Por Fábio Nogueira*, em Negro Belchior
A presidente Dilma acaba de decretar a morte “branca” da SEPPIR: rebaixou o seu status de ministério e a incorporou ao natimorto “Ministério da Cidadania”. Os militantes do movimento negro, dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais já estavam habituados a realpolitik dos governos petistas que sacrificam compromissos históricos com o povo negro e a classe trabalhadora em troca de “governabilidade” (que nada mais é que a formação de maiorias parlamentares construídas a base do toma lá dá cá). Porém no Governo Dilma esta política tornou o absurdo regra e a inteligência exceção. Seja do ponto de vista da política econômica como das políticas sociais, Dilma retroage a Era FHC com seus ajustes, superávits e concessões (novo nome para “privatização”). Tudo com o agrado dos bancos, dos milionários e das fortunas construídas a base do suor e o sangue da classe trabalhadora e do povo negro.
Mas a morte “branca” da SEPPIR tem um simbolismo ainda mais profundo: ela nos retira definitivamente de cena. Fomos tratados como uma espécie de mobília incomoda no meio da sala que na primeira oportunidade foi posta no quarto de despejo (Maria Caroline de Jesus que o diga). É este o lugar do povo negro? É este o lugar daqueles que representam mais de metade da população deste país e que durante séculos tiveram seus ancestrais escravizados para fazer a riqueza e prosperidade do Brasil?
De nada adiantou o manifesto assinado por centenas de entidades negras (“NENHUM DIREITO A MENOS, DEMOCRACIA SE FAZ COM DIÁLOGO E PARTICIPAÇÃO”). A SEPPIR foi criada em 2003, logo, tem 12 anos de existência e vivia na corda bamba seja pela ausência de um orçamento que estivesse à altura da pasta ou por seu esvaziamento político. Suas pautas foram secundarizadas em nome da governabilidade. Independente disso contribuiu para dar visibilidade à população negra e a luta contra o racismo e as desigualdades raciais. Quando estive em 2010 em Cuba, os afrocubanos apontavam a SEPPIR como modelo a ser seguido pelo Partido Comunista e várias referências neste sentido eu tive de ativistas negros da Venezuela, Colômbia e Equador. O impacto negativo da decisão de Dilma para o movimento negro da América Latina e do Caribe é enorme.
Estive entre aqueles que no segundo turno das eleições presidenciais votou em Dilma para derrotar Aécio Neves como fez, aliás, boa parte do PSOL. Não me arrependo pelo simples fato de que ainda identifico diferenças entre PT, PSDB e DEM. Entendo que o PT não está mais a serviço de transformações profundas na sociedade. Entrou no jogo da política tradicional e perdeu a capacidade de encantar e mudar as coisas pela raiz. Mas confesso que não estou entre aqueles que entendem o avanço conservador como um momento de surfar na onda do anti-petismo. Até porque no cotidiano do movimento negro me relaciono com militantes do PT, PCdoB e dos partidos do antigo campo democrático e popular que são referências de luta contra o racismo e a discriminação. Contudo, não posso deixar de dizer que ironicamente muitos desses companheiros e companheiras de luta e de sonhos justificavam o voto em Dilma sob o argumento de que em caso de vitória de Aécio a SEPPIR seria extinta!
Logo, a morte “branca” da SEPPIR indica não apenas o esgotamento deste governo (ainda que devamos manter a guarda alta a direita golpista que ainda ronda o Planalto), mas é uma dura lição para o movimento negro. O movimento negro é a principal escola política onde me formei e me sinto orgulhosamente representado. Ele é indispensável à democracia brasileira hoje tão ameaçada pelos detentores do poder econômico, o fundamentalismo religioso e o proselitismo conservador. O movimento negro deve fazer um profundo balanço sobre a atual política de luta de “baixa intensidade” que adotou (com exceções louváveis, certamente). O projeto histórico do movimento negro de combate ao racismo e a superação da desigualdade racial é a pedra angular da democracia social e política com igualdade para todos. Entendo isso de uma perspectiva de esquerda, de um socialismo libertário, que entende o protagonismo de sujeitos coletivos autônomos que radicalizem a democracia e a participação.
Independente da perspectiva que se adote é necessário reconhecer que a extinção da SEPPIR é um retrocesso. Diante deste fato é preciso redefinir as estratégias de luta e enfrentamento ao racismo e apostar na construção de um campo autônomo do movimento negro, independente de governos e partidos como, por exemplo, aponta o MTST com a Frente “Povo Sem Medo”. Como sujeito coletivo o movimento negro é cada vez mais necessário. E hoje cada vez mais contra a ordem. Com certeza, não cabemos no quarto de despejo e nem lá é o nosso lugar!
*Fábio Nogueira, Professor da UNEB, militante do Círculo Palmarino e da Executiva Estadual do PSOL Bahia