Argentina tem dívida em aberto com seus indígenas

Terra

Alheios ao dilema político que divide a sociedade argentina, alguns índios Qom acamparam no coração de Buenos Aires com uma reivindicação que se arrasta há séculos: o reconhecimento dos direitos dos povos originais sobre seus territórios e seus recursos naturais.

Nenhum dos candidatos que brigam pela Casa Rosada parou para escutar o grito dos Qom, que começaram a protestar em fevereiro e até hoje não conseguiram uma audiência com um funcionário do governo de Cristina Kirchner.

A poucas semanas do segundo turno das eleições presidenciais, que tem como candidatos o peronista Daniel Scioli e o conservador Mauricio Macri, e a menos de dois meses do final do mandato de Cristina, em dezembro, é difícil que eles consigam ser ouvidos.

Os Qom não contam na briga política. São pouco mais de 60 mil pessoas divididas entre as províncias de Chaco e Formosa, no norte do país. Menos de 0,5% do censo eleitoral.

Mas eles não desistem, é o que garante Félix Díaz, líder da comunidade Qom de Formosa que, junto a algumas dezenas de moradores, vive desde fevereiro em uma tenda instalada no centro de Buenos Aires, sob a gigantesca imagem de Evita que ilumina a fachada do Ministério de Desenvolvimento Social, liderado por Alicia Kirchner, cunhada da presidente.

Amontoados e em condições insalubres em uma barraca na qual convivem idosos, jovens e sete crianças de menos de cinco anos, os Qom exigem que o governo cumpra com os compromissos firmados em 2011 e reconheça os direitos dos indígenas sobre sua terra.

“Sabemos que o governo argentino tem todos os recursos para poder resolver os problemas, mas falta vontade política”, afirmou Díaz em entrevista à Agência Efe.

Desde que começaram com as reivindicações, eles passaram a viver um calvário, que incluiu a repressão em algumas comunidades.

“Queremos a devolução das terras, mas com respaldo jurídico. Tiram de nós a terra através da força, nos enganando ou comprando dirigentes indígenas, dando a eles um pequeno salário, uma casa precária ou uma caminhonete”, disse ele.

Impotentes, veem que em suas comunidades se multiplicam problemas que já não deviam mais existir, como a Doença de Chagas e a desnutrição. Mortes como a de Óscar Sánchez, que tinha 14 anos e pesava 9 kg quando faleceu em setembro. Ou a de Lara Yamila Sánchez, de pouco menos de dois anos e que não conseguiu chegar ao hospital de Buenos Aires, onde poderia ser tratada, por impedimentos administrativos.

“Não temos uma profissão para poder procurar um emprego na cidade. Vivemos da caça, da pesca, da colheita, e também nos alimentamos dos recursos naturais que existem no território, por isso é importante a devolução desses espaços para podermos nos alimentar equilibradamente”, explicou Díaz.

A educação é outra das reivindicações. A maioria dos professores de suas comunidades não domina a língua indígena e leciona com “regras que vêm de fora”.

“A educação é utilizada como instrumento para dominar os pobres. O indígena que não sabe ler nem escrever é um homem que não pode discutir seu direito”, afirmou Díaz.

Independentemente de partido político, Félix Díaz pede ao próximo presidente da Argentina “diálogo e participação na discussão” dos interesses do povo indígena.

“Queremos poder trabalhar conjuntamente, para que sejam aplicados os direitos constitucionais estabelecidos na legislação, que garantem a segurança jurídica dos territórios e a existência do povo indígena”, resumiu.

Enquanto esse diálogo não acontece, ele não se considera um cidadão argentino.

“Estou lutando para que eu seja parte deste país. Considero-me um estrangeiro com as violações que sofro diariamente, de não ter água, de não ter acesso à saúde, não ter uma formação correspondente. Os nossos direitos constitucionais são reconhecidos e os direitos não são negociados. É como a própria vida”, defendeu.

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