Um ano se passou desde a tragédia de Ayotzinapa, em 26 de setembro de 2014, que deixou seis estudantes mortos, 25 feridos, 43 desaparecidos e nenhuma condenação. Familiares, organizações de direitos humanos e setores da sociedade civil organizada no México ainda lutam para que o Estado mexicano trate o caso com seriedade, apontando a total negligência e omissão por parte do governo do presidente Enrique Peña Nieto.
“A tragédia de Ayotzinapa é um dos piores escândalos de direitos humanos da história recente do México. Expôs como qualquer pessoa pode desaparecer forçadamente como num passe de mágica no país, enquanto que quem está no poder foca em encobrir as marcas”, afirma Erika Guevara Rosas, diretora para as Américas da Anistia Internacional. “A menos que o presidente Peña Nieto tome uma atitude real, agora, vai continuar sendo visto em todo o mundo como facilitador desses horrores”, complementa.
Para a Anistia Internacional, o governo mexicano estaria determinado a convencer o mundo todo de que os estudantes foram, de fato, assassinados por narcotraficantes e seus corpos queimados. Segundo a organização de direitos humanos, isto seria uma “distração” para qualquer outra linha de investigação. “Em particular, deveriam explorar o papel dos militares e agências responsáveis por fazerem cumprir a lei na tragédia, depois de não tomarem providência, apesar de serem conscientes dos abusos contra os estudantes”, opina Erika.
Os 43 estudantes da Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos, mais conhecida como Escola Rural de Ayotzinapa, desapareceram na madrugada de 26 para 27 de setembro do ano passado, após serem detidos pela polícia municipal de Iguala, no Estado de Guerrero, enquanto se deslocavam de ônibus para uma manifestação pública estudantil. Desde então, eles estão desaparecidos e as pistas do paradeiro dos jovens não coincidem com o que sustenta a investigação encabeçada pelo governo mexicano.
Desencontro nas investigações
Do total de estudantes desaparecidos, apenas o corpo de um foi encontrado, identificado como Alexander Mora Venancio, 19 anos, numa sacola atirada em um rio, nos arredores do local do ocorrido. Recentemente, autoridades afirmaram que um dos ossos encontrados na sacola pertence a Jhosivani Guerrero de la Cruz, 20 anos, outro estudante de Ayotzinapa. Especialistas da Equipe Argentina de Antropologia Forense, entretanto, ponderam que o exame dos restos mortais encontrados não é conclusivo.
“As alegações infundadas por parte das autoridades mexicanas de que identificaram os restos mortais de Jhosivani cheiram a desespero e a uma cruel tentativa de mostrar que estão tomando providências, antes do primeiro aniversário dos desaparecimentos forçados dos estudantes”, afirma Erika. “Parece que estão preparados para não se deterem diante de nada, para lavarem as mãos de qualquer responsabilidade sobre uma das mais graves tragédias de direitos humanos da história recente do México”, complementa a ativista.
Enquanto a investigação do crime realizada pela Procuradoria Geral da República do México concluiu que os estudantes foram incinerados em um aterro sanitário, em Cocula, próximo a Iguala, a investigação paralela conduzida pelo Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (Giei), nomeado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), questiona as conclusões do governo mexicano.
O Grupo entregou, no último dia 06 de setembro, o documento “Informe Ayotzinapa: investigação e primeiras conclusões dos desaparecimentos e mortes dos estudantes de Ayotzinapa”, condensando um trabalho realizado em seis meses do mandato inicial da assistência técnica ao caso. Da entrega participaram familiares das vítimas desaparecidas e sobreviventes.
No informe, os familiares falam sobre a dor do desaparecimento forçado, das consequências da perda incerta e ambígua, bem como de suas esperanças de encontrá-los. Discorrem também sobre a quebra de confiança diante do Estado mexicano, devido à participação das forças de segurança públicas no caso, além do tratamento omisso dado pelo governo. O Giei compreende que, além dos jovens, os familiares também são vítimas do crime, demandando medidas de atenção por parte das autoridades.
“O Estado deve comprometer-se a implementar as recomendações do grupo de especialistas, especialmente no que diz respeito à reestruturação da investigação com foco central na busca pelos jovens desaparecidos”, afirma María Luisa Aguilar, coordenadora da área internacional do Centro de Direitos Humanos da Montanha (CDHM) Tlachinollan, organização que atua no Estado de Guerrero e dá assistência aos familiares das vítimas de Ayotzinapa.
O relatório dos especialistas aponta que não há indícios de que os jovens foram cremados em um aterro sanitário, na vizinha Cocula. Segundo eles, para que a versão oficial se sustentasse, o fogo teria ardido por mais de 30 horas, produzindo uma fumaça que alcançaria 300 metros, impossível de ser ignorada e não reportada.
“Azyotzinapa é o emblema da tragédia que assola nosso país, mas também o símbolo da resistência que, hoje, começa a convocar todas as lutas. #VivosOsQueremos é a consígnia que levamos gravada na alma e nas entranhas e acompanha cada uta e protesto de indignação pela barbárie em que nos tem deixado um Estado criminoso”, afirma o Observatório Eclesial do México.
TRAGÉDIA EM NÚMEROS
43 – Estudantes detidos e submetidos a desaparecimento forçado pela polícia, em 26 de setembro de 2014.
6 – Pessoas executadas extrajudicialmente um ano atrás (três estudantes e três transeuntes).
25 – Pessoas feridas.
42 – Estudantes cujo paradeiro ainda não se conhece.
1 – Morte confirmada dentre os desaparecidos: Alexander Mora Venancio, de 19 anos de idade, cujos restos mortais foram confirmados no dia 06 de dezembro de 2014.
110 – Detenções realizadas no caso, ainda sem nenhuma condenação.
Pelo menos 70 – Fossas descobertas em torno de Iguala desde a tragédia de Ayozinapa.
104 – Restos humanos encontrados em fossas.
25.700 – Estimativa de pessoas desaparecidas no México nos últimos anos.
6 – Condenações federais desde que o desaparecimento forçado se tornou delito federal, em 2001.
Fonte: Anistia Internacional México.
Manifestações pressionam por solução
Durante a última semana, uma série de atos e manifestações públicas foram realizadas no sentido de pressionar o Governo do México a reabrir o caso e liderar uma investigação comprometida com o esclarecimento de Ayotzinapa. As ações se aliam também aos outros pelo menos 25 mil casos de desaparecimentos forçados, registrados desde o ano de 2006 pela Secretaria de Governo no país.
O principal protesto está marcado para este sábado, 26, na Praça da Constituição (Zócalo), na Cidade do México, capital do país. Até o próximo domingo, 27, estão previstas mobilizações em países como Peru, Suíça, Bélgica e Brasil. Ademais dos protestos, na última quarta-feira, 23, pais e mães das vítimas iniciaram uma greve de fome pelo período de 43 horas e, no domingo, 27, devem depositar coroas de flores nos túmulos dos seis estudantes que foram mortos durante a violenta interceptação do dia 26 de setembro de 2014.
Na próxima semana, a CIDH deve visitar a Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos, que os jovens frequentavam, e a OEA estará em missão em território mexicano para observar a situação do cumprimento dos direitos humanos no país, com especial atenção aos casos de execução extrajudicial, desaparecimento forçado e tortura.
“A atual realidade de desaparecimentos forçados no México é tão ou mais grave do que vimos em períodos de recessão e ditadura nos países latino-americanos. É preciso dar um basta nesta situação”, ressalta Jessica Carvalho Morris, diretora-Executiva da organização internacional de direitos humanos Conectas, do Brasil.
Relembre o último ano de luta pelo esclarecimento do caso:
Confira a lista de vítimas:
DESAPARECIDOS
Abel García Hernández
Abelardo Vázquez Peniten
Adán Abrajan de la Cruz
Antonio Santana Maestro
Benjamín Ascencio Bautista
Bernardo Flores Alcaraz
Carlos Iván Ramírez Villareal
Carlos Lorenzo Hernández Muñoz
César Manuel Gonzales Hernández
Christian Alfonso Rodríguez Telumbre
Christian Tomás Colón Garnica
Cutberto Ortiz Ramos
Doriam Gonzales Parral
Emiliano Alen Gaspar de la Cruz
Everardo Rodríguez Bello
Felipe Arnulfo Rosa
Giovanni Galindes Guerrero
Israel Caballero Sánchez
Israel Jacinto Lugardo
Jesús Jovany Rodríguez Tlatempa
Jhosivani Guerrero de la Cruz
Jonás Trujillo Gonzales
Jorge Álvarez Nava
Jorge Aníbal Cruz Mendoza
Jorge Antonio Tizapa Legideño
Jorge Luis Gonzales Parral
José Ángel Campos Cantor
José Ángel Navarrete González
José Eduardo Bartolo Tlatempa
José Luis Luna Torres
Julio César López Patolzín
Leonel Castro Abarca
Luis Ángel Abarca Carrillo
Luis Ángel Francisco Arzola
Magdaleno Rubén Lauro Villegas
Marcial Pablo Baranda
Marco Antonio Gómez Molina
Martín Getsemany Sánchez García
Mauricio Ortega Valerio
Miguel Ángel Hernández Martínez
Miguel Ángel Mendoza Zacarías
Saúl Bruno García
MORTOS EM 26 DE SETEMBRO DE 2014
Daniel Solís Gallardo
Julio César Ramírez Nava
Julio César Mondragón Fontes
EM COMA
Aldo Gutiérrez Solano
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Familiares se organizam e questionam tratamento dado pelo Estado do México ao caso. Foto: Third Party