Entre o Sal e o barro: Moradores do Norte do estado e do Jequitinhonha bebem água de minas salobras ou das chuvas

Alessandra Mello, Luiz Ribeiro e Juliana Cipriani

“Eu não conto felicidade, não. Moro aqui desde que nasci e sempre foi uma vida difícil, mas de uns tempos para cá piorou demais. Não tem água mais para nada, a gente tem de usar esse barro aí”, lamenta Maria Aparecida Nunes Silva, 37 anos, moradora da comunidade de Lagoa do Boi Morto, na zona rural de Araçuaí. A água que abastece a casa da família, onde moram ao todo 10 pessoas – entre elas Davi Luiz Silva, de apenas 10 meses – é captada de uma cacimba (cova aberta para juntar água da chuva) feita pelos moradores. Essa água é usada para o consumo diário ou do Córrego Narciso.

Por ironia, Boi Morto fica a cerca de dois quilômetros da barragem do Calhauzinho, que tem água bem melhor. Relatório feito pelo Laboratório de Saúde Pública/Água da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais da água usada em Boi Morto indica que ela é imprópria para o consumo humano. O laudo é assinado pela coordenadora do laboratório, Sérgia Maria Starling Magalhães, e foi realizado a pedido da Comissão de Participação Legislativa da Assembleia Legislativa, que visitou a comunidade em companhia de técnicos da Copasa. Já houve uma tentativa de levar água da barragem para a localidade, mas ela fracassou pois precisava de “homens para cavar a vala”, conta Maria. É que na comunidade a maioria dos homens passa 10 dos 12 meses do ano em São Paulo, no corte de cana e colheita de café.

A abertura de poços tubulares é uma alternativa para o abastecimento de comunidades rurais. O problema é que em muitos lugares a água captada no subsolo tem qualidade ruim – é salobra. Mesmo assim, é distribuída sem receber nenhum tipo de tratamento. É o caso de Coqueirinho, onde vivem 10 famílias, na zona rural de Francisco Sá. A localidade do Norte de Minas, de 23,4 mil habitantes, fica a 469 quilômetros de Belo Horizonte. “A água que vem do poço tubular é muito salgada”, conta o vaqueiro Paulo César Santos Oliveira, pai de sete filhos. A água de beber da família é, na maior parte do ano, fornecida por um caminhão-pipa que o Exército cedeu para o município. Mas, como ele parou de rodar por falta de recursos, os tambores que ficam na porta da casa estão secos e empoeirados. “O jeito está tomar água salgada do poço mesmo”, diz Paulo César. A mulher dele, Maria Lucimar Oliveira, carrega nos braços o filho mais novo do casal, Júlio César, de apenas 1 mês e 10 dias.

Sem espuma

Já  em algumas localidades a água é tão salgada que é impossível bebê-la. É o caso da Lajinha, povoado de 20 família, distante 40 quilômetros da sede de Araçuaí. Lá, o sabão não espuma e a mão das mulheres fica branca e cortada. A água vem de um minadouro que brota do que restou do ribeirão que tem o mesmo nome do lugarejo. Mãe de cinco filhos, a dona de casa Luzia Dias Barbosa, 38 anos, uma das moradoras do povoado, ainda agradece ao “minador”, pois sem ele a família não teria água nem para tomar banho. O sal da água, segundo ela, endurece o cabelo e a roupa de cama, mas mesmo assim é usada. “Só não usamos mesmo para beber, aí tem de ser água da chuva ou da prefeitura”. Luzia conta que tem de ir pelo menos cinco vezes ao “minador” apanhar a água para a família. “Tenho até vergonha de falar, mas banho aqui a gente nem toma direito. Tem dia que a gente só lava o pé. Roupa de cama a gente não lava mais, pois gasta muita água e até mesmo a do minador acaba se todo mundo pegar.”

Fervura, cloro e bomba

Em Alfredo Graça, a 15 quilômetros de Araçuaí, moram cerca de 200 famílias. Nenhuma tem água tratada. A comunidade é abastecida diretamente do Rio Gravatá, que recebe também o esgoto de sete povoados ao longo do seu curso e de outros municípios da região. A água chega in natura à  casa das famílias. Quem tem mais recursos e informação a ferve antes de beber e também coloca cloro e outros produtos para clareá-la e reduzir as impurezas. O sistema de distribuição da água captada no rio é mantido pela própria população.

A presidente da Associação dos Moradores de Alfredo Graça, Gislene Guedes Medeiros, conta que desde 2005 os moradores assumiram o pagamento de um funcionário para dar manutenção na bomba usada para captar a água. No entanto, a bomba não consegue captar água suficiente para atender a demanda e costuma estragar. Além disso, o responsável não é um técnico especializado, e sim um morador. Quem não tem uma bomba aluga de quem tem. Encher uma caixa de 500 litros custa R$ 5. Se a pessoa morar longe, precisa de metros e metros de mangueira. O equipamento é ligado em uma extensão elétrica puxada até a beira do rio. A mangueira da bomba tem de ser mergulhada na água para ser puxada pela bomba que, por sua vez, é conectada à mangueira ou cano que leva a água até a caixa.

Uma das locatárias do equipamento é a dona de casa Sumaia Lemes Coelho, 31 anos, mãe de uma menina de 10. Seu pai, Joventino João Coelho, 79 anos, conta que ninguém na sua casa bebe água sem fervê-la e que quando a água chega à caixa ele sobe no telhado e coloca sulfato de alumínio por orientação de um técnico da prefeitura. “Não descuido de jeito nenhum. Sou pobre, mas gosto da coisa asseada.” O sonho de seu Joventino é se mudar de Alfredo Graça para a localidade de Pedra D’água , em Itaipé, também no Jequitinhonha. É que lá, diz seu Joventino, tem “água limpinha” . Esse também é o desejo da professora Gislene. “Os filhos do Vale sofrem muito. O nosso sonho aqui é pequeno. Sonhamos com água. Água potável?”.

http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2011/08/12/interna_gerais,244773/moradores-do-norte-do-estado-e-do-jequitinhonha-bebem-agua-de-minas-salobras-ou-das-chuvas.shtml

 

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