Por Bárbara Reis, em Público
O gesto apanhou todos de surpresa. Sobretudo as redacções de Budapeste, onde Petra Laszlo era conhecida como uma mulher tranquila. Operadora de câmara com 20 anos de experiência na tv estatal da Hungria, Laszlo filmava refugiados quando decidiu dar pontapés a crianças sírias que fugiam da polícia, forçando o caminho para Budapeste. Um jornalista alemão deixou de filmar os refugiados e passou a filmá-la a ela. Em segundos, as imagens tornaram-se virais. Primeiro vemos a jornalista dar um forte pontapé a uma criança. Depois a fazer uma rasteira a este homem de barbas brancas que leva o filho ao colo. Vale a pena olhar para a cara do rapaz. Vai assim, neste estado de medo, e ainda nem foi atirado para o chão. Noutra, Laszlo dá outro pontapé a outro rapaz. Continua sempre a filmar e mantém a máscara na boca, como se receasse apanhar doenças. No mesmo dia, foi despedida. O autor do vídeo-denúncia recebeu centenas de perguntas. A mais comum: quem é esta mulher?
Em Budapeste, sabe-se pouco sobre ela. Apenas que desapareceu e que até hoje não atendeu o telefone a ninguém. Não falou com os colegas, nem com o director, nem com os amigos. A polícia estará a investigá-la. Se for acusada e condenada, corre o risco de uma pena de sete anos de prisão.
Ao olhar para esta fotografia, pensamos que não pode ser simplesmente maldade. Tem de ser mais. Provavelmente maldade ideológica. Sem estar presente, há outro homem nesta imagem: Gábor Vona, de 37 anos, líder do Jobbik, Movimento para uma Hungria Melhor, o partido de extrema-direita húngaro. Laszlo estava há quatro meses a trabalhar para uma pequena web tv de extrema-direita, que dá voz diária ao Jobbik. Um amigo húngaro resumiu assim o perfil desta televisão: “Pode-se dizer que a N1TV é a televisão do Jobbik. Criticam o primeiro-ministro [Viktor] Órban por o considerarem demasiado soft. Imagina.” Não é preciso imaginar. Basta ler aquilo em que eles acreditam. São racistas, nacionalistas, “patriotas radicais” — a expressão é deles —, anti-semitas, anti-ciganos e anti-União Europeia. São hoje o terceiro maior partido da Hungria. Nasceram em 2003.
Três anos depois, Gábor Vona criou a Guarda Húngara para, explicou, reforçar a defesa do país. Com o colapso da esquerda, há quem receie que as eleições de 2018 vão ser disputadas entre Orbán e Vona, Fidesz versus Jobbik. A Frente Nacional francesa de Le Pen acha-os demasiado radicais. O vice-líder da bancada parlamentar defende a criação de listas das “pessoas com ascendência judia que estão na Hungria, especialmente no Parlamento e no governo, uma vez que representam um risco para a segurança nacional”. Gábor Vona foi declarado persona non grata pela Roménia e a sua Guarda Húngara foi banida por um tribunal de Budapeste por violação de direitos humanos das minorias. Este é o universo da jornalista Petra Laszlo. Afinal, não há razão para surpresas.
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Destaque: A operadora de câmara Petra Laszlo segundos antes de pregar uma rasteira a um refugiado que tentava fugir da polícia em Roszke. Foto de Marko Djurica /Reuters