S., um menino que estuda e trabalha, foi detido por suspeita de roubo sem que seu pai fosse avisado. Família agora tenta provar sua inocência
Paulo Eduardo Dias – Ponte
Um pai desesperado. Um jovem, que todos os dias acorda às 5h30 para trabalhar na distribuidora de alimentos do avô e estuda no período noturno, internado há três semanas na Fundação Casa. Um boletim de ocorrência elaborado de forma supostamente irregular, sem a presença dos responsáveis pelo menor e um celular com nota fiscal que teria sido apreendido pelo delegado e não devolvido. Esses são os ingredientes que moldam uma noite de balada para S. M. D. S., de 17 anos, seguida de uma acusação de roubo à mão armada.
Noite de sábado, 8 de agosto na capital de São Paulo. S. M. D. S., junto com três amigos, deixa a casa noturna Eazy, na avenida Marquês de São Vicente, na Barra Funda, zona oeste, por volta das 22h, após curtir uma matinê. No caminho de volta para casa, percebem uma correria na direção que tomariam e são avisados por outros jovens de que um arrastão ocorria a poucos metros dali. Resolvem então não seguir a pé até a estação de trem da CPTM, mas aguardar em um ponto o ônibus que os levaria para casa, no Jaraguá.
Cerca de 20 minutos após e, ainda aguardando o ônibus, os quatro são abordados por uma viatura do GOE (Grupo de Operações Especiais), espécie de Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) da Polícia Civil. Os agentes revistam os garotos e indagam se estavam armados e se haviam participado do arrastão. Diante de negativa dos jovens, todos menores de idade, são colocados no interior da viatura e conduzidos ao 91° DP (Ceasa).
Enquanto seu pai, o jornalista Sergio Dias, 40 anos, dormia, seu filho estava em poder do Estado, sob a tutela do delegado Thiago Rosseto Carolino. Segundo Sergio, durante mais de seis horas, seu filho ficou detido e a polícia elaborou um boletim de ocorrência sem a presença de um responsável ou defensor, o que pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) é uma transgressão. “Fui avisado apenas 6 horas e meia depois do ocorrido, e meu filho nem foi ouvido na elaboração do boletim”, diz o pai. Em nota à reportagem, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) contesta a versão e diz que “todos os responsáveis receberam ligações assim que a ocorrência começou a ser registrada”. A secretaria ainda afirma que o adolescente foi reconhecido pela vítima.
De acordo com Ariel de Castro Alves, coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos em São Paulo e membro do Condeca (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente), a ação do delegado pode ter ferido o artigo 107 do ECA, que afirma que “na lavratura do auto de apreensão de adolescente é necessária a presença do pai ou responsável”.
Versão oficial
Pelo versão oficial, um grupo de oito jovens, sendo um armado, estaria roubando pertences como bonés e celulares de pessoas que transitavam pela região. De fato, a polícia chegou a deter antes do grupo de S. quatro jovens, sendo um maior de idade. Com o grupo, um revólver foi localizado. Como as vítimas relataram que havia mais quatro pessoas no arrastão, iniciou-se a caçada aos demais suspeitos pela região. Foi quando os policiais localizaram o grupo em que estava S. e seus amigos no ponto de ônibus.
“Passados 20 minutos, você acha que quem roubou ficaria na mesma região, ainda mais no ponto? Já estariam longe há muito tempo”, afirma o pai do rapaz.
Segundo o pai do adolescente, os dois grupos só passaram a se conhecer dentro da carceragem da delegacia e após o envio à unidade da Fundação Casa do Brás, local em que os jovens estão internados há três semanas. O pai, que tem ido a todas visitas possíveis, disse que seu filho tem sido bem tratado tanto pelos outros internos como pelos funcionários da unidade.
Além de ferir o Estatuto da Criança e do Adolescente, pela versão contada pelo pai do jovem, o delegado pode ter cometido outro erro: a apreensão do celular de S. O aparelho não consta no inquérito policial, segundo versão apresentada pela própria SSP.
“Só pode apreender se comprovar que vai precisar de perícia e que existam mensagens no aparelho que possam ser provas do crime. Se não é parte (do processo) e tinha nota, é ilegal”, diz Ariel.
O pai ainda informou que dois pedidos de liberdade provisória, solicitados pelo advogado contratado pela família, foram negados pelo juiz.
A reportagem apurou que o relatório realizado pela Fundação Casa é favorável à não internação de S., sendo positivo em vários fatores socioeducativos.
Questionado sobre a situação do adolescente, o promotor da Vara da Infância e Juventude, Oswaldo Monteiro, disse que o caso terá uma audiência na próxima sexta-feira (4/9), em que estarão presentes as vítimas e testemunhas de defesa, e que em seguida será proferida a sentença pelo juiz; até lá, o garoto terá que conviver longe da família, dos pais, e do trabalho e estudo, algo primordial para quem está prestes a deixar a juventude e completar a maioridade.
Outro lado
A assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça, em nota, informou que o “processo corre em segredo de Justiça, por isso não temos acesso a nenhuma informação”.
Já a Secretaria de Segurança enviou a seguinte nota: “A Polícia Civil informa que o apreendido citado foi reconhecido pelas vítimas como um dos autores do roubo e, por isso, foi encaminhado para a Vara da Infância e da Juventude. O celular não consta como uma das provas do flagrante encaminhado à Justiça. Cabe salientar que os responsáveis por todos os apreendidos receberam ligações assim que a ocorrência começou a ser registrada. Em relação à nota fiscal, ela foi apresentada após o caso ser relatado no dia 13 de agosto (o pai informou à reportagem que entregou a nota na delegacia no dia 11 de agosto) e, por isso, o responsável pelo apreendido deve procurar o Poder Judiciário”.