O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) aprovou, por unanimidade, a recomendação para que os órgãos públicos – especialmente o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) – exijam “o cumprimento efetivo e integral de todas as condicionantes do Plano Básico Ambiental (PBA), como requisito para a emissão da Licença de Operação” da usina hidrelétrica de Belo Monte, Estado do Pará. A decisão foi tomada com base no relatório da missão, realizada em junho último, que está sendo divulgado agora.
A Norte Energia S.A., concessionária da usina, solicitou a licença no dia 11 de fevereiro deste ano. O pedido está em tramitação no Ibama e a empresa tem a expectativa de que a licença seja concedida agora neste mês de setembro.
“Se o cumprimento efetivo e integral de todas as condicionantes do Plano Básico Ambiental não for tratado como requisito para a emissão da Licença de Operação, assistiremos a mais violações de direitos na região, à semelhança do que aconteceu em outras barragens, como Santo Antônio e Jirau [Estado de Rondônia]. Um dos principais mecanismos legais que propicia essas violações é dar novo prazo para a empresa fazer aquilo que devia ter feito antes do término da obra, que é transformar esses deveres em novas condicionantes, postergando-os”, afirma Scalabrin.
Segundo Leandro Scalabrin, representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Grupo de Trabalho Atingidos por Barragens, do CNDH, a apresentação da denúncia que resultou na missão a Belo Monte foi uma iniciativa da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil, do conjunto de movimentos sociais da região. Além de vários órgãos públicos, como o Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União, Defensoria Pública do Estado e a Universidade Federal do Pará, para reduzir os impactos e evitar que mais direitos sejam violados pela concessão da licença da barragem.
O conselheiro Darci Frigo, coordenador da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil, destaca os resultados da visita: “a missão do CNDH ouviu uma série de denúncias registradas no seu Relatório e constatou que, efetivamente, há violações direitos humanos dos atingidos direta e indiretamente pelas ações da Norte Energia na construção da UHE de Belo Monte. Sem a reparação dos direitos violados, não há como ser concedia a Licença de Operação”.
Em 29 de junho último, o Instituto Socioambiental (ISA) publicou o “Dossiê Belo Monte – Não há condições para a Licença de Operação”, que afirma, dentre outras coisas, não haver condições suficientes para que o Ibama autorize o início do enchimento dos reservatórios da usina hidrelétrica de Belo Monte, e o desvio definitivo do rio Xingu para que parte da usina comece a operar.
Violações de direitos dos atingidos
Entre os problemas verificados pelo Conselho está a política adotada pela Norte Energia no tratamento com os atingidos, na área urbana de Altamira (Pará), que somam, de acordo com o MAB, mais de 10 mil famílias. No último período, esgotou-se a opção pelo reassentamento e as famílias estão sendo pressionadas a optarem por indenizações irrisórias.
“Eu moro lá há quatro anos e, agora, estão pedindo para eu provar. Estes dias, foram lá é me ofereceram uma mixaria de R$ 20 mil, sendo que, com isto, você não compra mais nada aqui, aí eu não aceitei”, diz Leila Valderez, moradora do Bairro Boa Esperança. Ela ainda comenta sobre as aflições das famílias que estão ficando “por último” na área alagada: “A gente passa por um sofrimento danado porque as pessoas ao lado da gente já saíram, aí estão tirando os postes, estamos sem energia e praticamente sem água porque não tem como puxar água dos poços. Já estão falando que vão tirar a gente de lá com reintegração de posse, sem direito a nada, nossas coisas vão jogar tudo fora e praticamente a gente vai ficar no meio da rua”.
Entre as famílias não reconhecidas pela Norte Energia estão cerca de 300 do bairro Independente II, em Altamira, uma área de lagoa para a qual não se prevê, até o momento, a retirada das famílias. “Foi um engenheiro lá dizer que a água vai subir dois metros e a gente tem que sair até o dia 15 de setembro, mas não diz pra que lugar nem quando”, comenta a moradora Luciana Vieira dos Santos.
O aumento do custo de vida devido à construção da barragem também tem sido um problema para os atingidos, como relata Keilane Souza. Ela pertence a uma das 500 famílias que ocuparam uma casa ainda em construção pelo projeto Minha Casa Minha Vida, no último mês de junho. “Não é fácil morar lá, é sofrido. Se eu tivesse condição, estaria morando em um lugar melhor, lá, tudo é difícil, água, energia, transporte. São famílias com dois, três filhos, que não têm onde morar, que tinham casa e foram tirados. Hoje, tu paga R$ 600, R$ 800 ou não tem casa. Eu vou morar aonde, embaixo da ponte?”, diz Keilane. Problema semelhante é vivido por 2 mil famílias sem moradia do município de Vitória de Xingu que estão acampadas em áreas de ocupações.
Os atingidos também relatam ameaças aos defensores de direitos humanos e a polícia se recusa a registrar Boletim de Ocorrência contra empresas de segurança e policiais que cometem abuso de autoridade. Além disso, conforme destaca a conselheira Maria Dirlene Trindade, da Rede Nacional Feminista de Saúde, integrantes do MAB e outros movimentos sociais estão sendo criminalizados por meio de ações judiciais, para impedir a organização social dos atingidos.
Responsabilidades da UHE Belo Monte
A Fundação Getúlio Vargas, contratada com recursos do empreendimento através do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu, apresentou, em seu relatório anual, disponibilizado no último dia 04 de agosto, os “desafios” que ainda precisam ser enfrentados pela UHE Belo Monte: 1) saneamento básico em Altamira; 2) deslocamento compulsório no meio rural; 3) proteção territorial indígena; 4) engajamento na educação; 5) acesso à saúde; 6) atenção à saúde indígena; 7) controle do desmatamento; 8) capacidade institucional local; 9) acesso à informação, transparência e controle social.
Para o Ministério Público Federal (MPF), além de ser indispensável a efetiva implementação das ações do Plano Básico Ambiental, os impactos não previstos exigem a previsão de novas ações mitigatórias, capazes de tornarem a obra de Belo Monte suportável aos povos indígenas. “O que é preciso dizer ao governo federal é que, se a escolha governamental é usar o rio Xingu para gerar energia, isto tem que ser feito dentro da lei. Uma vez feita a escolha, não é dado ao Estado ou ao empreendedor se colocar acima da lei. Não existe possibilidade de uma licença de operação para Belo Monte sem haver uma readequação do processo”, conclui Thais Santi, procuradora da República em Altamira.
O relatório aprovado pelo CNDH será encaminhado, com suas devidas recomendações, para cada instituição responsável. Dentre os órgãos que receberão as recomendações estão o Ibama (entidade responsável pela concessão da licença de operação), os governos federal, estadual e municipais, de Justiça (Tribunal de Justiça, Defensoria Pública da União, Tribunal Regional Federal), bem como a própria Norte Energia, para que, além da ciência do relatório, inicie um processo de reconhecimento e reparação dos direitos humanos violados.