Ser ou não ser Simone de Beauvoir…

Por Mary del Priore, em História Hoje

Simpática? Não. Bonita, tampouco. Muitos dos seus livros se tornaram chatos de ler: A convidada é intragável. E O Segundo Sexo tem passagens nitidamente envelhecidas para não dizer pré-históricas. Já suas Memórias, são excelentes. Alguns autores anglo-saxões a acusam de colaboracionista junto com Sartre e Picasso. Comunista? Na época, era obrigatório. Seu lado feminino só se vê nas cartas de amor que escreveu a seu amante, o jornalista americano Nelson Algreen. Mas a frase universalista e bandeira do feminismo dos anos 60 e 70, ficou: “não se nasce mulher. Torna-se mulher”.

Num país onde a violência contra a mulher é cotidiana e horária, é importante lembrar que a brasileira tem que SE construir. De preferência contra o estereótipo da Mulher-Bunda, da Loura-Burra-da-Cerveja, da submissa, da santa ou da puta. E Simone de Beauvoir foi o ponto de partida dos estudos de gênero, abordagem que des-naturaliza o fato de se ser mulher. Que extrai a mulher do seu papel unicamente biológico. Que demonstra que não nascemos para lavar louça e passar o aspirador. Ela nos convida a pensar a situação da mulher no século XX e a esposar lutas por igualdade num país onde convivem o arcaísmo, o nepotismo, o machismo, e a contemporaneidade: a internet, o consumo, a democracia. Ela nos faz meditar sobre quanto falta conquistar para ter voz, independência, direitos e deveres, dignidade.

Outro aspecto a relevar na obra da escritora feminista é o fato de ela escrever sempre em primeiro pessoa. Esse “eu” é político. Ela se coloca, não se esconde atrás do “nós”. Esse “nós” majestático que a universidade inventou no século XIX! Nesse sentido, ela ousa ir à praça pública, dizer o que pensa. Como cidadã, como intelectual. E afirmar o que chamava de “a aventura de ser si mesma”.

O resultado do efeito Simone nas universidades é que hoje há milhões de estudos sobre condição feminina e gênero. Estudos que se dividem em duas linhagens: os “beauvoiristas” com posição mais universalista e interessados nas estruturas sociais que modelam o “ser mulher”. E os diferencialistas, que apostam nas especificidades e singularidades do gênero.

Pensar a violência contra a mulher, sobretudo entre jovens? Do meu ponto de vista, acertadíssimo. Foi pena o ENEM não ter pensado numa feminista brasileira. Em alguém que desde o início século XIX reivindica melhores condições de vida para suas conterrâneas. A importância de Nísia Floresta nessa constelação é única. Em 1832, aos 22 anos, ela traduziu do francês a obra Direitos das mulheres e injustiça dos homens em que advoga o direito à educação feminina, ao trabalho e às mulheres serem tratadas como seres inteligentes e merecedores de todo o respeito da sociedade. Bastava, – dizia ela – de viver enclausurada em preconceitos e de viver para obedecer e cumprir a vontade masculina! Em 1853, essa mulher fantástica, nascida no Rio Grande do Norte, na cidade de Papari, publicou o Opúsculo Humanitário, uma coleção de artigos sobre emancipação feminina através da educação e da reforma do sistema de ensino. Nada mais atual, quando o ensino está em crise, a sociedade mergulhada em problemas e a mulher em busca de papéis que a realizem e a ajudem a construir um presente melhor.

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