Somos educadoras e educadores de crianças, jovens, adultos e idosos de acampamentos e assentamentos de Reforma Agrária de todo o Brasil. Vinculamos nosso trabalho ao MST, uma organização de trabalhadores camponeses que há 31 anos luta pela terra, pela Reforma Agrária e por transformações na sociedade brasileira. Em fevereiro de 2014, o MST realizou seu VI Congresso Nacional, reafirmando seus compromissos históricos: a Reforma Agrária Popular continua a luta pela democratização da terra, a partir de um debate com a sociedade sobre o projeto de agricultura que defendemos para nosso país e para o mundo.
Desde o início de nossa organização incluímos como prioridade a luta pela universalização do direito à escola pública de qualidade social, da educação infantil à universidade, entendendo que o acesso e permanência é fundamental para inserir toda nossa base social na construção de um novo projeto de campo e nas lutas pelas transformações socialistas. Temos buscado construir coletivamente um conjunto de práticas educativas na direção de um projeto social emancipatório, protagonizado pelos trabalhadores.
Como participantes do II Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária, nos associamos a outras organizações de trabalhadores na seguinte análise da realidade atual:
- Vivemos numa sociedade capitalista cada vez mais desigual, que produz riquezas para poucos e miséria para muitos. O capitalismo mundial é agora comandado pelo capital financeiro e pelas grandes empresas privadas transnacionais, que dominam e controlam a produção e circulação das mercadorias em todos os países. Neste contexto, tudo vira negócio: a produção de alimentos, a saúde, a educação, o lazer, e cada vez mais o espaço público é subordinado aos interesses das classes detentoras do capital, pondo em perigo a vida humana e a natureza.
- Como o objetivo principal é o lucro das empresas, as condições de vida dos trabalhadores e trabalhadoras e os direitos sociais duramente conquistados, estão sempre em perigo. No Brasil, estamos perdendo algumas conquistas dos últimos anos e se agravam problemas como transporte público, moradia, empregos e o acesso à saúde e à educação pública em todos os níveis e modalidades.
- Este modelo econômico é o mesmo que organiza e controla a produção como um negócio capitalista, o agronegócio, e sua apropriação privada dos recursos naturais, água, minerais e biodiversidade. Esta lógica de agricultura está baseada em monoculturas que permitem produção em larga escala, mas destroem a biodiversidade e precisam cada vez mais de insumos artificiais que desequilibram os processos de reprodução da vida na natureza. O avanço do agronegócio é amparado por leis e mantido por financiamentos públicos que garantem sua expansão, expropriando a terra e os territórios de camponeses, indígenas, quilombolas… No Brasil, a ausência de uma política de Reforma Agrária é um dos indicativos da aposta equivocada dos governos no modelo do agronegócio, que esconde suas graves contradições, já discutidas em todo o mundo.
- É possível desenvolver a agricultura de outra forma, tendo por objetivo principal a produção de alimentos saudáveis para o conjunto da população, e já existem muitas práticas buscando uma produção que respeite a saúde humana e a natureza. Mas o desenvolvimento dessa agricultura em larga escala requer novas pesquisas, produção de ciência e políticas que estimulem a recuperação dos caminhos já percorridos pelos camponeses e pelas camponesas em sua resistência ao longo da história da humanidade. Mas não tem sido essa a opção dos que decidem o uso dos recursos públicos.
- É esta mesma lógica perversa de colocar tudo a serviço da reprodução do capital, que coloca a educação na mira dos empresários. Além do histórico objetivo de garantir a formação dos trabalhadores e trabalhadoras a serviço do lucro das empresas, agora fazem da educação um ramo de seus negócios e buscam assumir o controle político e pedagógico das escolas.
- Grandes grupos empresariais intervêm cada vez mais na política educacional, por meio de propostas que têm sido assumidas pelos governos com o falso objetivo de melhorar a qualidade das escolas públicas. Na prática, estas propostas representam um processo acelerado de mercantilização da educação em todos os níveis. Primeiro, buscam demonstrar que a escola pública está em crise, que educandos e educandas não aprendem, professores e professoras não sabem ensinar e o sistema educacional não funciona. Depois, apresentam como alternativa que as escolas passem a funcionar de acordo com a lógica de trabalho e de gestão das empresas capitalistas. Isso significa o estabelecimento de metas a serem atingidas, controle externo do processo pedagógico, perda de autonomia do trabalho dos educadores e das educadoras, responsabilização individual pela aprendizagem dos educandos e educandas sob qualquer condição e currículos determinados em função da avaliação em larga escala. Defendem, que para maior eficiência do modelo, as próprias empresas assumam a gestão das escolas, recebendo recursos públicos para esta tarefa. No Brasil esses grandes grupos empresariais se organizam no “Movimento Todos pela Educação”.
- Do lado dos trabalhadores e das trabalhadoras há muitas organizações, educadores e educadoras, educandos e educandas e comunidades que, desde seus locais de trabalho buscam pensar e fazer mudanças necessárias na escola pública, mas com outros objetivos. É preciso, sim, transformar a escola para voltar seu trabalho educativo ao desenvolvimento mais pleno de todas as pessoas, visando uma formação humana emancipatória de longo prazo. Há ricas práticas educativas sendo desenvolvidas nessa direção.
- Mas estes projetos estão em condições desiguais de disputa, porque cada vez mais o Estado assume o lado das reformas empresariais da educação, da mesma forma que na agricultura assume o lado do agronegócio. Por isso, as escolas públicas estão hoje em grave risco. Elas estão cada vez menos públicas, menos democráticas, menos inclusivas e mais instrumentais. E os trabalhadores e as trabalhadoras cada vez menos autônomos para desenvolver suas práticas educativas.
- No Brasil, o direito à educação de trabalhadores e trabalhadoras ainda não foi resolvido. O projeto escravocrata, latifundista e agroexportador do país, explica porque sequer chegamos à universalização da educação básica e porque existem 14 milhões de jovens e adultos ainda não alfabetizados. Este projeto é responsável pela desigualdade histórica no atendimento dos direitos de trabalhadores e trabalhadoras do campo.
- Mesmo com todas as lutas dos sujeitos coletivos do campo, ainda se tem 20,8% de analfabetos e a população camponesa tem, em média, 4,4 anos de estudo. Aí está o maior contingente de crianças fora da escola, os menores índices de atendimento à educação infantil, a maior precariedade física das escolas, as piores condições profissionais de trabalho dos docentes, os contratos de trabalho mais precários, o maior número de educadores e educadoras que atuam sem formação inicial.
- A agricultura capitalista, que expulsa as famílias do seu território, somada à lógica privatista das políticas educacionais, tem acelerado o fechamento de escolas públicas no campo e dificultado a construção de escolas que atendam às diferentes etapas da educação básica, negando às populações o direito de estudar no lugar onde vivem e trabalham. Entre os anos de 2003 e 2014, foram fechadas mais de 37 mil escolas no campo. A política do transporte escolar afasta as crianças das escolas, seja pelo tempo gasto em péssimas estradas seja pelos meios de transporte precários.
- As reformas empresariais em curso fazem com que as escolas que ainda resistem no campo sofram uma investida cada vez mais forte das empresas do agronegócio, através de cartilhas e projetos pedagógicos que fazem propaganda de seu projeto e dos interesses de classe que representam, além de ser parte da investida de privatização disfarçada da escola pública.
Diante desta realidade e buscando honrar a história de que somos parte, manifestamos nossos COMPROMISSOS de LUTA e CONSTRUÇÃO:
- Seguir lutando por uma sociedade justa, democrática e igualitária, sem exploração do trabalho e da natureza, com Reforma Agrária, com um projeto popular de agricultura e com saúde, cultura e educação de qualidade social para o conjunto dos trabalhadores e das trabalhadoras.
- Lutar contra qualquer tipo de reforma neoliberal que reduza os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras e comprometa a democracia e a soberania do nosso país.
- Combater o modelo do agronegócio que representa doenças, morte e destruição da natureza e dos povos do campo, das florestas e das águas, especialmente dos povos indígenas e quilombolas. E resistir à ofensiva das empresas do agronegócio nas escolas do campo, que tenta subordinar educadores e educadoras, educandos e educandas à sua lógica destrutiva, com falsos discursos inovadores.
- Construir a Reforma Agrária Popular, com distribuição de terras a quem nela vive e trabalha e com avanço da agricultura camponesa que tem como principal objetivo a produção de alimentos saudáveis e ambientalmente sustentáveis para o conjunto da sociedade.
- Trabalhar pela agroecologia como matriz tecnológica, produção de conhecimento e desenvolvimento de uma agricultura a partir dos princípios da agrobiodiversidade e da soberania alimentar dos territórios.
- Combater a privatização da educação pública em todas as suas formas, seguir na defesa de uma educação pública desde a educação infantil até a universidade e atuar contra as reformas empresariais defendidas no Brasil pelo Movimento Todos pela Educação, que buscam subordinar as escolas às exigências do mercado, reduzem as dimensões formativas, roubam o tempo da aprendizagem, instalam uma competição doentia e ampliam a exclusão.
- Defender a destinação de verba pública exclusivamente para a educação pública.
- Combater a indústria cultural capitalista que produz um modo de vida consumista e individualista.
- Seguir denunciando que FECHAR ESCOLA É CRIME! E lutar contra a desigualdade educacional em nosso país e pela construção de mais escolas públicas no campo, com infraestrutura adequada, de acordo com a realidade do campo.
- Trabalhar pela alfabetização e políticas públicas de EJA e exigir políticas que garantam o direito à elevação da escolaridade de todo povo brasileiro.
- Defender para todos os trabalhadores e as trabalhadoras do campo e da cidade, uma educação emancipatória que vise o desenvolvimento do ser humano em todas as dimensões da vida, que alargue a visão de mundo das novas gerações e permita vivenciar relações sociais baseadas em valores como a justiça, a solidariedade, o trabalho coletivo e o internacionalismo.
- Seguir na construção de uma escola ligada à vida das pessoas, que tome o trabalho socialmente produtivo, a luta social, a organização coletiva, a cultura e a história como matrizes organizadoras do ambiente educativo da escola, com participação da comunidade e auto-organização de educandos e educandas, e de educadores e educadoras.
- Lutar contra todo tipo de violência e preconceitos étnicos e raciais, glbtfóbicos e de gênero.
- Participar das lutas dos trabalhadores e das trabalhadoras da educação por condições dignas de trabalho, valorização profissional e formação adequada.
- Seguir trabalhando pela Pedagogia do Movimento e pela Educação do Campo, na construção da Pedagogia Socialista para o conjunto dos trabalhadores e das trabalhadoras.
Prestamos nossa homenagem a Florestan Fernandes, uma grande liderança da luta pelo direito à educação e pela escola pública no Brasil, que colocou seu trabalho a serviço das causas do povo. Que seu legado siga inspirando nossa organização: não se deixar cooptar, não se deixar esmagar. Lutar sempre!
Conclamamos nossos e nossas camaradas de luta e de projeto para juntos transformarmos as graves contradições deste momento histórico em lutas coletivas na direção das transformações necessárias para construção da futura república socialista do trabalho.
Lutar, Construir Reforma Agrária Popular!
Luziânia, GO, 21 a 25 de Setembro de 2015.
II Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária