Nota Pública de Repúdio e Solidariedade: Caso Quilombo Rio dos Macacos

As entidades integrantes da iniciativa Tribunal Populares do Judiciário, que esta subscrevem, vêm a público, ante as constantes e sistemáticas violações de direitos humanos sofridas pela Comunidade de Remanescente de Quilombo Rio dos Macacos, situação apresentada na plenária de formação do TPJ/Região Metropolitana de Salvador, no último dia 28 e constatada in loco no dia 29 de outubro, manifestar-se nos seguintes termos:

1 – A Comunidade de Rio dos Macacos, localizada no município de Simões Filho/Ba, registrada no Livro de Cadastro Geral nº 013, Registro nº 1.536, de 26/11/2007, da Fundação Cultural Palmares, como remanescente de quilombo, está sofrendo violências graves, sérias e variadas em seus direito de existência, agressões perpetradas por membros da Marinha do Brasil, com ocorrências registradas em vários órgãos dos poderes da federação, sem nenhuma providência legal ter sido tomada no sentido de impedir tais ocorrências;

2 – na posse ininterrupta da referida a área não apenas cinco anos, mas no mínimo dois séculos, uma vez que a moradora mais antiga, ainda viva, afirma ter 110 anos de idade, nascida e criada no local, a comunidade remanescente, cujos antepassados foram escravizados com a autorização e ação do Estado e de seus agentes, teve o seu direito violado na posse legitima quando a área foi desapropriada para a Marinha do Brasil, em 1960, quando a posse já estava mais do que consolidada;

3 – Se antes eram tratados de forma desumana, agora são vistos e perseguidos pelo atual Estado Democrático de Direito como invasores, réus, desordeiros, obstáculos e ameaças as áreas vitais da manutenção da autonomia do complexo Naval Aratu, conforme petição trecho da petição feita pela União, juntada aos autos processuais;

4 – não se tratam somente de palavras, mas de práticas perpetradas pelos agentes da União no cotidiano da comunidade. São mais de 80 famílias ameaçadas constantemente, com quantidades significativa de idosos, doentes, crianças e adolescentes traumatizados por conta das inúmeras intimidações e agressões que se sucedem, tudo com a conivência, omissão ou complacência dos poderes públicos;

5 – membros da comunidade não podem transitar e ter acesso livre a área da comunidade, sem antes serem fiscalizados, humilhados e agredidos física e moralmente, tratados que são pelos integrantes da Marinha do Brasil como “bandidos”;

6 – Além de impedidos no direito de ir e vir, são impedidos também no seu direito constitucional de trabalhar, pois não podem fazer suas roças, cuidar de suas plantações, criar pequenos animais ou realizar atividade de pesca, maneira tradicional de onde retiravam os alimentos necessários à sobrevivência do grupo;

7 – além desses graves fatos, não podem fazer melhorias em suas residências, ter acesso a serviço de saneamento básico, afazeres domésticos, como lavar roupa no rio dos Macacos, são alguns dos inúmeros relatos registrados das agressões já sofridas pela comunidade;

8 – mas não param por aí, pois existem relatos e registros de prisões ilegais, casos de tortura, ameaças, intimidações, pessoas da comunidade que tiveram revólveres apontados para suas cabeças, inclusive crianças e idosos; revistas feitas constantemente, em que moradores têm que ficar despidos de suas vestimentas, com o único e deliberado propósito de impor humilhação à dignidade e à identidade dos membros da comunidade;

9 – crianças e adolescentes violados no direito à educação, idosos que não podem receber tratamento médico adequado, pois tais serviços não podem ser acessados pela comunidade, além do que, pelo fato de serem cadastrados ilegalmente pela Marinha do Brasil como “invasores”, suas residências não são reconhecidas como tendo domicílio, motivo pelo qual não podem requerer ou receber serviços públicos do município, o que os faz solicitar endereço residencial de pessoas fora da comunidade para serem reconhecidos no seu direito de cidadania;

10 – por conta desses fatos, várias famílias já se retiraram do lugar, além de outras tantas terem sido expulsas pela Marinha do Brasil ao arrepio da lei, fazendo com que a comunidade sofra violação no seu direito de existir, reproduzir-se e ser reconhecida como tal, agredindo o direito legal à unidade e convivência comunitária e familiar;

11 – mais grave do que tudo isso não são as inúmeras agressões e omissões, mas o desfecho de tudo isso, em que a Justiça Federal de 1ª Instância – Seção Judiciária da Bahia, deferiu a tutela antecipada pedida pela União, da lavra do Juiz Federal da 10ª Vara, Evandro Reimão dos Reis, determinando “aos réus” a desocupação das áreas, no prazo de 120 dias, sob pena de retirada compulsória, fato que irá se verificar, conforme previsão, agora dia 04 de novembro;

12 – só pelo fato de tomarem ciência de tal ato, três membros do grupo faleceram e outros tantos da área se retiraram, pelo medo fundado de serem cruelmente violentados, uma vez que desde a expedição da referida decisão, integrantes da Marinha do Brasil aumentaram o seu poder de ameaça e humilhação, inclusive com constantes invasões domiciliares;

13 – sem sequer atentar aos princípios da dignidade humana, da convivência familiar e comunitária, da questão social evidenciada nos autos, o que lhe restaria fazer cautelarmente uma inspeção no local, de uma só canetada o membro do poder judiciário acima mencionado irá consolidar um processo de destruição de uma comunidade inteira, retirando seus membros do lugar onde não só produzem minimamente os seus alimentos, mas principalmente onde se constrói a identidade étnica do grupo;

14 – por conta de todos esses fatos acima expostos não temos dúvida nenhuma em afirmar que se trata da prática mais odiosa, desumana e de lesa-humanidade de crime de genocídio, previsto na Lei 2.889/56, cuja responsabilidade plena recaia única e exclusivamente sobre o Estado Brasileiro e seus integrantes, através de ações ou omissões verificadas, motivo pelo qual o Estado Brasileiro, caso não reveja esse posição, será certamente por nós denunciado nas Cortes Internacionais por tal comportamento;

15 – Diante dos fatos, relatos e provas documentais, os movimentos, organizações e pastorais componentes do Tribunal Popular do Judiciário assim se posicionam:

a) Repudiar veementemente todas essas agressões praticadas contra a Comunidade de Remanescentes de Quilombo Rio dos Macacos, atribuídas a membros da Marinha do Brasil; b) Repudiar veementemente a decisão do juiz federal Evandro Reimão dos Reis, pois atentatória aos princípios da dignidade humana, da justiça social, do direito à convivência familiar e comunitária, aos tratados de Direitos Humanos, assinados e ratificados pelo Brasil; c) Requerer a imediata suspensão, pelos órgãos competentes do Estado Brasileiro, da decisão acima expedida, pois injusta e desrespeitosa do direito já consolidado da comunidade ao seu território, o que poderá provocar grande clamor público contra os poderes do Estado; d) Requerer ao Ministério Público Federal a intervenção no processo em andamento, sua agilidade no cumprimento das funções elencadas na Constituição Federal a esse respeito, apurando as condutas praticadas pelos membros da Marinha do Brasil e processando-os na forma da lei, além da promoção de ação própria contra a União, não somente pelo reconhecimento legal do território, bem como indenizações por tanto desrespeito praticado por seus agentes públicos; e) Requerer a Corregedoria Nacional de Justiça abertura de procedimento para apurar a conduta do magistrado referido, em não ter observado o mínimo de cautela na expedição da decisão, uma vez que não se tratam de invasores, mas de uma comunidade quilombola devidamente registrada, com idosos, pessoas doentes, crianças e adolescentes, vulneráveis e atingidos em suas dignidades, fato do seu inteiro conhecimento. f) Manifestar, por fim, o seu mais forte sentimento de solidariedade para com a Comunidade Remanescente de Quilombo Rio dos Macacos, sua luta e resistência, pelo direito que tem e do qual não deve abrir mão, fato que será levado a opinião pública nacional e internacional.

Salvador, dia 29 de outubro de 2.011

Tribunal Popular do Judiciário/Bahia

http://www.politicaspublicasbahia.org.br/spip.php?article786

Comments (1)

  1. O Fórum Intergovernamental de Políticas de Promoção da Igualdade Racial FIPIR-MA, solidaariza-se com a população quilombola e estamos atentos à todas as manobras jurídicas que tentam todo custo afrontar a Constituição Federal de 1988.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.