Elaine Tavares – Palavras Insurgentes
Os trabalhadores das universidades estão em greve há mais de 100 dias. Querem data-base, reajuste salarial e ainda têm uma longa pauta específica que inclui arranjos na tabela de cargos, contra a EBSERH e outros tópicos mais. Um deles é bem importante. Diz respeito ao reposicionamento dos aposentados. É um tema meio árido para quem não conhece a lógica da carreira pública, mas em linhas gerais posso explicar assim: quando veio o novo plano de cargos em 2004, foi feita uma equação para colocar cada trabalhador num determinado lugar na tabela. Quem já estava aposentado acabou sendo colocado em lugares diferenciados na tabela, enquanto deveria ter ido automaticamente para o último degrau.
Como naqueles dias de mudança de plano de cargos, a coisa foi posta pelo governo praticamente como uma obrigatoriedade – afinal quem não aderisse ao plano ficaria sem representação – os aposentados não tiveram escolha e acabaram aderindo ao plano, mesmo com os prejuízos. Por conta disso, desde aí a categoria tem feito uma luta intensa para garantir o reposicionamento, sem encontrar eco no governo, que insiste em alegar que como já estavam aposentados não poderiam mais “produzir” e subir na carreira. Não leva em conta o governo que a maioria dos aposentados passou a essa condição já tendo cumprido todos os degraus do plano anterior e não pode ser penalizado por ter nascido uma nova tabela com mais degraus que a antiga.
O fato é que os trabalhadores que já deram sua contribuição laboral ao Estado não deveriam estar nessa batalha insana, lutando por algo que é um direito. Eles deveriam estar curtindo a vida depois de tanto trabalho oferecido ao público.
Faço parte de uma geração que sempre respeitou os “velhos”. Quando cheguei na UFSC, logo entendi que estar ao lado de pessoas como Manuel Arriaga e Antônio Carlos Silva – que eram considerados os decanos da luta dos TAEs, era um privilégio. Todos queriam aprender com eles, sorver de toda a experiência de luta e de dedicação ao serviço público. Eram a nossa referência. Depois, os não tão velhos, mas também já experientes combatentes, como Valcionir Correa, Moisés Eller, Ângela Dalri e Helena Dalri reforçaram a ideia de que na questão da aposentadoria o que devia prevalecer era a solidariedade geracional. Nós, os da ativa, seguíamos contribuindo, para que os aposentados pudessem fruir a vida, sem mais contribuições.
E foi essa diretriz que sempre pautou a luta contra a reforma da previdência e contra a proposta – vitoriosa por parte do governo – de que os aposentados tivessem de seguir contribuindo mesmo depois de já estarem afastados do trabalho. Aquilo não era – e não é – justo.
Por isso que continuo entendendo que os aposentados têm mais é que curtir a vida. Foram mais de 30 anos dedicados ao serviço público, alguns até bem mais tempo deram. Agora, que conseguiram conquistar um tempo de liberdade deveriam poder viver à larga, com tranquilidade, alegria e sem medo. Mas, não, todos os dias eles precisam acordar pensando: que nova maldade estará sendo preparada para nós? E, em vez de buscar as trilhas da festa do ócio, precisam vir para a universidade, participar das lutas e seguir com todo o ritual de reuniões, assembleias e atos públicos.
Não digo que eles não pudessem vir. Mas o que os traz não deveria ser a incessante peleia por direitos. Nós, os que ainda estamos na ativa, é que deveríamos ser a ponta de lança da luta na defesa dos direitos dos nossos velhos companheiros e companheiras. Nós deveríamos empunhar a bandeira e arregaçar as mangas na batalha por aqueles que tanto deram de sua vida para a universidade e para a sociedade. Aos aposentados deveria ser garantido o espaço da fruição.
Hoje, quando nossos velhos colegas ainda precisam fazer todo esse esforço para conquistar direitos, eu continuo apostando na solidariedade geracional. E ela deveria se manifestar assim. Nós lutando e eles curtindo a vida. Porque quando chegar a nossa hora de dizer adeus ao mundo laboral, eu queria que tivesse uma juventude aguerrida lutando pelos nossos direitos. Isso me daria alegria e paz.
Assim é que tinha de ser a vida. Solidária, solidária e solidária, cheia de amor por aqueles que já trilharam o caminho que ora cruzamos. Cheia de amor e cuidado pelos velhos, essas criaturas que já deram tanto. Sobre eles estendo a minha ternura, mesmo àqueles mais reacionários, que passaram uma vida e não entenderam. Acredito, como a Compadecida de Suassuna, que o caminho histórico de cada um provocou os erros de avaliação, mas que no fundo e no fim, são todos puros.
E todos esses, queria ver brincando no jardim, enquanto nós seguimos com suas bandeiras e armas. Para, na vitória, dançarmos juntos a ciranda. E é por conta deles que dizemos não à proposta do governo, que se nega a discutir o reposicionamento dos aposentados. Com isso, não podemos claudicar! O direito dos nossos velhos é a nossa luta.
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Imagem: Os velhos devem brincar, protegidos e felizes (Reprodução de Palavras Insurgentes)