‘O capitalismo tem uma capacidade fabulosa de ressurreição e regeneração’. Entrevista com Zygmunt Bauman

Sociólogo polonês diz que sistema avança graças a ‘destruição criativa’

BAUMAN: "REGENERAÇÃOcomum aos parasitas do mundo animal"

Fernando Duarte

Considerado um dos pensadores que mais produz obras que refletem os tempos contemporâneos, Zygmunt Bauman não menospreza o “adversário”.

Em entrevista ao GLOBO, por e-mail, o professor emérito da Universidade de Leeds, no Reino Unido, vê nos’ sinais de exaustão do capitalismo não o fim, mas um novo começo para um sistema que elogia pelo que classifica como “uma capacidade fabulosa de ressurreição e regeneração, ainda que algo bastante comum aos parasitas do mundo animal”.

Apesar das críticas contundentes, os rumores sobre a morte do capitalismo são exagerados, afirma. Para o sociólogo polonês, de 86 anos, o capitalismo avança incessantemente graças a uma espécie de “destruição criativa”. Confira a entrevista.

O GLOBO: O capitalismo já teve sua morte anunciada algumas vezes. Agora é diferente?

ZVGMUNT BAUMAN: Os rumores sobre a morte do capitalismo são exagerados. O capitalismo tem uma capacidade fabulosa de ressurreição e regeneração, ainda que algo bastante comum aos parasitas do mundo animal – organismos que se alimentam de outro organismo, até a quase completa exaustão de seu hospedeiro, quando o parasita encontra outra criatura da qual se alimentar, deixando para trás uma trilha de destruição.

O GLOBO: Uma metáfora da expansão do sistema através da História recente?

BAUMAN: A história do capitalismo é marcada pelas sepulturas das economias pré-capítalistas, encolhidas pelo impacto dos avanços imperialistas dos últimos séculos. Acada visita, os hospedeiros eram transformados em campos de exploração e logo considerados saturados por não oferecerem lucros tão atraentes como antes.

O GLOBO: Mas esse ponto de vista não faz pressupor um limite de hospedeiros?

BAUMAN: O capitalismo já atingiu uma dimensão global, mas não acredito que as previsões de que chegou perto da exaustão estão corretas. Nos últimos 50 anos, o capitalismo, de forma surpreendente, aprendeu a arte de produzir hospedeiros, em vez de se limitar aos existentes. Isso se tomou possível no momento em que a sociedade de produtores se transformou numa sociedade de consumidores, em que o encontro entre capital e trabalho deu lugar ao encontro entre mercadoria e cliente como principal fonte de criação de valor, lucro e acumulação

O GLOBO: Uma criação de demanda?

BAUMAN: Sim, a “comodificação” de todos os setores da vida, com mediação do mercado na satisfação de necessidades e a transformação de desejos em necessidades como força-motriz para a economia capitalista.

O GLOBO: Essa ótica não contradiz o momento atual de crise?

BAUMAN: Essa crise deriva da exaustão da criação bem-sucedida de “terras virgens”. Da falta de sucesso em convencer milhões de pessoas a adotar uma cultura do cartão de crédito, que hesitam em gastar dinheiro ainda não recebido ou viver de empréstimos e juros. Essa via está fechada e os políticos precisam arrumar a casa, seriamente bagunçada pelos banqueiros. O problema saiu da esfera econômica e entrou na política.

O GLOBO: É possível imaginar a nova face do sistema?

BAUMAN: O  capitalismo avança com o que se pode chamar de destruição criativa. O resultado é uma forma nova e melhorada, mas não sem a destruição da capacidade de autossustentação e da dignidade de seus hospedeiros. De alguma forma, cada um de nós é seduzido. Um dos trunfos cruciais do capitalismo é o fato de que a imaginação dos economistas, incluindo os que criticam o sistema, é muito menor que a criatividade, arbitrariedade e rudez com que o capitalismo avança.

 

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