Patrícia Bonilha, Assessoria de Comunicação do Cimi
Babaçu, juçara, marmorana, guarimã, bacuri… Vários hectares de vegetação nativa destas importantes espécies vegetais estão sendo desmatados e incendiados por invasores de um território reivindicado pelo povo Gamela, nos municípios de Viana, Matinha e Penalva, há mais de 200 km de São Luís, no Maranhão. Estas espécies são utilizadas secularmente pelos indígenas, tanto para alimentação como na confecção de artesanato. Além dos severos impactos se estenderem sobre os animais da região, os igarapés também estão sendo aterrados e os rios assoreados.
“O propósito dos invasores é transformar a área em pasto para a criação de gado”, esclarece Inaldo Gamela, liderança de seu povo. Mais grave ainda é o fato de que esta destruição ambiental está sendo realizada sob a guarida de homens armados, segundo informa carta-denúncia assinada pelo Conselho de Gestão do Território Indígena Gamela, pelo Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu, Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Isso “agrava a situação e coloca em risco a vida do nosso povo, sobretudo de nossas lideranças”, afirma o documento.
Com o objetivo de denunciar estes fatos, uma comissão de indígenas do povo Gamela esteve nos dias 21 e 22 desta semana na capital maranhense para denunciar a situação para diversos órgãos públicos, de modo que: a destruição ambiental seja imediatamente cessada; os responsáveis por ela sejam punidos; e também que seja garantida a integridade física do povo que vive no território reivindicado. Eles informaram ainda que a retirada de barro das margens do Rio Piraí, para a produção de tijolos, também tem causado o desvio do seu leito e diminuído a quantidade de água, além de estar causando a morte de muitos peixes.
Além das ameaças à existência física do povo Gamela, com cerca de 400 famílias, e de outras comunidades tradicionais, a destruição dessas áreas ameaça a reprodução cultural e religiosa do povo. “Pois essas áreas são também moradas de Seres Encantados cultuados pelo Povo Indígena Gamela, tais como, o ‘Capitão’, morador dos juçarais, e o Encantado João Piraí”, relatam.
A carta-denúncia foi entregue na Defensoria Pública da União (DPU), no Ministério Público Federal (MPF), na Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular (SEDIHPOP) e na Fundação Nacional do Índio (Funai).
No órgão indigenista, no entanto, eles tiveram uma desagradável surpresa. “Apesar de já termos solicitado, desde2014, a abertura do procedimento administrativo para a demarcação do nosso território, tanto aqui no Maranhão, como em Brasília, fomos informados que todos os documentos que enviamos não são suficientes e que nenhuma iniciativa administrativa foi tomada no sentido de devolverem nossa terra tradicional. Diante disso, ficamos muito preocupados. Parece que estão jogando com a gente”, lamenta Inaldo.
Invasões e ameaças
Na carta-denúncia, os Gamela afirmam que devido à luta para defender os seus direitos e os direitos da terra, nos últimos dias os invasores têm intensificado as ameaças contra o povo e a destruição da natureza.
Segundo Inaldo Gamela, na última terça-feira (22) pela manhã, um casal de invasores foi até a casa de uma liderança do povo. Como não encontraram ninguém, foram até a casa onde os Gamela costumam se reunir e, por último, foram até a roça. Ao encontrar alguns indígenas, eles afirmaram que a terra é deles e que não teria comprado “terra de índio”. “Eles estavam acompanhados de um homem desconhecido, que não mora na região. Por isso, a gente desconfia que pode ser algum jagunço contratado por eles”, conta Inaldo.
“Diferentes invasores do nosso território têm apresentado certidões cartoriais de uma mesma área, gerando uma situação de ‘vários andares de terra’, como se isso fosse possível. Isso, além de provocar uma situação de permanente conflito e ameaça contra nosso povo, configura-se numa clara violação de nossos Direitos garantidos em nossa Constituição Federal”, asseguram, na nota.
Leia a carta-denúncia do povo Gamela na íntegra
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Fotos: Núcleo de Estudos e Pesquisas em Questões Agrárias (Nera)/Universidade Federal do Maranhão (UFMa)