Conflitos no campo baiano 2009: números caem, mas violência continua

Ver imagem em tamanho grande

Ruben Siqueira

Em relação ao ano anterior, 2009 registrou queda na maioria dos números relativos a conflitos no campo baiano, segundo o relatório da CPT – Comissão Pastoral da Terra, lançado hoje, em Salvador (15/4/09). Porém, os índices continuam altos, revelando a permanência dos fatores que geram violência, como a concentração da terra de sempre somada à nova expansão do agronegócio e da superexploração dos recursos naturais e dos trabalhadores. Além dos sem terra, as comunidades tradicionais passam a grande vítima. Em 25 anos, a Bahia está em 17º lugar no ranking nacional da violência no campo.

Foram na Bahia 48 conflitos em 2009, contra 75 em 2008 – uma queda de 36%. Conflitos por terra (todas as violências sofridas pelos trabalhadores rurais nas disputas por terra) foram 23, sendo que em 2008 foram 39 – queda de 41%. Ocupações de terra foram 13, contra 28 em 2008 – queda de 53,5%. Caiu também o número de famílias nas ocupações, em 27% – de 4.014 para 2.932. Mas o número de hectares envolvidos nelas subiu 34,7% – de 40.009 para 61.352. E o de famílias foi o terceiro maior do país. Acampamentos de sem terra fora da área pretendida (uma maneira de pressionar pela desapropriação) foram quatro, quando em 2008 tinha sido apenas um com 48 famílias. Em 2009, o número de famílias acampadas – 945 – foi o maior do país, e foi segundo o número de acampamentos.

O restante dos conflitos baianos foram seis casos de trabalho escravo, com 285 trabalhadores libertados, todos no Oeste do estado, área de expansão do agronegócio, e dois conflitos de água (impedimento do acesso a 30 famílias em Casa Nova e poluição de rios em Mascote em prejuízo de 1.200 famílias).

Em outras formas de violência contra o uso e a posse da terra dos camponeses (expulsões, despejos, pistolagem, casas, roças e bens destruídas), a Bahia ficou entre o terceiro e quarto lugares no país.

Violências contra a pessoa (assassinatos, tentativas, mortos em conseqüência, ameaçados de morte, torturados, presos e agredidos) somaram 48 ocorrências, envolvendo 44.175 pessoas, respectivamente 7º e 5º no ranking nacional de 2009.

Comunidades tradicionais maiores vítimas

Confirmando a tendência que se observa nos últimos anos, as comunidades e territórios tradicionais (indígenas, quilombolas e fundos de pasto) foram mais uma vez, ao lado dos sem terra, grandes vítimas da violência no campo, alvos de grileiros e seus prepostos. Dos 23 conflitos de terra na Bahia em 2009, em 11 foram estas comunidades as vítimas, envolvendo 2.370 famílias, 60% do total. Outros 11 tiveram como vítimas 1.525 famílias de sem terra. Sobre um, não há informações. Total de famílias nos conflitos de terra: 3.895, 5º maior número nacional.

No fundo de pasto Areia Grande em Casa Nova, foi assassinato José Campos Braga (Zé de Antero), em 4 de fevereiro de 2009. Era um dos líderes das 336 famílias que fazem uso comum e preservam área de caatinga ameaçada por grileiros. Caso semelhante é o do quilombo de São Francisco do Paraguaçú, em que 350 famílias sofrem pressão de especuladores imobiliários, apoiados pela mídia em geral, a Rede Globo em particular. Igualmente o quilombo Barra da Parateca, em Carinhanha, em que 214 famílias tiveram por várias vezes suas roças às margens do rio São Francisco, terras da União, invadidas pelo gado de fazendeiros, entre os quais um juiz. Assim como 13 comunidades de fundo de pasto, na região da fazenda Boqueirão, município de Barra, que somam 400 famílias e sofrem pressão de prepostos da empresa sulcoreana Celltrion, que tem para a área projeto de irrigação de cana para produção de etanol. Suspeita-se que seja este também o interesse nos demais casos.

O atual novo surto de desenvolvimentismo no país, com grandes projetos de infraestrutura e de expansão do agronegócio produtor de agrocombustíveis e multiplicação dos empreendimentos de mineração, estimula e reproduz os conflitos e a violência agrária na Bahia e no Brasil. É a razão também porque a reforma agrária não avança. Mas dela não desanimam os demandantes. Das 33 manifestações públicas, a metade foi exigindo terra e território. E tiveram o maior número de pessoas manifestantes em todo o país – 21.400.

O relatório Conflitos no Campo – Brasil 2009 está completando 25 anos (1985-2010) e traz um estudo sobre índice de violência revelado neste período. Este índice obtém-se dividindo a porcentagem de cada estado da federação no total do número de conflitos pela porcentagem de população rural do mesmo estado. Para a Bahia, quarta população do país e maior população no campo, este índice a coloca em 17º lugar no ranking nacional. Porém, o tipo principal de violência atual, como as grilagens e a pistolagem, significa um retrocesso aos anos 1985/90, quando o estado era dos mais violentos.

Enquanto não for feita uma autêntica reforma agrária, como manda a Constituição Federal, precedida de uma limitação do tamanho máximo da propriedade da terra e da revisão dos índices de produtividade agrícola, a violência agrária irá continuar no cenário baiano e nacional. Para infelicidade de toda a nação.

Sociólogo, da CPT Bahia / São Francisco.

Comments (1)

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.