Nota: abaixo, a carta assinada e enviada por 233 indígenas integrantes do Projeto Ibaorebu. Em seguida, reprodução da reportagem no Boletim Informativo do consórcio, dando a entender que os Munduruku seriam favoráveis à obra. (Tania Pacheco)
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Ao Ministério Público Federal – MPF
À Fundação Nacional do Índio – FUNAI
Nós, cursistas e professores do Projeto Ibaorebu de Formação Integral Munduruku, vimos a público manifestar a nossa indignação e o nosso repúdio em relação à matéria tendenciosa publicada no boletim informativo do consórcio Teles Pires, responsável pelas obras da UHE Teles Pires. Nosso objetivo é denunciar a manipulação promovida pelos empreendedores, com a conivência e a colaboração do Governo Federal, que usam as nossas imagens de maneira indevida; que mentem, ao divulgarem palavras que nunca saíram de nossas bocas; que ignoram o nosso direito à consulta prévia, livre e informada sobre qualquer projeto ou política pública que nos afetem direta ou indiretamente; que não respeitam a nossa cultura, nosso território e os nossos locais sagrados.
Queremos que o Ministério Público Federal e a FUNAI tomem as devidas providências, no sentido de garantir ao Povo Munduruku um direito de resposta sobre as inverdades ditas no Boletim Informativo da Usina Hidrelétrica Teles Pires – Ano III, de Agosto de 2014, Volume 14. Denunciamos a atitude caluniosa e desonesta de atribuir a um de nós a afirmação de que “nada de mal está acontecendo por aqui” e de que o objetivo da ida ao local das obras era dialogar com o empreendedor.
Esclarecemos que no mês de junho de 2014, um grupo composto por professores e cursistas Munduruku do curso de Técnico em Agroecologia do Projeto Ibaorebu realizou uma expedição à região conhecida como Sete Quedas (Karobixexe), um local sagrado para o Povo Munduruku, hoje destruído pelas obras da UHE de Teles Pires. Durante a expedição constatamos que muitos objetos arqueológicos foram removidos durante as obras e transportados para fora de nosso território, sem a nossa autorização. Essa denúncia foi feita em documento entregue ao Ministério Público Federal de Santarém, durante a Assembleia Extraordinária do Povo Munduruku, realizada nos dias 13 e 14 de dezembro de 2014.
Sabemos que existem outros projetos hidrelétricos para a região do Rio Tapajós e seus afluentes, historicamente habitada pelo Povo Munduruku e morada de seres sagrados, que fazem parte da nossa cosmologia e tem para nós forte valor espiritual. Nossa origem e nossa existência atual estão intimamente associadas a esses lugares, onde estão enterrados os nossos antepassados, os nossos objetos sagrados, onde vivemos, de onde tiramos o nosso alimento e onde a nossa força de povo originário se alimenta e se renova a cada dia. Portanto, ressaltamos que jamais aceitaremos que o Governo continue destruindo o que é nosso por direito, nosso território e tudo o que nele habita: reafirmamos que NÃO QUEREMOS HIDRELÉTRICAS EM NOSSOS RIOS.
Acreditamos que não há como separar TERRA e POVO ORIGINÁRIO, por isso continuaremos lutando para proteger o que é nosso e exigimos a imediata paralisação dos projetos de UHE São Luiz do Tapajós, Jamanxim, Jatobá, Chacorão, São Manoel e Rasteira. Assim como exigimos que as instituições públicas responsáveis cumpram com a sua obrigação e promovam a fiscalização e retirada dos invasores do Parque Nacional da Amazônia.
Mais uma vez cobramos da FUNAI e MPF as devidas providências em relação às denúncias feitas nesse documento, considerando os danos morais a que estamos submetidos, as calúnias e difamações, o uso indevido de imagens, o desrespeito aos nossos direitos, especialmente os estabelecidos nos Artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988, a Convenção 169 da OIT e nosso Protocolo de Consulta.
Aldeia Sai-Cinza, 22 de agosto de 2015.
[seguem 233 assinaturas]
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Destaque: Foto de Lunae Parracho, Reuters