Mia Couto: “Nunca tivemos tanto medo do desconhecido”

Por Brenno Tardelli, em Justificando

Ontem, 25, em noite de gala da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), o auditório ficou lotado para ver o bate papo entre os escritores Mia Couto e José Eduardo Agualusa, fechando a segunda noite da Pauliceia Literária. A conversa que foi mediada pelo jornalista Manuel da Costa Pinto abordou a amizade entre os dois, a identidade da escrita em língua portuguesa e temas atuais, como o medo pelo outro.

Mia, moçambicano, e Agualusa, angolano, possuem mais que o continente africano como coisas  em comum. Ambos são amigos de longa data, nutrem uma admiração pelo poeta brasileiro Manoel de Barros e escreveram peças de teatro juntos – uma comédia e uma tragédia muito má, brincou Mia. 

“Nossa grande questão é o medo”

Mia se manifestou sobre o medo – “Nossa grande questão é o medo. Nós não temos medo da diversidade, mas sim das nossas semelhanças”.  “A descoberta do Outro é urgente, inadiável. Nunca tivemos tanto medo do desconhecido, daqueles que são apresentados como um ameaça” – completou.

Agualusa, por sua vez, lembrou de seu livro Teoria Geral do Esquecimento. No romance, a portuguesa Ludovica, que sente aversão pelos angolanos, enclausura-se por anos em um apartamento, por medo do contato com o outro. É uma história que se passa em Luanda, mas pode se passar em qualquer lugar do mundo.

Como exemplo, o escritor angolano, que tem família carioca, lembrou quando foi visitar seus tios em um réveillon no Rio de Janeiro. (Meus tios)  viviam no Arpoador e já velhinhos não saíam de casa. Na noite de fim de ano, disse ao meu tio – Vamos sair para ver os fogos de artifício? – e ele me respondeu – Não, nós vemos melhor pela televisão”. Agualusa completou – “Meus tios viviam enclausurados, que nem a minha personagem.”

Lusotropicalismo

O tema do encontro era essencialmente a identidade cultural da escrita de ambos – “Nós somos todos mestiços desde o começo da espécie humana. Ninguém é o que é por essência, e o que o escritor tem que descobrir são as pequenas histórias que estão por trás” – afirmou Mia.

Agualusa destacou que os países da língua portuguesa, curiosamente, pararam de escrever sobre si – o engraçado é que Portugal parou de escrever sobre si. Para ele, o mesmo processo ocorre em outros países da língua portuguesa, como o próprio Brasil.

Mia aproveitou para destacar seu próximo lançamento. “As areias do Imperador” é uma trilogia histórica que tratará de Gungunhana, último imperador de Gaza, região que atualmente comporta Moçambique e outros países. O imperador foi deportado à metrópole portuguesa no final do século XIX; quando o país africano pediu os restos mortais mais de cem anos depois para celebrar o seu heroi, Portugal mandou um punhado de areia.

Tensão política de Moçambique

Ao final do encontro, Mia Couto, um dos nomes na luta do país pela independência do país em 1975, revelou preocupação com o momento político local – “Estamos preocupados, regressando com notícias de uma tensão política”.

Nessa semana, o líder do principal partido da oposição em Moçambique, Afonso Dhlakama, escapou por duas vezes de um atentado na província de Manica. O processo de independência do país não impediu a continuidade das guerras – o país, inclusive, passou por uma recente, em 2013.

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