Complexo hidrelétrico Teles Pires: seis usinas e um rio

Mapa Rio les pires
Mapa Rio les pires

O projeto Teles Pires, na verdade, é um grande complexo hidrelétrico. Se for concretizado, poderá se transformar, em menos de cinquenta anos, num fóssil jovem em meio a um deserto induzido no coração da Amazônia.

O rio Teles Pires está nos planos governamentais desde os anos 1980 quando foi feito o inventário da bacia hidrográfica. Do projeto inicial que permaneceu esquecido até 2001, já constavam os seis aproveitamentos hidrelétricos. Em 2005 um consórcio formado pelas estatais Eletrobrás, Furnas e Eletronorte resolveu desengavetá-lo e manter os planos para as seis hidrelétricas, das quais cinco seriam no rio Teles Pires e uma na foz do rio Apiacás, um de seus afluentes.

Apesar da proposta de se construir cinco usinas no rio Teles Pires – São Manoel (747 MW), Teles Pires (1820 MW), Colíder (342 MW), Sinop (461 MW), Magessi (53 MW) – Foz do Apiacás no rio Apiacás (275 MW), não foram realizados estudos dos impactos sinérgicos na região. Um Estudo de Impacto Ambiental e Respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da hidrelétrica Teles Pires foi aceito, no mês passado (outubro, 2010) pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama). As audiências públicas foram marcadas e já são objeto de questionamento por parte do Ministério Público.

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) tem como prática, nos processos de licenciamento de hidrelétricas na Amazônia, muita pressa em obter as licenças ambientais. Até dezembro a usina Teles Pires deverá ser leiloada, conforme proclamam os arautos do setor elétrico. A Licença Prévia (LP) do Ibama, se for concedida, vai satisfazer mais uma praxe inventada no bojo do Novo Modelo Institucional de Energia (Lei nº 10 847/10848 de 2004) construído por Dilma Rousseff e Furnas a partir de 2003 quando ela assumiu o Ministério de Minas e Energia (MME).

Na análise do EIA da usina de Teles Pires é possível ter uma idéia do tamanho do problema que afetará duramente a região situada no trecho onde começa uma seqüência de cachoeiras chamadas Sete Quedas, no baixo curso do rio Teles Pires. Geograficamente essa usina seria construida exatamente na divisa entre dois grandes municípios em dois estados: Jacareacanga, no Pará e Paranaíta, no Mato Grosso.

O reservatório está planejado para alagar 70 quilômentros ao longo do rio Teles Pires. A primeira metade, a montante (rio acima) da barragem, ocuparia um trecho mais estreito do rio engolindo suas vertentes, transpondo um declive acentuado e lindamente encachoeirado. Na outra metade, o leito é espraiado, pontilhado de muitas ilhas e bancos de areia. Se o projeto fosse viabilizado toda essa riqueza natural ficaria submersa.

A usina de Teles Pires, no entanto, não chegaria aos 50 anos de vida útil, se for levado em conta o agravamento das características hidrológicas da região. As mudanças climáticas, os períodos cada vez mais intensos de regimes de cheias e vazantes, o aumento do aporte de sedimentos devido à ocupação a montante (rio acima em direção às nascentes), poderiam reduzir ainda mais o tempo de geração comercial da usina. Esse projeto anacrônico, se concretizado, poderá se transformar, em menos de cinquenta anos, num fóssil jovem em meio a um deserto induzido no coração da Amazônia.

No projeto de barramento do rio Teles Pires está prevista a construção de três eclusas que, segundo os estudos ambientais, viabilizaria uma hidrovia no trecho que vai do município de Sinop até a foz do Teles Pires no rio Tapajós. Então, os obstáculos naturais formados no trecho encachoeirado das Sete Quedas, imediatamente a jusante da barragem da usina de Teles Pires, teriam que ser removidos, coisa que não está explicada no EIA.

A única forma possível de viabilizar a navegação no trecho encaichoeirado das Sete Quedas seria, é óbvio, criar outra usina com um reservatório para deixar submersos e transpor os obstáculos, que alcançaria a barragem de Teles Pires e justificaria a construção das três eclusas planejadas. Esse projeto está, sutilmente, sendo licenciado pelo Ibama, mas sem nenhum alarde: é a hidrelétrica São Manoel, cuja barragem ficaria cerca de 40 quilômetros a jusante (rio abaixo) da barragem da UHE Teles Pires.

O plano de concretizar o corredor de transportes representado pelo projeto da Hidrovia Tapajós-Teles Pires teria o objetivo de escoar os grãos produzidos na região norte do estado de Mato Grosso. Antes, porém, seria preciso tornar navegável o trecho encachoeirado do rio Teles Pires até a foz do rio Apiacás, destruindo as ilhas e as Sete Quedas.

Mas esses planos não param por aí. Na mesma região onde está planejada a hidrelétrica São Manoel no limite da foz do rio Apiacás no Teles Pires, outra usina, a de Foz do Apiacás, também está sendo licenciada. O mais surpreendente é que foi elaborado um único estudo do componente indígena para as duas usinas ? São Manoel e Foz do Apiacás – com a justificativa de que elas estariam praticamente juntas! Essa informação está explícita nos estudos do processo de licenciamento da hidrelétrica São Manoel, que tramita simultaneamente aos outros. Para os desenvolvedores dos estudos permanece a certeza de que usinas em sequência ? duas no rio Teles Pires e outra na foz do rio dos Apiacás – na mesma bacia hidrográfica não merecem estudos separados do componente indígena. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) se manifestou quanto a essa arbitrariedade?

As hidrelétricas São Manoel e Foz do Apiacás estão imediatamente a jusante, exatamente no limite da divisa da Terra Indígena (TI) Kayabi, que foi considerada nos estudos como Área de Influência Indireta (AII). As empresas que elaboraram o EIA ? Leme Engenharia da Tractebel/GDF Suez e Concremat  de Teles Pires tomaram a iniciativa de considerar que os impactos decorrentes da construção dessas usinas, além de não afetarem diretamente a TI Kayabi, também não atingiriam duas Unidades de Conservação – a Reserva Estadual de pesca Esportiva, no Pará e o Parque Estadual do Cristalino, em Mato Grosso.

Além da TI Kayabi, a TI Munduruku, mais a jusante, também seria afetada pelas usinas Teles Pires, São Manoel e Foz do Apiacás, assim como 16 importantes sítios arqueológicos. Os municípios de Jacareacanga (PA), Paranaíta (MT) e Alta Floresta (MT) foram considerados como Área de Influência Indireta (AII).

Outro dado importante se refere à logística pensada para transporte de veículos, materiais, trabalhadores e equipamentos para esse lugar remoto da Amazônia, entre os estados do Pará e Mato Grosso. Teriam que ser percorridos cerca de mil e cem quilômetros desde Cuiabá, dos quais mais 600 através da BR 163, e o resto por vias sem qualquer possibilidade de acesso razoável.

Uma das informações dos estudos ambientais que causa um verdadeiro horror é que 40 mil pessoas migrariam para a região no pico das obras, apenas da usina Teles Pires. Esse contingente representaria outra hecatombe, pois o município de Alta Floresta (MT) tem 37 mil habitantes e o baixo curso do Teles Pires tem 180 mil habitantes.

No município de Jacareacanga (PA), 59% são terras indígenas. A área rural que seria afetada pela usina de Teles Pires tem 66 mil quilômetros quadrados, 20 mil habitantes, é de difícil acesso, com vegetação nativa e é ocupada por terras indígenas. O sistema de transmissão da energia desse complexo hidrelétrico está previsto para ter cerca de mil quilômetros e um corredor de 20 quilômetros de largura.

As empresas que elaboraram os estudos ambientais das hidrelétricas Teles Pires e São Manoel, consideraram também que a proximidade entre elas (distância entre eixos de aproximadamente 40 km) permitiria o mesmo diagnóstico para o meio socioeconômico, com os mesmos elementos. A EPE já está distribuindo na região o RIMA de Teles Pires e o Estudo do Componente Indígena das hidrelétricas São Manoel e Foz do Apiacás para marcar as audiências públicas. Isso quer dizer que a EPE e o Ibama podem estar trabalhando com a estratégia de realizar audiências públicas para os três aproveitamentos; mas o EIA/RIMA aceito pelo Ibama, até agora, diz respeito apenas à hidrelétrica Teles Pires e não às outras duas.

A Área de Abrangência Regional (AAR) objeto dos estudos da usina Teles Pires compreende 33 municípios no estado de Mato Grosso com um conjunto de estabelecimentos rurais e área de assentamento e dois dos maiores municípios do estado do Pará. Para o Governo Federal, a construção de todo esse aparato hidrelétrico é necessária para atender o aumento do consumo de energia na região Norte devido à instalação de novas indústrias eletrointensivas ligadas à mineração. Esse consumo, segundo dados do EIA do projeto Teles Pires, teria crescido de 6,3% para 8,6%.

Está previsto para os próximos 25 anos, segundo o Plano Nacional de Energia (PNE) 2030, o incremento de mais 88 mil MW de geração com hidrelétricas e de apenas quatro mil MW em geração eólica. Essa previsão tem como base apenas dados de crescimento de consumo e do déficit previsto para o Sudeste/Nordeste/ Centro-Oeste, Mato Grosso e Sul do Pará. Aí cabe perguntar sobre quais os critérios que subsidiaram o planejamento da Oferta Interna de Energia.

Já passou da hora de começar a discutir claramente o destino de toda essa energia planejada para os próximos 25 anos; de reivindicar incentivos para o desenvolvimento em escala econômica viável, de fontes realmente renováveis e limpas, como a eólica e a solar; de exigir programas de eficiência energética como rotina e acabar com as perdas nos sistemas de transmissão e distribuição.

O EIA/RIMA da hidrelétrica Teles Pires foi aceito pelo Ibama e audiências públicas são apenas mais uma praxe para legitimar todo o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos na Amazônia. Na verdade, se pretende mesmo é ?enfiar goela abaixo? da sociedade três novas hidrelétricas na Amazônia.

As comunidades da região, os povos indígenas, mesmo sem serem ouvidos, já estão sendo afetados apenas com o anúncio da possibilidade da construção dos projetos. A migração já está começando. Ao longo do reservatório de 70 quilômetros da hidrelétrica Teles Pires, estão situados grandes latifúndios voltados para a pecuária e plantação de grãos em plena Amazônia Legal. Há alguma relação entre esses grandes proprietários de terras e o projeto? E a questão das reservas de ouro? Atualmente estão em curso 37 processos minerários de ouro na Área Diretamente Afetada (ADA) pela usinaTeles Pires e três processos minerários para zinco, requeridos pela Votorantim, todos de 2009 ? seria coincidência?

http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2010/11/480299.shtml

Comments (4)

  1. Quem é contra hidrelétrica, sinceramente não avalia todos os prós e contras, nunca usou lamparina e nunca tomou banho dom balde.
    Há algum desconforto no inicio, mas os beneficios são tão grandes,
    que se colocados de forma justa e honesta, até os indígenas as veriam com melhor olhar. Só tenho uma crítica e é para todas.
    – quase total ausência de laboratórios para produção de alevinos, hoje uma técnica totalmente dominada e que encheriam os lagos de peixes. Tenho experiência na área, por isso minha crítica. Mas um dia chegaremos lá tembé nesse quesito. UHE é melhoria de vida para todos, continuem a fazê-los. Mas por favor não esqueçam da produção de alevinos mundialmente usada.

  2. Primeiramente quero agradecer pela publicação de meu comentário. Outro site se recusou a fazê-lo, apesar de se dizer Plural. Como já afirmei, de nada adianta

    vociferar frases de efeito. Chamar a UHE Teles Pires de faraônica é prova de falta de conhecimento do setor elétrico, da demanda de energia do país, e do próprio estudo ambiental. Lamento, mas minha pergunta básica não foi respondida: quantos leram de fato o EIA e quantos entendem de fato dos assuntos tratados nele.

    Sou biólogo e a multidisciplinaridade de meu trabalho na área ambiental me deu a oportunidade de aprender alguns conceitos técnicos de engenharia e de socioeconomia. O convívio com especialistas de diversas áreas nos possibilita absorver pontos de vistas e compartilhar angústias. Não lidamos com esse processo de forma burocrática e mercenária, como julgam vários blogueiros ambientalistas (apesar de que há maus profissionais em todas as áreas).

    Particularmente eu tive a oportunidade de trabalhar com pessoas muito capazes, que não esconderam conhecimento e informações. Um busca no outro a compensação das perdas que julgamos mais importantes nas nossas especialidades. Dessa forma conseguimos vislumbrar um conjunto de possibilidades e alternativas que possibilitem tornar um projeto ambientalmente viável. E no final apresentamos o tamanho desse custo.

    Pergunto-lhes: quantas vezes não refletiram sobre a necessidade de ampliar as vias públicas de suas cidades para melhorar o fluxo de automóveis, para reduzir a poluição ambiental e o tempo de deslocamento para o trabalho? O que tem isso a ver com uma hidrelétrica? Muito, porque tais obras exigem a desapropriação de moradias, especialmente daquelas construções antigas que estrangulam calçadas e vias. Mas para o benefício da cidade inteira, é necessário que isso seja feito. Os engenheiros de tráfego levam anos discutindo as melhores soluções para a cidade. Para a ampliação do metrô, a construção de estações adicionais pode exigir desapropriação porque nem sempre é possível fazer as estruturas totalmente subterrâneas e em áreas públicas. Mesmo direcionamento do fluxo de uma via congestionada para uma via paralela, antes sossegada, pode provocar uma série de desconfortos aos moradores daquela via, eventualmente com desvalorização
    dos imóveis.

    A lógica – e o drama – de quem trabalha com avaliação de impactos ambientais é lidar com perdas e ganhos. Sabemos que uma parte significativa da população beneficiará do projeto, e sabemos que outra parte será seriamente impactada.

    A postura deste sítio é importante e necessária, porque deve defender os desfavorecidos nesse processo e contribuir para que sejam atendidos em sua ansiedades e reclamações. Porém essa postura deve ser fundamentada em argumentos técnicos e conhecimento aprofundado do projeto. E deve se posicionar de
    maneira correta porque, no fundo, também integra o conjunto dos beneficiados, porque usufrui da energia distribuída pelo Sistema Nacional Interligado. Nesse aspecto, o sítio não cumpre o seu papel quando faz afirmativas impressionantemente equivocadas.

    Uma delas diz respeito à vída útil do reservatório. Trata-se de um termo específico de hidrologia e engenharia que nada tem a ver com a vida útil da usina.

    A usina não tem vida limitada aos cinquenta anos, ela poderá gerar energia por mais de cem anos, na verdadade, indefinidamente. A vida útil do reservatório é o tempo estimado para o assoreamento de uma parte pequena do volume do reservatório,que vai do fundo até a soleira (base) tomada d’água para as turbinas. A tomada d’água é um conjunto de aberturas (uma para cada turbina) com mais de 15 metros de altura e quase dez de largura, impossível de ser entupida. Após cinquenta anos, estima-se que haverá um equilíbrio dinãmico entre deposição e exportação para jusante.

    Se pretendem reivindicar participação na discussão do setor elétrico, devem se preparar melhor para isso. Conhecer o setor, conhecer engenharia, conhecer meio ambiente e impactos ambientais é mais do que necessário. não basta ter um espaço na Internet e alardear impactos de um projeto do qual ouviram dizer algo.

    Que sugestões dariam para a geração de energia na região Norte, que tem nebulosidade em excesso, vento escasso, baixa queda e isolamento geográfico? Como suprir de energia São gabirel da Cachoeira, Oriximiná, Humaitá, Barcelos e tantos outros municípios? A geração de Teles Pires é superior à de 600 cataventos dos mais eficientes. Só que lá a velocidade média é de apenas 3 metros por segundo. E lembrem-se que energia eólica também causa impactos sociais e ambientais. Por isso, se querem discutir o setor elétrico brasileiro, contribuam com propostas sérias.

    O que não se conhece só pode ser questionado por um ato de fé. Infelizmente o que li aqui foi -quero crer – um ato de boa-fé. Mas já vi inúmeros atos de má-fé. Por isso eu os alerto para tomarem posição correta e fundamentada, que não caiam na vala comum dos sítios que só fazem reclamar para obter benefícios e se tornarem famosos, de gente que reclama para depois passar o currículo. Não sigam esse caminho, pois ele não contribui nada para a sociedade e menos ainda para os que de fato necessitam amparo. A propósito, a UHE Teles Pires desalojará não mais que 300 pessoas. Número bem inferior ao especulado por este sítio e por sua fonte de informação.

  3. Não, prezado Rodrigo. Racismo Ambiental é ignorar as pessoas que vivem, trabalham e sonham nos locais que estão atingidos por obras faraônicas, removendo-as como se fossem objetos descartáveis! É privilegiar o capital e o chamado “progresso”, ignorando os seres humanos por eles atingidos.

  4. Prezados, há enorme inconsistência nesse texto, e uma série de distorções da verdade. Ele denota a falta de conhecimento técnico de seus autores, a falta de leitura detalhada do EIA/RIMA da UHE Teles Pires, que é alvo de críticas com base no que foi escrito em outro sítio. Antes de replicarem notícias, deveriam os senhores analisá-la criticamente. É fácil atacar projetos hidrelétricos de suas cadeiras. Eu pergunto: quantos deste sítio leram de fato o EIA? Quantos têm formação técnica especializada para compreender o projeto de engenharia, ler o diagnóstico ambiental e quantos têm experiência em avaliação de impactos ambientais para opinar sobre a avaliação realizada?
    Repetir o que outros dizem, porque supõem que os outros sejam mais sérios que os 50 profissionais que realizaram o estudo, isso é muito arriscado. E não é ético.
    Racismo ambiental é replicar impensadamente afirmações irresponsáveis e difundir opiniões baseadas em conceitos equivocados e sem sustentação técnica.

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