Sol escaldante. A BR-040 foi tomada na manhã de ontem (9) pelos gritos de guerra, a beleza dos corpos pintados e o colorido dos cocares. Bordunas, arcos e flechas foram as armas originárias dos Pataxó, Xikrin e Kayapó, no fechamento da estrada.
O local, em frente a uma unidade da JBS Friboi – a maior exportadora de carne do mundo – era indicativo do protesto. Esta empresa distribuiu R$ 61 milhões na campanha eleitoral de 2014 e conseguiu eleger 162 deputados federais. Igualmente, empresas desse grupo econômico, dono dos maiores frigoríficos do Brasil, doaram recursos para 21 partidos políticos. Por isso a paralisação da rodovia que liga Brasília a São Paulo teve o objetivo claro de dizer, aos parlamentares que tentam tirar os direitos indígenas garantidos na Constituição, que continuarão a luta em todo o país, para impedir qualquer retrocesso.
Não era um protesto comum. Tinha também o intuito de conseguir aliados, permitindo que a BR ficasse fechada por algum tempo enquanto visitavam os carros ali parados e entregavam aos motoristas um documento que explicava o motivo do protesto. Em seguida liberavam a pista, com os indígenas formando corredores para que o trânsito fluísse. Muitos que por ali passavam buzinavam num gesto de apoio à causa. E assim continuou a manifestação por quase três horas.
Em torno de 250 indígenas vieram a Brasília para dizer aos parlamentares e ao governo que mais de cinco séculos de resistência se traduz numa luta insurgente e permanente pelos direitos sagrados, constitucionais e internacionalmente reconhecidos e subscritos pelo Brasil.
“Não vamos abrir mão dos direitos conquistados, de jeito nenhum. Se nos declaram guerra, rasgam a Constituição e nos matam, num permanente extermínio e genocídio, estamos dando a nossa resposta”, exclamou uma liderança Pataxó. E lembrou os fortes momentos de lutas passadas.
“Contra a emancipação das nossas terras na década de 70 pedimos para o general Rangel Reis rasgar esse projeto. E assim aconteceu. Na década seguinte foi a vez de unirmos os nossos parentes indígenas de todo o país para conquistar nossos direitos na Constituição. Pataxó e os Kayapó tiveram uma participação importante. Depois chegou o ano 2000 e novamente mostramos nossa força em Coroa Vermelha. No Monte Pascoal fizemos nossas mobilizações, construímos o monumento da resistência. Queríamos ir até Porto Seguro para dizer ao governo brasileiro e de Portugal que não tínhamos nada para comemorar. Fomos barrados brutalmente pela polícia. Mas demos o nosso recado ao mundo. Agora estamos novamente mobilizados em nível nacional para impedir que roubem nossos direitos. Assim que vejo a nossa participação na luta desses dias, junto com os parentes Kayapó”.
Uma delegação Kayapó já esteve fazendo mobilizações junto a diversas instâncias e poderes do Estado brasileiro na semana passada. De maneira especial deixaram seu protesto e indignação no Congresso, diante da tramitação da PEC 215, um verdadeiro decreto de morte e genocídio dos povos originários desse país. Lembrei-me dos emocionantes momentos em que, há quase três décadas, os Kayapó vieram ao Secretariado do Cimi pedir um pequeno apoio para alimentação e hospedagem em Brasília, pois eles dariam um jeito de chegar até a capital do país para lutar pelos direitos dos povos indígenas.
Lembro também da maneira um tanto tímida com que as delegações do Nordeste foram chegando a Brasília no primeiro turno da Constituinte. Já no segundo turno foram praticamente eles que deram o tom e o colorido da presença indígena no Congresso. Essas memórias vivas são muito importantes para entendermos e nos situarmos nesse momento de imensas ameaças que pesam novamente sobre os povos indígenas.
As CPIs anti-indígenas
A forte investida contra os direitos indígenas está presente na estratégia de ataques simultâneos em diversos níveis, sendo um deles a criação de Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPI) como a instalada contra o Cimi, no Mato Grosso do Sul, e contra a Funai, na Câmara dos Deputados.
Durante o dia de hoje estarão no Congresso visitando e dialogando com os líderes de partidos para mostrar a razão de suas grandes preocupações. Como povos originários desta terra, querem ter seus direitos respeitados e contribuir para o reconhecimento de um Brasil plural, infelizmente ainda pouco conhecido e valorizado.
Nesta semana em que estarão sendo instaladas as CPIs da Funai e do Incra, e a do Genocídio, ocorrerá também mais uma sessão de oitivas na CPI do Cimi, mais conhecida como a “ditadura do achismo”.
Fotos: Laila Menezes