Por Paulo Metri, no Correio da Cidadania
José Serra! Você começou tão bem! Muito jovem, foi presidente da UNE. Logo após o golpe militar de 1964, corajosamente conclamou a população, pela Radio Nacional, a se rebelar contra os golpistas. Refugiou-se no Chile, onde consta ter se graduado e obtido o grau de mestre em Economia. Estava lá durante o breve período de Allende no poder. Saiu do Chile, com o golpe de Pinochet, e migrou para os Estados Unidos. Consta ter conseguido na universidade de Cornell um doutoramento em Economia.
A ida para esta universidade não pode ser considerada seu ponto de inflexão. Ela poderia ser a melhor opção, à época, para determinada linha de estudo que desejava. Contudo, é estranho os Estados Unidos terem dado um visto de entrada a alguém possuidor de uma ficha provavelmente extensa no seu órgão de inteligência.
Voltando ao Brasil, teve uma carreira meteórica, que sua inteligência permitiu e, talvez, grupos econômicos tinham interesse. Trabalhou na Unicamp. Foi secretário de Planejamento do governo Montoro. Foi deputado federal durante a Assembleia Nacional que redigiu a Constituição de 1988, quando já se podia notar sua opção pelo liberalismo econômico.
Conseguiu reeleger-se em 1990. Foi um dos fundadores do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Foi ministro de Estado de Planejamento e da Saúde do governo neoliberal de FHC. Existe uma declaração gravada do ex-presidente Fernando Henrique dizendo que “o Serra foi quem mais batalhou pela privatização da Vale do Rio Doce e da Light”. Foi prefeito da cidade de São Paulo e governador do estado de São Paulo. Elegeu-se senador por São Paulo em 2014. Mesmo tendo sido descrita de forma sumária, trata-se de uma trajetória política respeitável.
Além da sua visão neoliberal, não vê diferença entre o capital internacional e aquele genuinamente nacional no que tange a um real desenvolvimento econômico do país. Por ter discurso dissimulador, às vezes, algumas pessoas creem se tratar de um nacionalista. Um exemplo da sua arte da dissimulação foi dado no debate atual sobre seu projeto de lei 131, quando disse querer somente “tirar um ônus da Petrobras por não ter que participar de todos os consórcios com, no mínimo, 30% de participação”, sem dizer que seu projeto significa a retirada de valiosos campos de petróleo da mesma. Ele não vê relevância na defesa da soberania para o desenvolvimento de um país. Por tudo isso, ele pode ser classificado como um entreguista.
No entanto, José Serra está representando o papel que escolheu para ter durante a sua vida e não poderá nunca ser sensibilizado. Ele está cercado por grupos econômicos com recursos, inclusive as petroleiras estrangeiras, os quais ele representa no Senado. Pelas conversas de José Serra com representantes destas petroleiras, vazadas pelo WikiLeaks, é grande o seu grau de comprometimento com elas. Por mais que o senador garanta que os diálogos do WikiLeaks não são verdadeiros e não se possa comprovar sua veracidade, é impossível não reconhecer que são histórias plausíveis de terem acontecido. Além de que, como o conjunto das histórias é imenso e cobre diversas áreas, é impossível só um homem tê-las inventado.
Mas eu me preocupo, neste momento, com o xará do senador, José da Silva, o brasileiro comum. Com a compreensão dos acontecimentos distorcida por uma mídia criminosa e cruel, este último José pode inocentemente achar que o péssimo é bom. Dessa forma, o socialmente reprovável projeto 131 do outro José pode vir a ser aprovado. Muitos analistas, inclusive a minha pessoa, já escreveram artigos mostrando a não atratividade social deste projeto, por isso os argumentos não são aqui repetidos. Uma mídia convencional honesta faz grande falta, assim como uma população politizada e, consequentemente, com melhor compreensão dos interesses do capital e de nações.
Em um exercício de abstração, gostaria de ver o José Serra como congressista na Noruega, propondo ao povo norueguês que seu petróleo do Mar do Norte fosse explorado da mesma maneira que ele prega que o nosso Pré-Sal seja explorado. Ele iria dizer também que só propõe “retirar o ônus da Statoil (a estatal de petróleo daquele país)”. Esta estatal recebe áreas diretamente do governo norueguês. A grande diferença é que o José Serra de lá quase não seria chamado para palestras e, nas poucas que fosse, poucas palmas seriam ouvidas. Seu netinho chegaria da escola triste, reclamando que os coleguinhas disseram que, na casa deles, seu vovô era chamado de entreguista do petróleo nacional. E o netinho chorava. Possivelmente, o José Serra nórdico não teria coragem para apresentar o projeto.
No Brasil, a mídia do capital blinda o debate. O José da Silva não sabe da existência do projeto 131. Assim, os congressistas brasileiros estão livres para votar neste projeto do jeito que seus patrões querem, porque, qualquer que seja seu voto, poucas pessoas na sociedade irão saber, apesar da população toda, no futuro, vir a sofrer com as consequências. É claro que os patrões destes políticos são exatamente seus financiadores de campanhas.
Para não termos que dizer no futuro, como Drummond nos lembra na sua poesia “José”, que “a festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu e a noite esfriou”. Para não sermos obrigados a reconhecer que José “está sem discurso, está sem carinho, já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode, a noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou”. Para não dizer nada disso, resta aos conscientes deste drama que se multipliquem e lutem com todas as forças, e ainda um pouco mais, para explicar aos José da Silva que os estão enganando, e eles precisam reagir e não esconder a sua indignação. Implícito está que mesmo os políticos eleitos graças ao capital respeitam a opinião pública, mais até que o diabo respeita a cruz.
Assim, os conscientes precisam buscar furar a blindagem construída pelo capital e, para isto, vale tudo. Vale usar a mídia alternativa, a mídia eletrônica, promover debates, palestras, assembleias, passeatas, comícios, quermesses, pagodes e greves. Até usar o Pão de Açúcar como um gigantesco outdoor. Trata-se de uma guerrilha da comunicação. Os hoje inconscientes, no futuro, lhes agradecerão. E quanto à última pergunta de Drummond na poesia: “José, para onde?”, que se possa responder: “Sem o projeto de lei do José Serra, para um futuro melhor!”