Em Minas Gerais corre o processo contra o fazendeiro João Fábio Dias, acusado, dentre outros crimes, de tentativa de homicídio. Em uma decisão quase inédita, João Fábio teve a prisão decretada, ficou foragido e agora, livre, lança tiros ao alto para assustar quilombolas
Ana Mendes – Fotografando Povos Tradicionais
A agenda para último dia de trabalho foi acompanhar o advogado André Alves até o Acampamento Santa Fé. Desde janeiro do ano passado ele está assessorando o caso do Quilombo Nativos do Arapuim, no município de São João da Ponte, em Minas Gerais. O grupo está precisando de apoio jurídico, pois há cerca de um ano sofreu uma tentativa de homicídio por parte de um fazendeiro de nome João Fábio Dias, o “patrãozinho”. Patrãozinho era como ele era chamado pelos três homens encapuzados que chutavam e queimavam com cano quente a cabeça de 12 pessoas estiradas no chão. De bruços, protegendo as crianças que ali estavam, eles ouviam os homens armados deliberando sobre suas vidas, “ o que a gente faz com eles, patrãozinho? Mata e põe fogo em tudo?”. Assim relataram as vítimas ao Ministério Público Federal que decidiu intervir depois da notícia do episódio ter repercutido internacionalmente.“O que estamos acostumados na lida dos conflitos socioambientais é a utilização do peso da lei por parte da polícia, Ministério Público e Judiciário somente para os pobres e desvalidos. No caso dos quilombolas Nativos do Arapuim, num primeiro momento, o peso da lei penal atingiu o latifundiário, mas por pouco tempo.”, explica o advogado se referindo ao pedido de prisão preventiva que recaiu sobre João Fábio Dias, deixando-o foragido por quase oito meses.
Vivem hoje no Acampamento Santa Fé trinta famílias. Antes, há cerca de um ano, elas eram mais de 180, mas o medo dispersou o grupo. A maioria foi paras as cidades mais próximas, Verdelândia, Janaúba e outras. Os outros montaram esse acampamento na margem oposta do rio Arapuim, fora das terras de João Fábio, na tentativa de resistir e pressionar o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) para dar continuidade a perícia antropológica que já havia iniciado. Aparentemente são os jovens que mantém a coragem inabalada. Mesmo os que foram vítimas do ataque dizem que ficam até o final. Gustavo Prates Santos, de 25 anos, tem uma bala alojada perto do pulmão. Ele conta que correu para o mato, mas foi atingido por disparos que eram lançados aos montes na direção dos que fugiam. “Se não houvesse fugido tanta gente, eu acho que eles teriam matado todo mundo. Aí não teria ninguém pra contar a história, né?”. Segundo o relato das vítimas, o grupo era composto por dez homens encapuzados que desceram de dois carros, uma Hilux e uma S10, gritando ser policiais. Mas logo revelaram o seu verdadeiro intuito: “deita aí bando de vagabundo, ladrão de terras!”. Na ação, os pistoleiros se dividiram: sete deles, buscavam os fugitivos no matagal e os outros três, junto com quem acreditam ser João Fábio Dias, torturavam os que não puderam escapar.
De acordo com a Fundação Cultural Palmares não há nenhum ladrão de terras no Acampamento Santa Fé. O quilombo, que se chama Nativos do Arapuim, do qual fazem parte as comunidade Boa Vistinha e Limeira, já foi certificado. E agora está em fase de realização de laudo antropológico. Uma das técnicas responsáveis por este trabalho Camila Moreira, antropóloga do INCRA de Belo Horizonte, ao telefone, conta que “fomos numa quinta a tarde lá [no acampamento], na sexta foram ouvidos tiros e no sábado isso nos foi comunicado. O que os quilombolas dizem é que se trata de uma retaliação. Mas existe uma preocupação do poder público, eles não estão totalmente desprotegidos. Nós já comunicamos a Prefeitura e o Ministério Público sobre essa ocorrência.”. Segundo os quilombolas, os tiros vinham da sede da fazenda de João Fábio, que hoje, com o mandato de prisão suspenso (mas ainda respondendo pelos crimes cometidos) circula livremente, assustando a comunidade. “Muito tiro, viu? Não economizaram bala…”. O desenlace dessa história não pode ser mais pré anunciado. Não seria o caso, Vossa Excelência, de pedir novamente a prisão preventiva de João Fábio Dias? Aguardamos.
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Foto: Ana Mendes