Por Patrícia Bonilha e Renato Santana, Assessoria de Comunicação – Cimi
Lideranças da Aty Guasu, principal organização política Guarani e Kaiowá, protocolaram no Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde desta terça-feira, 1, uma petição solicitando o fim da suspensão dos efeitos do decreto de homologação da Terra Indígena Ñanderú Marangatú, há uma década aguardando o julgamento da Corte.
A petição foi encaminhada ao ministro Gilmar Mendes, atual relator do processo, durante protesto na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, pelo assassinato de Semião Vilhalva Guarani e Kaiowá. O indígena levou três tiros durante ataque de cerca de 100 fazendeiros, no último sábado, liderados pela presidente do Sindicato Rural de Antônio João, Roseli Maria Ruiz.
Ñanderú Marangatú foi homologada com 9.300 hectares. Em setembro de 2005, uma ação contra a homologação acabou nas mãos do então ministro Nelson Jobim, que em decisão liminar suspendeu os efeitos do decreto de homologação da Presidência da República até que a ação fosse julgada pelos ministros do STF.
A ação partiu da família de Roseli Ruiz, proprietária de fazendas incidentes em Ñanderú Marangatú. Dois meses depois da decisão de Jobim, em dezembro do mesmo ano, a Polícia Federal usou helicópteros, armas e dezenas de agentes para despejar de uma das áreas de Ñanderú Marangatú famílias Guarani e Kaiowá – não por coincidência das fazendas Ruiz. Os rasantes da aeronave sobre crianças em pânico até hoje são lembrados pelos indígenas.
Outro documento foi protocolado pelos indígenas na tarde desta terça no STF, dessa vez ao presidente da corte, ministro Ricardo Lewandowski, denunciando a omissão do governo federal diante do cumprimento dos termos constitucionais envolvendo o direito à terra dos povos indígenas, as tentativas da bancada ruralista no Congresso Nacional de destruir as leis que protegem os direitos indígenas e a necessidade da Corte Suprema proteger tais direitos.
Descaso e omissão
A manifestação dos indígenas reuniu os povos Guarani e Kaiowá, Terena, Munduruku, Baré, Kambeba e Baniwa. A partir das 15 horas, se concentraram na altura da Catedral de Brasília e de lá, simulando um cortejo, partiram Esplanada adentro. No Ministério da Agricultura, cuja ministra é a ruralista Kátia Abreu, os indígenas pararam e fizeram rituais. Depois seguiram para o STF, onde protocolaram documentos e deram entrevista coletiva para os profissionais de imprensa que acompanhavam o protesto.
Olhando para o caixão usado no ato, Daniel Vasques Guarani e Kaiowá, liderança da Aty Guasu, principal organização política do povo, disse: “Aqui tá o corpo do Semião, a prova do que o governo federal, o Congresso e o STF fazem com nosso povo. Esse caixão representa o que o agronegócio faz com nosso povo. Presidente Dilma, esse caixão é resultado da sua falta de coragem”.
Acompanhando os indígenas no protesto, o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, deputado Paulo Pimenta, declarou que a morte de Semião é resultado da omissão e do descaso do Estado brasileiro. “Há dez anos saiu a homologação, obedecendo toda a legislação vigente de demarcação das terras indígenas. Uma ação suspende seus efeitos e uma década depois nada é resolvido e a homologação cumprida”, disse.
O cortejo seguiu para o Palácio do Planalto. No local, os indígenas criticaram dura[me]nte a presidente Dilma Rousseff pela sua opção em se associar aos ruralistas, sendo conivente com os crimes impetrados por eles no campo brasileiro. “Pra presidente parece ser mais fácil prender um índio num caixão do que o fazendeiro que mata. Nesse país parece que só funciona pro latifundiário, só funciona pra quem acha que um boi vale mais que uma criança indígena”, declarou Anastácio Peralta Guarani e Kaiowá.
Chamem o coveiro Cardozo
No gramado do Ministério da Justiça, os indígenas fizeram um velório simbólico, com o caixão representando os indígenas assassinados, e chamaram pelo coveiro, o ministro José Eduardo Cardozo. “Queríamos que os governos da Europa, dos Estados Unidos, do Japão nos ouvissem e não comprassem mais um grão, um saco de açúcar, um pedaço de carne do Brasil. Quando esses produtos saem daqui, levam consigo um pedaço de corpo indígena”, desabafou Daniel Guarani e Kaiowá.
Como o coveiro não apareceu, os indígenas tentaram subir a rampa do Congresso Nacional com o caixão, mas foram impedidos pelos seguranças. Então passaram a entoar cantos, rezas e danças rituais. “O deputado (Luiz Henrique) Mandeta (DEM-MS) estava no ataque que matou Semião. Outra deputada, a Tereza Cristina (PSB-MS), fala sempre contra indígena, não acha que temos direitos”, declararam os Guarani e Kaiowá às portas do Congresso.
O caixão acabou não enterrado pelos indígenas: solitário, repousou como um símbolo desagradável de um Brasil colonial, desenvolvimentista em marcha à ré, mas na rampa de traços modernos do mausoléu de mármore em que se transformou o Congresso Nacional.
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