O ressentimento de estudar na mesma sala que a filha da doméstica, por Tamires Gomes Sampaio

No Blog do Sakamoto

Homens que possuem espaço na mídia foram instigados a ficarem como espectadores nesta semana, ao invés de escreverem e publicarem textos sobre os direitos das mulheres e questões de gênero. Ou seja, promoverem uma ocupação de seu espaço para que elas falassem por si. Portanto, de segunda a domingo (8), mulheres de diferentes origens, histórias e regiões estão publicando, neste blog, sobre o tema dentro da iniciativa #AgoraÉQueSãoElas.

Este texto é de Tamires Gomes Sampaio, vice-presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE) e primeira negra a dirigir o Centro Acadêmico do curso de Direito da Universidade Mackenzie.

Os outros já publicados nesta série são: Segunda (2) – Juliana de Faria e Luíse Bello, do Think Olga, responsável pela campanha #primeiroassedio; Terça (3) – Karina Buhr, cantora, compositora, atriz e ativista; Quarta (4) – Djamila Ribeiro, filósofa e feminista e Laura Capriglione, jornalista e escritora; Quinta (5) – Maíra Kubik Mano, jornalista, doutora em Ciências Sociais e professora do bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade da UFBA; Sexta (6) – Camila Agustini, roteirista e advogada especialista em direitos humanos.

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O ressentimento de estudar na mesma sala que a filha negra da doméstica

Por Tamires Gomes Sampaio

A cor de pele, os traços no rosto, o nariz, o cabelo, a beleza, as roupas, os sapatos, absolutamente tudo possui um padrão eurocêntrico, branco, que renega toda a cultura e a história negra. Desde pequenas, padrões nos são impostos. Com eles, deixamos de ser o que somos para nos adequar ao que é considerado “aceitável” em nossa sociedade.

Formamos a nossa autoestima com programas de televisão que ou não mostram sequer uma negra ou, quando mostram, são em papeis secundários que exaltam a hipersexualização de nossos corpos.

Somos convencidas que temos que alisar o cabelo por que nosso cabelo é “ruim”, crescemos achando que as únicas princesas e heroínas possíveis são brancas e que as mulheres negras foram escravas e que, por isso, nós nascemos para servir.

A mulher negra não está na televisão, a não ser como “empregada doméstica”, a “mulata exportação”, a “favelada”, raramente como uma advogada, uma empresária ou uma estilista bem sucedida. É sempre violenta a construção de nossa estima em uma sociedade que sequer considera a nossa existência, como um ser humano que existe para além de seu corpo.

Não me explicaram que nossos traços faciais são como um documento e que carregam em si a herança das expressões das lutas que foram feitas contra o maior crime de todos os tempos. Não me falaram que o cabelo crespo é resistência, é a nossa coroa. Não me falaram que, em África, nós éramos rainhas, princesas, guerreiras, e que nos tiraram de lá, apagaram nossa história e sistematicamente tentaram acabar com nossas culturas.

Vivemos em um país com pouco mais de 500 anos de história – um terço dela sobre a escravização de negros e negras trazidos de África para cá e de seus descendentes. Esse histórico de exploração e violência foi somado à nossa sociedade patriarcal, estruturalmente racista, machista e classista, que reproduz as opressões estruturais em todas as nossas relações sociais.

É impressionante quando alguém recusa a existência do racismo a partir do mito da democracia racial, sobre o argumento de que somos um país de mestiços, já que a miscigenação é um marco histórico de nosso país. Especialmente, por que o mito da democracia racial é construído exatamente para acabar com povo negro, uma vez que o genocídio da população negra também se dá quando se nega a existência de sua cultura e história.

Olhe para o seu lado, no serviço, na balada, nas praças, nos programas, nas lojas do shopping, na novela das nove, na universidade e questione: onde está essa mulher negra? Somos à base da pirâmide social e não é preciso ser um gênio para perceber isso. É doloroso reconhecer os próprios privilégios e iniciar uma transformação real, por isso negam a existência do racismo e da desigualdade, para a manutenção desse status quo.

Se, por um lado, isso é desesperador, por outro esse conservadorismo em ascensão gera um imenso conflito de classes. As contradições que até então eram invisibilizadas passam a ser escancaras, gerando uma onda de reação a essa violência.

Consegui reagir a toda essa opressão e estou assumindo o meu cabelo black, assim como várias outras mulheres negras assumindo sua beleza. Vejo mais praticantes de religiões afro-brasileiras reagindo à intolerância e assumindo a sua religião com orgulho, coletivos negros e de mulheres negras organizados em todo o Brasil, e casos de racismo denunciados e não tolerados.

Não ficaremos e aceitaremos mais calados os recados racistas nos banheiros das universidades da elite, de pessoas que ainda não se conformaram com a presença da filha da empregada na mesma sala que a filha da empresária. Também não aceitaremos a redução da maioridade penal, o encarceramento em massa da juventude negra e não nos calaremos diante da violência policial.

Não seguiremos mais os padrões, nossos ancestrais que nos darão o padrão para seguirmos.

Vejo cada vez mais mulheres negras se referenciando e reverenciando Dandara dos Palmares, Lélia Gonzalez, Carolina de Jesus, as Yabás, Chimamanda Ingozi, Angela Davis, Iansã, Acotirene, e muitas outras negras guerreiras, deusas, rainhas e intelectuais históricas que são referência e símbolo de nossa luta por uma sociedade mais justa e igual.

As mulheres negras estão ocupando mais espaços. Somos mestras e doutoras e ocuparemos os cargos de representação. Seremos presidentas, cantoras, atrizes, empresárias, e tudo aquilo que quisermos! Estamos matando um leão por dia para conquistar o que historicamente nos foi negado, mas que nos pertence. Pois é o direito nosso de existir e resistir.

A base da pirâmide social está se movendo e vai construir uma nova estrutura, feminista, antirracista, anti-lbgtfóbica e sem hierarquia de classes. Pois se tem uma coisa que a mulher negra pode é ter poder. Axé!

Destaque: Pichação racista encontrada em banheiro da Universidade Mackenzie em São Paulo.

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