e agora tirou do mapa”.
Cerca de 40 minutos após o início do ato, às 7 horas, dois soldados da Polícia Militar tentaram negociar a liberação da portaria, porém, sem sucesso. Os argumentos apresentados por eles foram fortemente rebatidos e, diante da resistência dos manifestantes, acabaram recuando. Ficaram na espreita até o fim do ato, quando o relógio já marcava 7h40. Manchada de lama, a Vale voltou a abrir os portões.
Não, não foi acidente. Foi crime.
Luta unificada
Tratando o tempo inteiro a tragédia de Mariana com a gota d’ água das violações praticadas pelas grandes empresas no País, a intervenção artística desta sexta-feira chamou atenção pela emoção imprimida ao ato, que foi se desenvolvendo de improviso.
“Tentamos expurgar o sentimento e as nossas sensações em relação a essa tragédia envolvendo uma empresa que está do nosso lado e, aqui, também gera sofrimento”, definiu o estudante de audiovisual da Ufes, Anderson Bardot.
Ele lembra que há muito tempo existe essa necessidade de dizer muita coisa em relação à Vale. “Mariana foi a gota d’ água”, desabafou. Para Anderson, ao expressar a verdade escondidas pela mídia e empresas, a intervenção também teve o importante papel de servir de contraponto a essa “desinformação” sobre o caso. “É uma segunda opção para a população, o outro lado”.
O estudante de audiovisual destacou ainda a união de estudantes, sindicalistas e operários, no sentido de se criar um símbolo de resistência e luta voltado para os pensamentos humanitário e ambiental. “Enquanto cidadão e artista, é o mínimo podemos fazer”.
A diretora de Cultura do Sindicato dos Bancários do Estado (Sindibancarios-ES), Lucimar Barbosa, que também participou da intervenção, convocou a sociedade a engrossar a mobilização contra o caos instalado, não só no sentido de responsabilizar as empresas pela tragédia, mas também para que se desperte uma visão crítica na sociedade, além de consciência coletiva em prol da discussão de saídas.
“A demanda não é descolada. É a água que a população necessita. É o alimento. A luta é universal”, destacou.
Para consolidar esse movimento unificado, a sociedade civil realizará um novo protesto contra o crime da Samarco/Vale na próxima segunda-feira (16), com concentração às 17 horas na Ufes.
A intenção é reunir o máximo de pessoas contra os impactos da tragédia. Entre as reivindicações estão a responsabilização completa as Vale/Samarco; negociação coletiva com o envolvimento das famílias atingidas; paralisação imediata dos processos de licenciamento de construção e manutenção de barragens; e consulta popular prévia para empreendimentos que interfiram no meio ambiente.
A primeira palavra deve ser: estatiza já! Depois vem cobrar, cobrar e cobrar…
Políticos se indignam com os atentados em Paris; piores são os atentados PERMITIDOS aqui no Brasil, como o de Mariana e de TODO o Vale do Rio Doce.
Precisamos gritar, gritar, até que nos ouçam!
Precisamos gritar, gritar! Gritemos nas URNAS!
Precisamos gritar, gritar! Gritemos nas manifestações públicas!
Político tem medo do povo nas ruas!
Só o povo (nós) pode mudar o Brasil!