Para juíza, houve “violência exacerbada”. Condenação ocorreu mesmo após justiça criminal absolver policiais.
Por Tatiana Merlino, Ponte Jornalismo
“Queria meu filho de volta. Mas, como nada vai fazer com que ele volte, a condenação é uma vitória. É um reconhecimento do erro que cometeram”, afirma Vera Hilda dos Reis Santos, sobre a sentença que condena o Estado a indenizá-la pela morte de seu filho, com 15 tiros, cometida por policiais militares, em 14 de outubro de 2009.
“Considerando a violência da morte do filho da autora, o excesso na conduta dos agentes policiais, o quadro depressivo que acometeu à autora, suas condições sociais, bem como o fato de o dinheiro para pagar a indenização ser proveniente do erário público, entendo ser razoável a fixação no montante de R$50.000,00”, afirmou, em sentença de 12 de agosto de 2015, a juíza Lais Helena Bresser Lang. A ação foi ajuizada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo em outubro de 2014.
Ricardo Reis Santos tinha 25 anos quando foi morto num suposto flagrante de tentativa de roubo. Foi atingido por 15 projéteis de arma de fogo, efetuados por policiais militares. A versão oficial é que Ricardo teria resistido à prisão e atirado contra os policiais. Porém, o resultado do exame residuográfico deu negativo e nenhum policial foi ferido ou baleado. Além disso, a maioria dos disparos foram dados em regiões vitais do corpo, sendo dois deles de cima para baixo.
“A quantidade de disparos efetuados contra a vítima, ainda que em legítima defesa, demonstram uma violência exacerbada”, aponta a juíza. “Além disso, há nos autos elementos suficientes a comprovar o sofrimento da autora e o descaso do Estado em lhe prestar informações. Não há nos autos prova de que o Sr. Ricardo tenha efetivamente efetuado disparos contra os agentes públicos, ao contrário, há fortes indícios de que não teria efetuado disparo nenhum”, diz a sentença, “pois de acordo com o exame residuográfico, não foram encontrados resíduos de pólvora em suas mãos”.
Execução sumária
“Tiros de cima para baixo, ou seja, em trajetória descendente, são típicos de execução sumária, segundo especialistas, tal como aponta Philip Alston, Relator Especial de Execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias da ONU em relatório sobre a situação brasileira no tema”, ressalta a defensora pública Daniela Skromov de Albuquerque, uma das responsáveis pela ação.
De acordo com a defensora, “a sentença pode ser considerada uma vitória no sentido do repúdio do Judiciário à violência letal da polícia militar e ao descaso com que o próprio Estado trata os familiares das pessoas que mata”.
Segundo ela, “o interessante é que, na Justiça Criminal, os policiais foram sumariamente absolvidos. Mas a justiça cível é independente e pautada por outros princípios e regras e condenou a ação estatal”.
Daniela apontou que a defensoria também havia pedido ressarcimento por danos materiais, referente aos custos com a morte e pensão para a autora, assim como pedido de desculpas público do Estado pelo ocorrido. “Por ora esses pedidos não foram acolhidos, mas recorreremos para que sejam acolhidos e aumentado o valor da indenização”.
Também me mataram
“Quando mataram meu filho, me mataram também. Eu cantava, sorria, ouvia música, era feliz. Hoje, eu sobrevivo”, diz Vera Hilda. Sua vida se resume a acordar, ir trabalhar, voltar para casa e na manhã seguinte repetir o mesmo, dia após dia.
Ricardo trabalhava como cobrador de perua e entregador de pizza. Não era ligado em futebol, mas era fã de videogame, que jogava com os sobrinhos. Gostava de dançar e trocava bastante de namorada. “Ele dizia para mim: ‘ah, veinha, quando for para casar, eu paro’. Mas não deu tempo desse dia chegar”, conta Vera.
No dia que o filho foi morto, Vera saiu para trabalhar e deixou o filho dormindo. Quando voltou, ouviu o telefone tocar. Era do hospital, avisando que ele estava lá. A filha mais velha foi atrás do irmão e quando voltou deu a notícia: “Ricardo está morto”.
“Ele tinha que morrer por isso”? questiona a mãe, contando que Ricardo tinha passagem por roubo de um celular. Para ela, “policial bandido é pior que bandido”.
Em maio de 2013, a justiça criminal absolveu os dois policiais acusados de matar Ricardo. Em sentença, o juiz Alberto Anderson Filho afirmou; “Evidente que os réus agiram em legítima defesa, não só própria como também de terceiros, pois repeliram injusta e atual agressão contra eles e terceiros, utilizando-se, inquestionavelmente, dos meios necessários. A questão a ser discutida é se houve ou não a moderação. Todavia, a moderação é algo relativo, pois, não se pode exigir de alguém que está sendo alvejado, fardado e de arma em punho, dando voz de prisão a um assaltante, também armado, tenha a cautela e a calma de imobilizada para defesa deles e dos terceiros. É muito fácil falar em excesso quando se está distante e após os fatos terem ocorrido. Também é fácil reclamar dos réus calma e frieza. O difícil é estar na situação dos réus, enfrentando um assaltante ousado e frio, que mesmo diante de um policial armado e fardado não cessa sua conduta criminosa”.