Após 11 anos, os dois acusados de serem os mandantes da “Chacina de Unaí” – quando três auditores fiscais do trabalho e um motorista do então Ministério do Trabalho e Emprego acabaram emboscados e mortos enquanto fiscalizavam fazendas no Noroeste de Minas Gerais – foram, enfim, julgados.
Antério Mânica, ex-prefeito do município e grande produtor de feijão, foi condenado, nesta quinta (5), a 100 anos de prisão por ser o mandante do assassinato de três auditores fiscais do trabalho e um motorista do Ministério do Trabalho e Emprego no que ficou conhecida como a “Chacina de Unaí”. Seu irmão, Norberto, também foi condenado à mesma pena, na última sexta (30), pelo crime ocorrido no dia 28 de janeiro de 2004.
Além deles, um intermediário foi condenado, na semana passada, e, em agosto de 2013, três pistoleiros contratados para a matança foram julgados e considerados culpados. O contratante dos matadores já faleceu e outro intermediário, que colaborou com as investigações, será julgado na semana que vem.
Antério e Norberto têm o direito a recorrer em liberdade e vão exercer esse direito.
Em novembro de 2008, Antério Mânica chegou a ser um dos condecorados com a Medalha da Ordem do Mérito Legislativo, em cerimônia promovida pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, realizada no Palácio das Artes e “aplaudida por mais de mil convidados”, como explicou o site da própria instituição. O prêmio, que foi considerado por muitos como um desagravo, gerou indignação e mal-estar em parte da sociedade civil e dos deputados mineiros.
A impressão que fica neste caso é de que a velocidade de funcionamento de grande parte do sistema continua dependendo de quem é o réu/acusador. Se for rico, será rápido (se ele quiser que seja rápido) ou lento (se quiser que seja lento). Se for pobre ou se pobres forem os assassinados, a Justiça faz o caminho inverso.
A história desse caso se confunde com a história recente do combate à escravidão contemporânea no país, apesar dos quatro não estarem fiscalizando esse tipo de exploração no momento de sua morte. Tanto que o 28 de janeiro tornou-se, desde 2009, o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.
Em 2004, a votação em primeiro turno, na Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional que prevê o confisco de propriedades flagradas com escravos e sua destinação à reforma agrária ou a programas de moradia urbanos, ocorreu sob a forte comoção pública gerada pelo assassinato dos quatro. Isso pressionou a decisão dos deputados, que aprovaram o texto.
Mas quando o sangue dos quatro esfriou, muitos ruralistas sentiram-se confortáveis para protelar a aprovação da PEC, cujo trâmite – entre a segunda aprovação na Câmara e outras duas no Senado – levou mais dez anos.
Agora, ela espera a votação de sua regulamentação. E, novamente, ruralistas agem pesadamente para minar sua força. Para isso, tentam mudar o conceito de trabalho escravo, retirando elementos que o caracterizam. Ou seja, já que não puderam bloquear a sua aprovação, vamos esvaziá-la de sentido. Isso é equivalente a aprovar uma lei punindo o assassinato, mas mudando o que seja assassinato para morte com faca, das 7h às 12h, embaixo de uma pitangueira e vestido de palhaço.
Mais de 11 anos depois, os quatro assassinatos e o confisco de propriedade flagradas com escravos novamente voltam a se encontrar. Tudo está resolvido, mas só no papel.
A emenda constitucional foi aprovada. Mas ainda não é certeza de que haverá Justiça.
E os mandantes do crime foram apontados e condenados. Mas ainda não é certeza de que haverá Justiça.
É uma Justiça com gosto agridoce apresentada até aqui. Um sabor, como sabemos, bem brasileiro.