A luta do povo Guarani

Foto: Cacique Eunice Antunes

Elaine Tavares* – Adital

Comunidade Guarani em Santa Catarina sob ameaça de violência

Eunice Antunes é a primeira mulher a ocupar um cargo de cacique na comunidade Guarani do Morro dos Cavalos, em Santa Catarina. Miúda, voz baixinha e olhar desconfiado, ela só aparenta mansidão. Por trás dos gestos delicados se esconde a força atávica de um povo que luta e resiste por mais 500 anos para manter viva sua cultura, sua forma de vida, suas crenças. Além de comandar a comunidade ela é professora na escola da aldeia. Sabe muito bem o que quer e o que quer o seu povo. O desejo é simples e claro como a água do rio que haverá de existir na terra sem males: um lugar para plantar, um riacho de onde brote a água pura, um espaço para viver como gostam.

A gente Guarani tem outros valores, diferentes dos que são apregoados pelo mundo branco, capitalista. Ente eles, a existência está visceralmente ligada ao destino da terra. Gente e natureza é uma coisa só. Daí que o plantio, por exemplo, obedece outra lógica. Os Guarani não precisam plantar de forma extensiva, esgotando a vida da terra. Eles semeiam o que precisam para comer, colhem e deixam a terra descansar. Por isso precisam de bastante espaço, para poder praticar essa agricultura que respeita os desejos da terra, dos bichos. “Não plantamos para ter excedente, as pessoas não entendem isso e dizem que a gente não precisa de tanta terra. Somos um povo que caminha, precisamos disso, é nosso jeito. As pessoas deveriam compreender”.

Mas essa é uma coisa bem difícil de acontecer. Ainda mais num mundo onde a terra tem valor comercial. Não é sem razão que a presença dos Guarani no Morro dos Cavalos é sistematicamente questionada. Para os que no passado invadiram as terras indígenas, empurrando-os a ponta de bala para o interior, ou dizimando-os, eles são ninguém, gente que atrapalha o desenvolvimento, obstáculos ao progresso. E, mesmo hoje, ainda há aqueles que procuram não compreender a cultura originária para assim melhor combatê-la.

Apertadas em apenas quatro hectares, as 28 famílias guarani que vivem no Morro dos Cavalos, num total de 200 pessoas, há muito esperam pela liberação de suas terras, cerca de 1.997 hectares, já demarcadas desde 2008. Mas, por conta de no território viverem mais de 60 famílias de “juruás” (brancos), o processo de remoção vem se arrastando. Algumas dessas famílias compraram as terras de outros proprietários que, por sua vez, também compraram dos que invadiram. Então, a questão não é fácil. Ocorre que o Incra só pode indenizar as benfeitorias, a terra não. Porque, afinal, aquelas terras sempre foram legalmente da União. Agora, a luta das famílias que têm títulos de propriedades tem de ser travada com o estado de Santa Catarina.

Os Guarani tem clareza sobre a situação dessas famílias e apoia sua luta. Mas, por outro lado, precisam das terras, que são originalmente deles, para poder viver com dignidade. Ocorre que um determinado proprietário, que vive inclusive fora da área demarcada, insiste em fomentar o ódio das famílias removidas contra os Guarani. Em 2007, a revista Veja, insuflada por esse indivíduo, fez uma longa reportagem na aldeia onde acusava a maioria dos moradores de serem “paraguaios”, coisa típica das mentiras mirabolantes da revista semanal. O objetivo era barrar a demarcação que estava por sair, acusando os Guarani de serem estrangeiros. Nada mais estúpido. Felizmente a tentativa não vingou e a terra foi demarcada no ano seguinte.

Agora, em 2012, saiu o decreto que obriga as famílias que vivem dentro da terra guarani a sair do lugar. E, por conta disso, os conflitos voltaram. Nas últimas semanas, a aldeia teve as mangueiras que carregam a água do rio para as casas cortadas. As aulas tiveram de ser suspensas. A casa da cacique está sendo vigiada e circulam ameaças de morte. Há muita tensão na comunidade. A violência contra os indígenas não é coisa de hoje e o medo é uma constante. Os Guarani acabam vivendo todas essas torturas psicológicas e reais sempre em solidão. A imprensa não diz nada e quando fala no tema é para reforçar o racismo e a ideia de que o índio só atrapalha. As famílias invasoras são apresentadas como vítimas – e algumas até são – e os indígenas são sempre os culpados do conflito. Ninguém levanta a história, mostrando que aquele território sempre foi ocupado pelo povo guarani, muito antes de aqui pisar um português.

Assim, os verdadeiros donos da terra vão tentando sobreviver. Vez ou outra encontram espaço para se expressar. Mas, eles são valentes e não se entregam. Sabem que essa fase da desintrusão do território será dura e cheia de violência. Estão preparados. O que querem, por agora, é dividir o drama que vivem. Tem sido uma batalha árdua garantir aqueles poucos hectares, e o propósito é ir até o final. Estão dispostos a apoiar a luta das famílias que tem direitos sobre a terra -que a compraram na boa fé- mas esse é um problema que o estado tem de resolver. Não foram os Guarani os que o criaram. Apesar disso, são sempre eles os que pagam o alto preço da inoperância estatal.

*Jornalista do Instituto de Estudos Latino-americanos.

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=73894

Comments (1)

  1. Pois é bonitinho quando você diz jurúas meu tio tem 96 anos nasceu em 1917 e ainda vive nasceu aqui e diz que os índios que estão la no morro dos cavalos chegaram aqui em 1976 como você explica a historia dessas pessoas não conta não é mesmo,engraçado.olhe a reportagem e não temos pedimos para o reporter fazer.“A Funai tenta demarcar área de Santa Catarina para
    índios paraguaios, enquanto os do Brasil morrem de fome”- Matéria de
    José Edward, da Serra do Tabuleiro(SC)- Revista Veja 2007.

    No período do descobrimento, o litoral de Santa Catarina era habitado por índios carijós, subgrupo do povo guarani. Escravizada pelos colonizadores portugueses, a etnia foi considerada extinta em meados do século XVII, segundo os registros dos historiadores. Essa versão não foi contestada até 1993, quando a Fundação Nacional do Índio (Funai) adotou a tese – controvertida – de que ainda havia remanescentes dos carijós. A fundação se baseou num estudo publicado dois anos antes pela antropóloga Maria Inês Ladeira. Ela defende que alguns dos carijós teriam se refugiado no Paraguai, onde seriam chamados de embiás. Depois que o trabalho foi divulgado, dezenas de embiás paraguaios (e alguns argentinos) sentiram-se legitimados para invadir o parque ecológico da Serra do Tabuleiro, nas imediações de Florianópolis. Os índios se instalaram no Morro dos Cavalos, um dos pontos mais acidentados da região. Invasão consumada, a Funai planeja transformar o local em reserva indígena. Para brasileiro pagar e paraguaio e argentino usufruir.
    Muito escarpada, a região é considerada imprestável tanto para a agricultura quanto para moradia. Mas ganhou valor econômico porque o Morro dos Cavalos fica à margem da Rodovia BR-101, que atravessa a maior parte do litoral brasileiro e está sendo duplicada. A pista adicional cortará a área que a Funai quer converter em reserva para os embiás. Com base nisso, a fundação determinou que o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) construa túneis sob o Morro dos Cavalos para não incomodar os hermanos invasores. A obra foi orçada em 150 milhões de reais. Mais: por exigência da Funai, o Dnit terá de pagar uma indenização aos embiás. Ou seja, os paraguaios (e alguns argentinos) serão compensados já por uma reserva que ainda não foi criada. Como o território que a Funai pretende demarcar está dentro de um parque ecológico estadual, o processo acabou na Justiça. O Ministério Público catarinense tenta impugnar a demarcação. Na opinião de seus integrantes, Maria Inês Ladeira produziu uma fraude e a Funai embarcou nela. “Os carijós tinham características físicas e culturais distintas das dos embiás e estão extintos”, afirma o promotor José Eduardo Cardoso.
    Segundo Cardoso, a antropóloga baseou a tese no depoimento de uma única família de paraguaios que chegou a Santa Catarina nos anos 60. Em um trecho do trabalho, ela chega a sugerir que alguns carijós teriam permanecido escondidos no Morro dos Cavalos desde o século XVII. Diz Manoel João de Souza, morador da região: “Acho que eles eram invisíveis. Estou aqui há 87 anos e só vi o primeiro índio nos anos 90”.

    fonte: http://www.iranpalhoca.blogspot.com.br/

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