Cinco municípios do ABCD recebem água com chumbinho

ABCD MAIOR teve acesso a relatórios da captação da Sabesp do sistema Rio Claro, onde há problema

Por Claudia Mayara, em ABCD Maior

A Defensoria Pública de Santo André recebeu denúncias sobre a presença de agrotóxicos, como Aldicarb, o popular chumbinho, na água do sistema Rio Claro, que atualmente abastece 26% de Santo André, 70% de Mauá e partes de São Caetano, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, conforme informações das cidades e da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo). O ABCD MAIOR já publicou reportagem sobre o coquetel de agrotóxicos e metais pesados encontrados na água já tratada pela ETA Rio Grande (Estação de Tratamento de Água), na represa Billings, que abastece São Bernardo, Diadema e 68% de Santo André.

De acordo com o laudo da TASQA Serviços Analíticos, empresa contratada pela Sabesp, a água distribuída pelo sistema Rio Claro, por meio da ETA Casa Grande, não atende os padrões de potabilidade da portaria 2.914/2011 do Ministério da Saúde em relação ao Aldicarb, agrotóxico usado como raticida e proibido no Brasil pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) desde outubro de 2012. “O laudo é claro em afirmar que a água distribuída estava contaminada por um raticida com elevada toxidade. Ou seja, não era água própria para consumo humano”, destacou o defensor público Marcelo Novaes. As amostras analisadas pela empresa são de 2013.

AGROTÓXICOS

O documento ainda cita a presença de outros agrotóxicos altamente nocivos, como carbofurano e parationa metílica, além de substâncias químicas, como urânio, mas todas dentro dos limites de potabilidade do Ministério da Saúde. “Mesmo as substâncias que estejam abaixo do que a portaria preconiza não significa que sejam inofensivas, pois podem ser cumulativas”, avaliou a especialista em recursos hídricos e professora da Universidade Municipal de São Caetano, Marta Marcondes.

“Vale ressaltar que os sistemas são integrados e que o Rio Claro está abastecendo o Alto Tietê”, lembrou o defensor público.

Em nota, a Sabesp atestou que a água distribuída à população está dentro dos parâmetros exigidos pela portaria 2.914/2011. A empresa ressaltou, ainda, que as informações sobre as análises de qualidade da água são impressas nas contas encaminhadas mensalmente às residências dos clientes.

ORIGEM

Não há informações sobre qual foi a fonte de contaminação da água. Conforme a Anvisa, o único produto à base de Aldicarb que possuía autorização para uso no País era o Temik 150, da empresa Bayer S/A, usado como inseticida nas plantações de batata, café, cítricos e cana-de-açúcar. Em 2011, a empresa apresentou um cronograma de descontinuidade de comercialização e encerramento de importação, distribuição e utilização do produto, além de se comprometer a recolher qualquer sobra do produto junto aos agricultores.

Já o uso do Aldicarb como raticida doméstico nunca foi autorizado pelos órgãos brasileiros. Mesmo assim, a substância é comercializada irregularmente. De acordo com a Anvisa, o chumbinho é adquirido de maneira criminosa, ao ser contrabandeado de países vizinhos para o comércio ilegal. Até ser proibido, estimativas da Anvisa apontam que o Aldicarb era responsável por quase 60% dos 8 mil casos de intoxicação relacionados a chumbinho no Brasil por ano.

Intoxicação lembra ataque cardíaco

De acordo com especialistas, nenhuma intoxicação por agrotóxico é fácil ou simples de ser detectada, até porque pode ser confundida com outras doenças, e os exames clínicos nem sempre são investigados com o viés de intoxicação. No caso do chumbinho, os sintomas podem ser confundidos como um ataque cardíaco, uma vez que causa taquicardia. Além disso, o paciente pode sentir náuseas, vômito, salivação excessiva, contração da pupila, dor abdominal, diarreia, tremores. Se ingerido puro, os sintomas aparecem em menos de uma hora. Após sete horas pode levar à morte.

Na avaliação do defensor público em Santo André, Marcelo Novaes, o risco de contaminação da população pela água é ainda pior porque o perigo é mantido sob sigilo. “A Sabesp é omissa quanto à divulgação dos exames, em especial no que toca aos agrotóxicos”, afirmou. Em nota, a Sabesp garantiu que todos os resultados, das mais de 62 mil análises mensais realizadas nos laboratórios da companhia, são encaminhados para as vigilâncias sanitárias dos municípios onde atua, conforme prevê a lei. Procuradas pela reportagem, apenas as vigilâncias sanitárias de Santo André e Mauá confirmaram o recebimento dos laudos. No entanto, somente Santo André confirmou dados de Aldicarb no limite do que permite a portaria.

Destaque: Presença do Aldicarb, o popular chumbinho, foi detectada em análise de água que já havia sido tratada pela Sabesp. Foto de Andris Bovo.

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